Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

11.1.06

Número 021 - nova fase















Enquanto o carnaval não chega...

Já que temos de esperar que o carnaval acabe para o país voltar ao trabalho... ficamos com duas imagens do que restou do incêndio do antigo Hotel Pilão, em Ouro Preto, um dos mais recentes, mas não o último, exemplo do descaso das autoridades pelo patrimônio cultural.

E vamos às novidades deste boletim.

A revista Carta Capital desta semana traz reportagem ampla sobre o envolvimento do senador mineiro Eduardo Azeredo com Marcos Valério.
Alguns trechos:

O CAIXA 2 FOI MAIOR
A PF atesta a autenticidade do documento que estima em R$ 100 milhões os gastos de Azeredo em 1998
Por Sergio Lirio

O senador tucano Eduardo Azeredo terá de apresentar à CPI dos Correios novas e mais convincentes explicações sobre o tamanho do caixa 2 de sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais, em 1998, e sobre o quanto se envolveu diretamente na arrecadação. Entre o Natal e o Ano-Novo, contrariando as tentativas do PSDB de desqualificar a papelada entregue pelo lobista Nilton Monteiro no início de dezembro último, o Instituto de Criminalística da Polícia Federal (PF) concluiu não haver indícios de fraude no principal documento repassado por Monteiro aos delegados em Brasília, três páginas que detalham as supostas fontes e os supostos destinatários de cerca de R$ 100 milhões angariados entre empresas públicas e privadas. A maior parte sem declaração ao Tribunal Regional Eleitoral.

O “resumo da movimentação financeira” está dividido em 11 tópicos na primeira folha. O primeiro deles relata que só a SMP&B e a DNA, agências do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, teriam movimentado R$ 53,8 milhões em favor do comitê de Azeredo. Uma parte substancial, quase R$ 11 milhões, teria sido desviada de empresas públicas ou recém-privatizadas à época, entre elas o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), a Cemig, a Copasa e a Loteria Mineira.

Outra parte das contribuições ilegais teria vindo de companhias privadas, principalmente empreiteiras como a Queiroz Galvão, a Erkal, a CBN e a Tercam. O documento não especifica a quantia. Dos quase R$ 100 milhões supostamente arrecadados, apenas R$ 8,5 milhões foram declarados oficialmente pela campanha de Azeredo. Ainda na primeira folha, o documento indica uma outra fonte e um dos supostos destinatários do caixa 2. A fonte seria o empresário Clésio Andrade, hoje vice-governador de Minas Gerais. Andrade teria doado por fora R$ 8,25 milhões à campanha de Azeredo. Ele nega a doação.

A reportagem completa está na revista que se encontra nas bancas. Lendo tudo isso, fica, portanto, a grande dúvida... por que o PT não toma qualquer atitude contra o senador? Coisa estranha, sem dúvida...não há como negar que existe um acordo por ai...

Outra questão importante da semana foi o que aconteceu com Ariel Sharon. Independente de quem foi ele, do que fez no passado, dos massacres aos quais seu nome ficará para sempre relacionado...as atitudes dele indicavam uma mudança e uma possibilidade de se acertarem as coisas no Oriente Próximo. Com a sua saída da política, o que se pode esperar? É uma incógnita, mais uma, de uma região tão conturbada. Há um artigo logo abaixo, na seção Internacional.

Não deixe de ler, ainda, a entrevista com o filósofo John Gray. Polêmico, ele nos obriga a pensar e repensar um determinado número de questões a respeito do próprio futuro da humanidade.


