Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

31.10.07

Número 111





EDITORIAL

Nesta segunda feira estive em Diamantina, batendo um papo com os alunos do segundo período do curso de Turismo da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Foi um papo descontraído, mas muito produtivo, sobre os rumos da política mineira e nacional. As indagações dos alunos foram muito pertinentes e ensejaram um debate bem interessante. A razão de minha ida é porque nosso livro História de Minas Gerais é adotado como leitura básica da disciplina do mesmo nome. E, claro, ao final, não faltou a sessão de autógrafos...rss.... Vejam algumas fotos:




Aproveitando a folga que tive na terça de manhã, fui visitar a antiga Fábrica de Tecidos de Biribiri, situada a 14km de Diamantina. Uma estrada de terra, muito bem cuidada, e com paisagens muito bonitas e diferentes, nos leva até o local onde funcionou, até 1972, a fábrica de tecidos. Não pude deixar de me perguntar a razão de se colocar uma fábrica em local tão distante de tudo, tão isolado de tudo e de todos, que deveria ter, na época, dificuldades enormes para expedição dos tecidos. Parece que, em seus inícios, os empresários tinham algumas idéias meio que baseadas nas teorias dos socialistas utópicos, de que se poderia criar uma comunidade baseada na educação, na religião e no trabalho. Os regulamentos eram minuciosos e demonstravam a extrema vigilância a que os trabalhadores e, principalmente, as trabalhadoras da fábrica estavam submetidos.
O local está ainda bem preservado e hoje é alugado para eventos e algumas casas podem ser alugadas para férias e feriados. Quem curte solidão em meio a uma paisagem exuberante, pode ir que irá se dar muito bem. Algumas fotos do local:



Apesar de o dia dos professores ter sido em meados de outubro, recebi este texto, publicado no Correio Caros Amigos. Apesar de doloroso, ele não escamoteia as reais condições de trabalho hoje existentes para aqueles que se dedicam ao magistério. Por isso, embora com atraso, creio que vale a pena ser lido e comentado. No fechamento deste Boletim, vejo uma reportagem extraída do jornal Estado de São Paulo, dando conta de que pesquisa realizada com 3.584 docentes em todo o país, revela que 80% não se sente valorizado pela sociedade. Outro dado interessante: 31,6% dos professores enxergam sua atividade como “atividade ligada aos valores e à moral”, e apenas 8,66% consideram como “trabalho”. Deixe seus comentários ao final deste boletim.

Professor: profissão perigo
por Josafá Santos

15 de outubro. Deveria estar orgulhoso por ser o homenageado pelo dia destinado à profissão que abracei, deveria estar comemorando com os meus colegas de ofício, mas não estou. Nem eu nem meus colegas, pelo menos uma imensa maioria, não temos hoje o que comemorar, ainda que orgulhosos da profissão que abraçamos. Ser professor tem se tornando um misto de ofício perigoso e insistência masoquista. Quase um ato suicida. Do pior tipo. Do tipo que, aos poucos, lentamente, mata a alma. O corpo físico, nem se diga.

Poderia falar das muitas estatísticas que apontam o alarmante (e alguém se alarma com isso?) quadro de profissionais de educação com sérios problemas de ordem neuro/físico/emocional/psicológicas, em decorrência das péssimas condições de nosso trabalho. Não bastasse o salário indigno à função exercida, somam-se outros tantos cravos conhecidos, fincados nessa pesada cruz a carregar-se: as salas de aula criminosamente superlotadas, as (inúmeras) escolas fisicamente ainda mal aparelhadas, a falta de recursos, o que nos força a aulas semimedievais, ainda na base da saliva, quadro e giz; o barulho ensurdecedor, lancinante, destrutivo, que emana de todos os recantos da escola, das salas de aula, dos corredores, do pátio, da rua, o barulho, ah, o barulho! Nossa única arma contra ele é o nosso grito, cada vez mais rouco, pois quase aos gritos, ou aos gritos de fato, temos de dar aula, única forma de nos fazer ouvir ou, muitas vezes, respeitar nesse campo de batalha que têm se tornado as salas de aula. Aos que se recusam a, gritando, perder a voz em poucos anos, e esses, os que perdem a voz, são muitos, resta a difícil arte de educar os ouvidos e corações alheios, buscando-se-lhes provar que é possível aos seres humanos se comunicarem vocalmente sem que um fique surdo ou sem que o outro perca o dom da voz ou da razão. Literalmente falando.