Falam amigos e amigas

Ricardo,
Sou estudante de História e recebi a dica do seu blog através de um colega de trabalho que também é historiador.
É a primeira vez que abro o blog e encontro um texto sobre a minissérie JK. Trabalho na Globo Minas e concordo com tudo o que vc disse sobre a emissora, mas também tem outro lado bom que vc não comentou: a pesquisa por trás da minissérie... Eu participei através das pesquisas ao APM, Instituto Histórico, Biblioteca, livros e livros e posso garantir, que pelo menos a equipe faz um tremendo esforço... Infelizmente a população não peneira tudo o que vê, mas é um bom começo se nós, como formadores de opinião, mostrarmos quem foi JK... é só através de discussões e muito debate...
Um abraço,
Ana

Oi Ana. Prazer em receber seu email, mesmo não te conhecendo. Concordo com você e creio que não desmereci muito o que a Globo faz, pois sei que as novelas de época e as minisséries são acompanhadas de pesquisas que envolvem historiadores e estudantes. Mas o que eu tentei dizer e talvez não tenha ficado muito claro, é que, independente dessas pesquisas que são feitas, a minissérie, a novela ou o filme são, em última análise, a INTERPRETAÇÃO do autor ou do diretor. Não existe e nem pode existir a preocupação científica de abordagem de um tema, pois se existisse, deixaria de ser filme ou novela.
De qualquer forma, acredito que você e a equipe fizeram as pesquisas com seriedade. Agora, o que a autora e o diretor da minissérie vão fazer com o que vocês pesquisaram... isso é outra história.
Um abraço, volte sempre!
Ricardo


Festival de besteiras

Após ser alvo de balas perdidas, a diretoria do Hospital do Câncer IV (HC-IV), em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, decidiu fechar com concreto armado os vãos das janelas dos corredores das enfermarias, que dão vista para os morros do Encontro e dos Macacos.
Para amenizar a "paisagem", o hospital instalou, por cima do cimento, painéis de três metros de comprimento por 1,30 metro de largura com fotos ampliadas de paisagens de cartões-postais do Rio de Janeiro, informa a edição deste domingo do jornal O Globo.
A decisão de instalar os painéis aconteceu depois que pacientes, acompanhantes e funcionários do local protestaram contra o concreto, que também impediu a entrada de luz natural.
"O ambiente nesse tipo de serviço é algo fundamental. Tivemos que conseguir uma solução para que o concreto colocado nas janelas não deixasse o clima pesado", disse a diretora do hospital, Cláudia Naylor.


Internacional

1. O que pode ocorrer no Oriente Próximo com a saída de Ariel Sharon do governo? Sim, porque mesmo que ele não venha a falecer, estará completamente sem condições de reassumir o cargo. E não deixa de ser muito curioso o fato de que uma das pessoas consideradas mais linha-dura de Israel seja agora olhado como a maior esperança de paz na região.
Pedro Doria tenta entender o que pode acontecer em Israel

Israel sem Sharon é incógnita

É possível arrumar um jeito de gostar de Ariel Sharon à direita e à esquerda, e todos têm suas razões. É nessas razões que se percebe o vácuo que o pacificador durão deixa na política israelense. Na sua ausência, o eleitorado pode ir para qualquer lado. http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation. NavigationServlet.publicationCode=1&page Code=10&textCode=20357&date=currentDate

2. Em uma sala subterrânea de um templo maia na América Central, pesquisadores coordenados pelo antropólogo Willian Saturno, da Universidade de New Hampshire (EUA), acharam dez dos mais antigos hieróglifos da América, datados de 250 a.C. Os símbolos descobertos sugerem que a escrita pode ter surgido simultaneamente em dois locais no continente, ao contrário do que se pensava anteriormente.

Leia a noticia completa no site da revista Ciência hoje:
http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/4162

3. O que está ocorrendo em nuestra América? Há alguma coisa no ar, além dos aviões de carreira? Estamos assistindo ao retorno das esquerdas? Ou isso não passa de uma ilusão? Recentemente foi eleito no Uruguai um candidato de esquerda, mas que já está querendo fazer um acordo bilateral com os Estados Unidos, o que levará ao enfraquecimento ainda maior do Mercosul. Até que ponto as esquerdas continuam na esquerda? José Luis Fiori nos fornece mais informações:

Lembranças e esperanças
José Luís Fiori
Neste início de século XXI, está acontecendo algo extraordinário na América Latina, talvez uma ruptura revolucionária. Está em curso uma virada massiva e democrática à esquerda em quase todos os países do continente e, talvez, em breve, no México.(leia mais

4. Enquanto isso, no México...

O "delegado zero" e a outra campanha
por Elaine Tavares ( do Correio Caros Amigos)