Educar nunca foi tão perigoso. Somamos a tudo dito acima o ensinar-se a muitos que, simplesmente, não querem aprender. E muitos não o querem não por desvio de caráter ou por indolência íntima, mas porque foram ensinados, e muito bem, antes de chegar à escola, que estudar é algo ruim. Tiveram bons professores. Falo dos pais desestruturados, filhos por sua vez de outras “famílias” mal geridas, num ciclo involutivo quase sem fim. Falo de um encontro casual, de um descuido contraceptivo que o destino fez transformar-se numa “família”. Sem a base afetivo/emocional/estrutural necessária, sem o planejamento mínimo, duas pessoas que mal se conheciam se fazem, em nove meses, os primeiros tutores de um ser que aos 6, 7 anos é mandado para um lugar chamado escola. Escola que muitas vezes é vista e usada ora como creche, ora como o porto “seguro” das ruas violentas, ou simplesmente como o local onde seu rebento vá receber alguma porção de comida que seja ao longo do dia e onde será entregue a alguém que o forme como homem, como cidadão, como ser humano, já que para isso são pagos os professores. Dever da família? Que família?

Há ainda uma outra gama de seres, os que não tendo perspectiva nas ruas, e nela também não tendo limite algum, limite também que, não encontrando em casa, se portam na sala de aula da mesma indigna forma que se portariam em seus domínios, buscando se impor pela tirania. Aos que aceitam, dá-se o antigo preceito da suserania/vassalagem; aos que não aceitam, resta o embate, sempre desgastante, quando não perigoso. Por falar em embate, a escola tornou-se, com raras exceções, um local de batalhas, num campo minado. E muitos já são os mutilados dessa guerra. Numa outra análise, pode-se falar da escola como um hospital não admitido. Nela, muitos são os portadores dos mais variados tipos de patologias (emocionais, psicológicas, afetivas e físicas), sem que se lhes dê o tratamento adequado e necessário. Ao professor, esse que “abraçou o magistério como um sacerdócio”, cabe a múltipla função de ser ao mesmo tempo: pai, mãe, irmão, psicólogo, guia espiritual e médico. E, não raro, ser também da polícia. Sim, nas escolas também existem armas e drogas. E gente disposta a usá-las.

Muitos acharão pessimista o meu artigo, carregado de excessiva violência verbal. Violência? Violência é que nós, educadores, temos vivido e morrido a cada dia em nossas unidades de ensino. Chegamos ao absurdo de começar a admitir o conceito da “agressividade aceitavelmente permitida”. Os palavrões, os desacatos, os desrespeitos em sala de aula, nos corredores, nos pátios, nas áreas livres; as ameaças, veladas ou não, dirigidas a quem trabalhe em educação, tornam-se a cada dia um fato comum, “natural e perfeitamente aceitável” e que, portanto, deve ser por todos aceito. Tem se tornado o professor um refém dentro de seu local de trabalho. Em muitos casos, com medo entramos em nossas escolas, com medo nos sentimos, ao sair delas, um vergonhoso e inaceitável sentimento de alívio nos toma conta da alma. Não passamos pelos bancos das universidades para, no exercício de nossa carreira, sentirmos isso.

Educador há doze anos e cidadão há 35, nunca vi em minha vida um gari a varrer a rua e ser xingado, ofendido. O mesmo digo de um policial a pé ou em sua viatura, fardado ou à paisana; de um delegado em sua delegacia, de um dentista, de um médico, de um engraxate, de um mecânico, de um feirante ou de um ambulante, durante os afazeres de seus ofícios. Aos professores, entretanto, criaram a fábula medonha de que estes seres suportam tudo, e que são eles os “detentores da extrema mansuetude e paciência”. Não sabem os que tal asneira professem como verdade, que a “paciência” diante desses casos, cada vez tão mais citados, muitas vezes nada mais é do que o simples medo, ou a anulação enquanto ser, travestidos de calmaria, de santificada resignação. Muitos já sãos os estressados, os roucos, os mudos, os surdos, os depressivos, os enfartados, os fartos (ah, os fartos do ofício!), entre nós, professores. Mas também muitos já são os agredidos, os mutilados, os ameaçados de morte e por fim os mortos de fato. Mas esses números quase nunca aparecem. Especialmente nas propagandas dos partidos e políticos eleitos, ou dos que lutam para se eleger. Para ambos, a educação é, e sempre será, o “futuro da nação”, refrão já roto de tão usado, uma falácia que não causa mais efeito algum. Para estes é claro que os problemas existem, mas também não são tão graves a ponto de merecerem real atenção.