Desde o dia primeiro de janeiro deste ano, os zapatistas insurgentes do México estão nas estradas do país. Eles cumprem uma determinação da "Sexta Declaração da Selva Lacandona", elaborada em junho de 2005, depois de debates e reuniões em cada rincão zapatista. Dentre inúmeros pontos, um deles dispõe sobre a atuação dos militantes diante da eleição presidencial que se aproxima. Segundo o "delegado zero", o subcomandante insurgente Marcos, os zapatistas não estão dispostos a compor com qualquer dos candidatos à presidência, nem mesmo com o dito candidato da esquerda, Lòpez Obrador. Por isso, definiram o que chamam de a "outra campanha", que se traduz numa andança por todos os estados do país. O objetivo é construir um programa nacional de luta, verdadeiramente anticapitalista e de esquerda.

O primeiro ato da "outra campanha" será cumprido pelo subcomandante. Sozinho, montado numa motocicleta preta, chamada de "Sombraluz", ele pretende ouvir cada mexicano e mexicana que encontrar, sobre seus sonhos de vida melhor. "Eu saio primeiro para ver como é o caminho que vamos andar, se há perigos. Vou aprender, e reconhecer o rosto e a palavra dos companheiros e companheiras, para unir a nossa luta zapatista com os trabalhadores do campo e da cidade".

A saída do Sub, acompanhada por milhares de pessoas, foi na cidade de San Cristóbal de las Casas, centro das comunidades zapatistas em Chiapas. Vestido de negro, o rosto coberto pelo pasamontaña (espécie de capuz preto que mostra unicamente os olhos e a boca) e o capacete, ele carrega na traseira da moto uma caixa que diz: EZLN - Precaución: pingüino a bordo. O "pingüino" é a cópia da "sexta declaração" e segue a técnica já bastante conhecida do Sub, que é a de lidar com símbolos e metáforas que são preciosos ao povo autóctone. Não é à toa que se auto-intitulou "delegado zero" - outra metáfora, tal qual os pasamontañas - que nada mais quer
dizer que ele é nada, um a mais na grande corrente zapatista.

Diante da catedral, acompanhado pelos comandantes Tacho, David, Hortência e Kelly, Marcos se despediu dizendo: "Se algo de mal me acontece, saibam que tem sido um orgulho lutar ao lado de vocês, meus melhores mestres e dirigentes. Estou seguro que seguirão levando pelo bom caminho a nossa luta, ensinando a todos a serem melhores com a palavra dignidade. Somos vento. Não tememos morrer na luta. A boa palavra foi semeada na boa terra. Essa boa terra é o coração de cada um de vocês, e nela floresce a dignidade zapatista".

O primeiro de janeiro também está carregado da simbologia zapatista. Foi num dia igual, em 1994, que este movimento arrancou de las montañas do sureste e tomou várias cidades. Os povos autóctones, relegados à obscuridade e à servidão, mostraram que estavam vivos e cheios de vontade de fazer acontecer um tempo novo, no qual a sua palavra fosse escutada. Foi aí que se levantaram em armas e mostraram ao mundo a disposição de fazer andar a dignidade das gentes. A rebelião armada acabou em doze dias, mas eles permaneceram organizados no que chamam de "paz armada". Desde aí têm ditado, a partir da selva Lacandona, uma outra maneira de organização e forma de exercer o poder.

Agora, cansados de receber promessas de sucessivos governos, de ver os massacres contra o povo seguirem adiante, e o neoliberalismo campear pelas vias do México, os zapatistas querem participar desse momento de re-organização do poder realizando uma outra campanha, que não será luxuosa nem ostensiva como têm sido as campanhas eleitorais no México, sempre sob o poder do dinheiro. A proposta é ouvir e despertar consciências. Para isso, Marcos vai visitar cada comunidade e não apenas realizar pequenas reuniões, embora nelas as pessoas possam verdadeiramente falar e expor suas idéias sobre como melhorar a vida no México. "Nós vamos até sua casa, carregar água com você, participar do seu dia-a-dia. E aí, você vai dizer o que está no seu coração, sua indignação, sua coragem. Tudo vai ser feito muito devagar. Não temos pressa", diz el Sub.Marcos também faz questão de ressaltar que o espaço de encontro que o movimento zapatista está promovendo não vai se prestar a fazer o jogo de qualquer candidato. "Este é o lugar das gentes que não têm partidos institucionais". Sobre Lòpez Obrador, que é considerado o candidato da esquerda, Marcos fala sem ilusões. Diz que o mesmo não está comprometido com a luta do povo e que vai acabar pendendo para direita, como tem acontecido com vários representantes desta "nova-esquerda", cada dia mais próxima do neoliberalismo.

Não são poucas as críticas que surgem no México à "outra campanha" zapatista. Intelectuais, sindicalistas e outras instituições que ainda acreditam na via eleitoral - e apostam em Obrador - insistem em alegar que esta caminhada de Marcos é desmobilizadora e promove a desagregação da esquerda. Mas, os zapatistas não querem o poder sem o saber. Não querem a mera disputa de votos. Querem as gentes sabendo das coisas, conscientes, capazes de dizer sua palavra. Por isso, a outra campanha anda e não pede votos. Marcos não é candidato à presidência, "ni la madre" - como diz, fazendo troça do poder. Marcos é um homem sem rosto, um a mais entre tantos autóctones, camponeses, trabalhadores, oprimidos, um delegado zero, um subcomandante. Caminheiro e viandante, um homem de milho, na luta por um tempo de claridão. No México e no mundo todo...Com ele, caminham as gentes de língua estranha e rosto originário, com ele caminham os que querem andar!
Com informações a partir do La Jornada e do EZLN.
Elaine Tavares é jornalista no OLA – Observatório Latino Americano.
www.ola.cse.ufsc.br


Brasil

1. Jorge Furtado avisa aos arqueólogos do futuro: para entender o Brasil precisa escavar muito e escavando, eles irão encontrar coisas aparentemente sem nexo. Mas é com o resultado dessas escavações que alguém poderá tentar compreender o Brasil. No futuro... se houver futuro...

ARQUEÓLOGO DO FUTURO
Escave aqui, escave lá
! - por Jorge Furtado
Somos o país mais injusto do planeta, em nenhum lugar como aqui há tanta diferença entre ricos e pobres, o que talvez dificulte a análise de suas descobertas. Cave com critério, há favelas vizinhas de palacetes, muitas crianças morrem de fome por minuto enquanto bolsas para senhoras são vendidas por 5 mil dólares.(leia mais)


2. Flávio Aguiar alerta para as atitudes anti-éticas da maioria dos órgãos de imprensa brasileiros, todos juntos, orquestrados, com o único propósito de tirar Lula e o PT do caminho. A partir do que ele nos mostra, pode-se imaginar o que será a campanha eleitoral deste ano... Sai de baixo!!!

IGDA em alta
Flávio Aguiar
Para atacar o governo e o PT, perdeu-se a noção de qualquer limite. O que está acontecendo é a orgia do massacre, perpetrada com uma mistura de desprezo e oportunismo. É o IGDA - Índice Geral de Desfaçatez Acumulada - que está em alta, dificultando muito a leitura de jornais.(leia mais)

3. E, de certa forma dando seqüência ao que Flávio Aguiar apontou, Lula Miranda nos mostra o Consenso da mediocridade. Quer se impor, de todas as formas possíveis (e a imprensa é o grande veículo, convenhamos) que não há governo mais corrupto que o atual. Será? Não temos a intenção de santificar Lula ou demonizar quem quer que seja, mas por que a oposição resiste tanto a investigar as privatizações do governo anterior? Corre-se – talvez – o risco de descobrir que já existiu um governo mais corrupto que o atual? Salvo engano, a Vale do Rio Doce foi vendida por 3 bilhões de reais... hoje ela vale apenas 48 bilhões...de dólares!!!

O consenso da mediocridade
Lula Miranda
Os consensos existem e resistem. Desejo alertar aqui para um outro consenso, que não o de Washington: o Consenso da Mediocridade. No Brasil de hoje, esse consenso definiu que o governo Lula não só é corrupto, como é "o mais corrupto da história".(leia mais)

4. E enquanto suas excelências, convocadas a trabalhar recebendo regiamente para tal, recusam-se a aparecer no Congresso, mas continuam recebendo regiamente para não aparecer lá... Vilas Boas Corrêa está certo: o Congresso está assolado e atolado em uma crise moral... e a única forma de resolver, em parte, o problema, seria os eleitores não reconduzirem nenhum, eu disse NENHUM dos atuais deputados e senadores...Não é a solução, mas pelo menos manda-se um recado...

Villas-Bôas Corrêa
A crise moral que assola o Congresso
A ameaça da reação do voto à reeleição que garante mais quatro ou oito anos em um dos melhores empregos do mundo apavora os parlamentares, que sugerem paliativos para adiar as medidas radicais que acabariam com as mordomias em cascata.
http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.

5. Peirópolis – A terra dos dinossauros

Uma grande quantidade de fósseis de répteis pré-históricos foi encontrada nessa região do Triângulo Mineiro – clique aqui para ler a notícia no site da revista Ciência Hoje: http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/4159

6. Em entrevista, o sociólogo Antônio Flávio Pierucci explica por que o cristianismo ainda é a principal religião adotada pelos brasileiros, fala sobre o influxo das conversões na sociedade e mostra que a nossa diversidade cultural não é tão grande como gostaríamos. "Que bela diversidade religiosa é essa nossa, na qual as religiões não-cristãs não somam mais do que 3,5% da população? É uma auto-ilusão que alimentamos. Podemos de fato ter gente de todas as cores e etnias, mas temos que calibrar melhor, diante do espelho censitário, essa auto-imagem de uma formidável diversidade religiosa (...) O brasileiro olha para si com olhos de multiculturalismo imaginado, irreal, exagerado.”

Leia a entrevista no site da revista Ciência Hoje: http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/4146


Entrevista

Celebrado como um dos grandes pensadores do século XXI, o britânico John Gray causa mais impacto a cada obra publicada. A tese central de seu mais recente trabalho, Cachorros de Palha, é a idéia de que a humanidade se engana ao acreditar que ocupa um lugar de destaque no universo, que pode controlar seu destino e algum dia será capaz de construir um mundo melhor.

A explicação para o título de seu livro está num poema do filósofo taoísta Lao-Tsé sobre cachorros feitos de palha que eram reverenciados nos rituais religiosos chineses e, após as cerimônias, eram incinerados. 'A raça humana deverá ter o mesmo destino - será descartada quando não tiver mais utilidade para o planeta', afirma. Segundo ele, a contagem regressiva para a humanidade deixar a Terra já começou. E poderá estar zerada antes do próximo século.


Neoliberal que se entusiasmou com Margareth Thatcher e depois rompeu com sua doutrina para apoiar o hoje primeiro-ministro Tony Blair - de quem agora é crítico -, o escritor é um polemista que recusa a coerência fácil ou a cristalização das próprias idéias. E não se acanha ao abandonar a defesa de suas teses, se conclui que estão equivocadas ou ultrapassadas. Considerado excepcionalmente lúcido por seus admiradores e um catastrofista por seus críticos, John Gray concedeu a ÉPOCA a seguinte entrevista:
John Gray
Dados pessoaisNasceu na Inglaterra, tem 58 anos
FormaçãoCursou Filosofia na Universidade de Oxford
Ocupação atualProfessor de Pensamento Europeu na London School of Economics
ObrasTem 14 livros, entre eles: O Falso Amanhecer; Al Quaeda e o Que Significa Ser Moderno; Cachorros de Palha

ÉPOCA - Por que senhor afirma que o homem não é mais um habitante da Terra, mas um invasor do planeta?
John Gray - A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso.
ÉPOCA - O senhor afirma que o ser humano não é tão diferente dos demais animais, e tampouco superior. Mas o desenvolvimento tecnológico, o avanço da ciência e da cultura não são provas de uma superioridade?
Gray - Os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento. Mas não são capazes de controlar seu destino nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses aspectos, somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto destruidor, predatório. No século XVIII, o Iluminismo imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão. Mas a alternância de períodos de avanços com declínios prosseguiu inalterada. Regimes tirânicos se sucederam. A história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir.
ÉPOCA - Pelo que se depreende de suas teses, o senhor não duvida da noção de progresso, apenas acredita que o homem é falho e incapaz de controlá-lo. É isso mesmo?
Gray - Não acredito que haja avanços em ética e política. Temos momentos melhores e piores, mas em geral a História humana é um ciclo intermitente de anarquia e tirania. Trazemos em nosso DNA a inclinação para a autodestruição e somos incapazes de mudar. Nesse sentido, não há progresso. A atual Guerra do Iraque mostra isso. Os Estados Unidos não eram a nação mais desenvolvida do mundo? No entanto, não puderam impedir a tortura de prisioneiros em Abu Graib. Se alcançamos estágios avançados por um lado, a todo momento perdemos essas conquistas.
ÉPOCA - Há esperanças de que esse quadro se modifique?
Gray - Pode haver progressos em alguns lugares do mundo, em certos momentos. Mas não haverá uma mudança efetiva, generalizada. Observe que mesmo as convenções de guerra existentes não são respeitadas. Em termos de desafios ambientais, a situação ainda é pior. As mudanças climáticas afetam o mundo inteiro, ameaçam toda a civilização.
ÉPOCA - Não há nada a ser feito?
Gray - O que temos a fazer é trabalhar com objetivos modestos, com expectativas mais baixas e realistas. Não esperar pela salvação do planeta, mas buscar uma qualidade de vida melhor, criar condições para retardar o declínio. Isso é possível.
ÉPOCA - O senhor não estaria sendo muito cético levando-se em conta os movimentos de defesa do meio ambiente, ações pacifistas e outros que tentam reverter esse quadro?
Gray - Duvido muito que consigam. Sou descrente de que será feito algo realmente eficaz para combater o aquecimento global. A demanda de combustível fóssil vem aumentando a um ritmo de 1,9% ao ano. A rápida industrialização da China só agrava esse problema. Não quero dizer com isso que não se deva fazer nada. Cada nação pode perfeitamente contribuir de alguma forma. Mas os esforços ainda seriam tímidos e há poucas razões para otimismo quanto a uma reversão radical do quadro.
ÉPOCA - E depois do homem, o que ficará? Em seu livro, o senhor prevê que, antes de desaparecer, a humanidade terá dado fim a muitas outras espécies, e também afirma que as máquinas vão continuar a existir, sendo capazes de tomar decisões.
Gray - Não acredito que a inteligência artificial chegará a ser mais avançada que a humana, nem que os robôs e as máquinas sucedam aos seres humanos no sentido evolutivo, ou cheguem ao ponto de se tornar uma ameaça a nossa espécie. Isso pertence mais ao terreno da ficção científica. Mas vislumbro que serão capazes de executar a maior parte das tarefas humanas, e reparar-se mutuamente em caso de falhas. As máquinas poderão continuar quando o homem não estiver mais aqui. Tudo isso, é claro, vai depender da disponibilidade de energia de então.
ÉPOCA - Em que o senhor se baseia para dizer que o homem não possui livre-arbítrio?
Gray - Não temos controle sobre nosso destino. Nem sequer somos co-autores de nossas vidas. Chegamos ao mundo sem escolher nossos pais, nosso lugar, a língua que vamos falar. O que fazemos é improvisar diante da realidade que encontramos.
ÉPOCA - Por que o senhor afirma que as idéias cristãs causaram grandes prejuízos à humanidade?
Gray - Minha maior crítica ao cristianismo é sua tentativa de salvar toda a humanidade. O Islã também se coloca numa missão salvacionista, e por isso traz consigo tantos desastres. Não sou contra as religiões, e até acredito que os piores regimes foram os de base ateísta, como os de Stlálin e Mao Tse-tung. O cristianismo é em grande medida benigno e devemos muito a ele. Mas é preciso buscar um certo grau de ceticismo, ter cautela para não buscar verdades absolutas. Desconfiar. O colapso do comunismo foi algo positivo, pois essa ideologia também havia se tornado uma crença. Em contrapartida liberou forças muito perigosas baseadas em religião. Acredito que as filosofias orientais, como o taoísmo, são mais benéficas ao ser humano, porque têm objetivos mais modestos, nada expansionistas.
ÉPOCA - Parte do mundo islâmico vive tempos de radicalismo, e a Igreja Católica dá uma guinada conservadora para afirmar seus valores. É uma volta ao fundamentalismo?
Gray - Hoje quase não temos mais movimentos revolucionários. Eles estão restritos ao Nepal e a um ponto ou outro do planeta. O comunismo e o fascismo também entraram em extinção. Mas estão voltando outras formas de fundamentalismo - étnico, religioso, nacionalista -, que haviam desaparecido. Os Estados Unidos vivem uma onda fundamentalista, parte religiosa, parte política. O nacionalismo na Europa está muito intenso. Todos os tipos são temerários, porque alimentam conflitos e impedem seres humanos de viver juntos.
ÉPOCA - Depois da Guerra Fria, o mundo pôde se tornar mais pluralista. Essa diversidade poderia contribuir para evitar uma tensão mundial como a daquele período?
Gray - A história da humanidade é uma sucessão de embates, e é ridículo pensar que a causa desses conflitos é o choque entre civilizações diferentes que não se entendem apenas por motivos ideológicos. As guerras sempre foram motivadas por outros fatores, como a busca por recursos. A Guerra do Iraque foi iniciada com o pretexto de ali estar se formando um Estado fascista. Falácia. Se hoje assistimos à contenda entre as nações islâmicas e o resto do mundo, isso se deve à crescente demanda por petróleo barato. As nações ricas precisam de uma quantidade cada vez maior de combustível, o que gera essa tensão. Mas o pior ainda pode ser evitado.
ÉPOCA - De que maneira?
Gray - Retirar as tropas do Iraque seria um grande passo. Mas as políticas energéticas são a fonte alimentadora do terror. Seria importante que as nações se tornassem menos dependentes de petróleo. Isso aliviaria as tensões entre o Ocidente e o mundo islâmico.
ÉPOCA - O modelo intervencionista da política americana se esgotou?
Gray - É evidente que Bush fracassou. Seu desafio agora é como sair dessa situação sem grandes prejuízos. A guerra teve um custo muito alto e seus efeitos serão sentidos por décadas. Em 20 ou 30 anos, a influência dos EUA sobre o mundo será bem mais limitada. Os americanos terão de ser mais cautelosos e vão depender ainda mais da ajuda de outras nações.
ÉPOCA - O senhor criou polêmica entre seus pares ao defender aspectos do regime de Fidel Castro.
Gray - Ele já teve pontos positivos. Nunca foi benéfico no que se refere às liberdades individuais. No entanto, obteve avanços ao reduzir as taxas de mortalidade e implantar um eficiente sistema de saúde. Mas mesmo esses benefícios se perderam. Agora, o regime cubano caminha para o colapso total, o que provavelmente ocorrerá com a morte de Fidel.
ÉPOCA - Que regime político seria ideal para responder às questões que se colocam no momento à maioria das nações ocidentais?
Gray - Não devemos procurar por um único sistema ideal. Ainda temos no mundo regimes péssimos, como o da Coréia do Norte, por exemplo. A democracia representativa geralmente é citada como a mais benéfica, mas também está sujeita a erros e não é uma garantia de respeito ao estado de direito, como o governo Bush demonstrou. Temos de utilizar um conjunto de experiências, tentar agregar aos regimes democráticos existentes mais garantias às liberdades individuais, mais mecanismos de vigilância e controle da administração pública, assistência social eficiente e proteção do cidadão pelo Estado.
ÉPOCA - O senhor já foi um apoiador do modelo liberal e hoje advoga fortes mecanismos de controle para o que chama de fundamentalismo do mercado...
Gray - Sim, mas nunca fui um fundamentalista do mercado. Os modelos econômicos e os projetos políticos precisam estar em permanente mutação. Não podemos nos agarrar a uma crença e ficar presos a ela para sempre. Os desafios mudam. Entre os riscos do mundo atual, por exemplo, está o de termos Estados fracos. E cada vez mais acredito que um Estado fraco é um mau Estado.
ÉPOCA - Tendo por base os dilemas contemporâneos, como vê o mundo daqui a 20, 30 anos? Quais serão as questões em pauta?
Gray - É difícil dizer. O terrorismo e o crime organizado já são problemas agudos hoje. Parece evidente que as questões ambientais vão se aprofundar, e que a explosão populacional vai se agravar. Teremos 1,2 bilhão de habitantes a mais no planeta em 2050. Mas tentar prever o futuro é algo traiçoeiro. Há fatores imponderáveis. Quem poderia imaginar, 20 anos antes, que o comunismo entraria em colapso no fim da década de 80? O importante é entendermos as questões contemporâneas e tratarmos delas adequadamente. Woody Allen disse certa vez que "fazer previsões é muito difícil, especialmente sobre o futuro". Eu digo que fazer previsões é fácil, entender o presente é bem mais complicado.
ÉPOCA - Seus críticos afirmam que o senhor se expressa por meio de afirmações apocalípticas e que suas teses pecam por um catastrofismo que não leva a conclusão alguma.
Gray - Não sou um missionário, um neocristão, um neoliberal, um neocomunista. Não tenho crenças a defender nem trago uma doutrina, um manual de salvação para determinado grupo. Eu só estou interessado em estimular as pessoas a pensar, levando a elas subsídios que lhes sirvam de alertas. Há questões desagradáveis a ser encaradas e meu intuito é ajudá-las nesse processo.
ÉPOCA - Alguma palavra de alento sobre o destino da humanidade?
Gray - Essa não é minha área (risos). Recomendo que as pessoas busquem a religião para isso.



Livros e revistas

1. Revista de Historia da Biblioteca Nacional nº 7 – Traz um dossiê sobre o futebol no Brasil e artigos sobre: as trupes circenses – o trabalho indígena foi fundamental para a economia colonial – os americanos dos Corpos da Paz no Brasil – um bígamo gaúcho na Inquisição – Henrique Dias, um negro que ascendeu socialmente na colônia – história em quadrinhos tem grande potencial didático.

2. História Viva nº 27 – Dossiê sobre a nudez na história – Artigos: Luther King – o Zorro histórico – JK: o homem por trás do mito – Revolta da Chibata – Os primeiros cientistas na Amazônia.

3. O soldado absoluto. Uma biografia do marechal Henrique Lott, de Wagner William, Ed. Record, 522 p., R$ 60,90 – nestes tempos em que se fala tanto de JK, é fundamental conhecer a trajetória do militar legalista que garantiu a posse do mineiro na presidência e foi seu ministro da guerra. Por isso mesmo, depois de 1964 passou a ser hostilizado nos quartéis.

4. Revista do Arquivo Publico Mineiro, 152 p. R$ 20,00 – dossiê sobre a coleção Casa dos Contos e entrevista com o historiador Evaldo Cabral de Mello

5. Para entender o poder – o melhor de Noam Chomsky, de Peter R. Mitchell e John Schoeffel, Ed. Bertrand Brasil, 546 p., R$ 59,00 – a atualidade das reflexões de Chomsky sobre os principais acontecimentos das últimas décadas.
6. A origem do terror: A história dos clãs Saud e Bush - Gustavo Barreto - As verdades do livro "As Famílias do Petróleo", que organiza e explicita as relações entre os clãs Bush, dos EUA, e Saud, da Arábia Saudita.
Leia http://www.novae.inf.br/pensadores/historia_clas.htm


Sites interessantes

1. Diretamente do Piauí, novo blog de historiador na praça:
http://www.historiologos.blogspot.com/

2. Revista eletrônica História, Imagem e Narrativas propõe-se analisar como as fontes iconográficas narram a História. Endereço: http://www.historiaimagem.com.br/

3. Se você tem estômago forte, clica neste endereço, enviado pela Lucimary. Demora um pouco para abrir, mas... seria importante que todos vissem: http://www.ekincaglar.com/coin/flash-br.html

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