Essa técnica, aliás, a de esconder a cabeça num buraco, tal qual se diz da avestruz diante de um inimigo ou em dias de tempestade, é também norma típica dentre muito educadores (em tempo: a história da avestruz covarde é fictícia. Nem ela é um animal tão estúpido assim) “Problemas? Que problemas? Problemas? Minha escola? Problemas? Eu? Eu não tenho problema algum...” Admitir um mistério implica resolvê-lo, o que implica muito trabalho, ou no mínimo uma mudança significativa de postura diante de si, do mundo, da vida. E muitos professores (sic) simplesmente não querem isso. Optaram (aí sim, resignadamente) por aguardar de forma ansiosa pelo dia de sua sonhada aposentadoria para, então, deixarem de ser professores.
O que ainda salva a nós, professores, nesses dias de eterna tempestade nesse imenso mar de calhaus são as boas presenças e lembranças dos nossos (ainda, muitos) bons alunos, que nos fazem acreditar que o nosso sonho de um mundo digno ainda é possível. Mas há de se dizer: desses bons alunos, um número cada vez menor se vê abraçando a docência como destino. Fica a pergunta: sem professores, onde estará o nosso futuro?

Josafá Santos é historiador e especialista em educação


FALAM AMIGOS E AMIGAS

1. RICARDO, OBRIGADA PELO BOLETIM. QUANDO O LEIO SINTO-ME COMO A LAGARTA: MUTAÇÃO COMPLETA E "NATURAL".
ABRAÇOS DE ADMIRAÇÃO!!!!!É TÃO PRAZEROSA A TRANSFORMAÇÃO...
Profª Eliana Fonseca

FALANDO DE HISTORIA

A matéria saiu no Caderno Mais, da Folha de São Paulo e nos foi enviada pelo prof. James Goodwin

Ruínas em obras
"POMPÉIA DESPERTA" E "ANTIGÜIDADE RECUPERADA" NARRAM A HISTÓRIA DA CIDADE ARRASADA PELA ERUPÇÃO DO VESÚVIO, NO ANO DE 79, E MOSTRAM COMO OS TURISTAS ATUAIS VISITAM IMAGENS RECONSTRUÍDAS DOS NÚCLEOS URBANOS DA ROMA ANTIGA

Duas efígies em gesso de pessoas abraçadas no momento da morte tiveram papel importante em "Viagem à Itália", de Rossellini
MARY BEARD
Se você desejasse visitar Pompéia na metade do século 19, a melhor solução seria apanhar um trem em Nápoles até a estação mais próxima e depois caminhar ou cavalgar até um dos portões principais do sítio arqueológico. Isso foi o que o papa Pio 9º fez em 22 de outubro de 1849, durante um breve exílio causado pela revolução em Roma.
Como conta Judith Harris em "Pompeii Awakened - A Story of Rediscovery" [Pompéia Desperta - Uma História de Redescoberta, 320 págs., 18,99 libras, R$ 70], seu fascinante relato sobre a redescoberta da cidade soterrada, Pio 9º chegou no trem das 9h30, acompanhado por uma escolta da Guarda Suíça, alguns dignatários napolitanos e seu chefe de cozinha pessoal."Para poupar Sua Santidade de uma longa caminhada pelas ruínas" foi preparado um carrinho capaz de se movimentar sobre trilhos. Como a distância entre eixos dele não se enquadrava às dimensões das ruas antigas, muitos dos famosos degraus de Pompéia foram removidos por ocasião da visita e jamais restaurados.
O papa visitou o local de escavação, admirou a Casa do Fauno e depois acompanhou por algum tempo os trabalhos de escavação, que convenientemente resultaram na descoberta de algumas antigüidades que Pio 9º pôde levar com ele.
Trem e carruagem
Se deixarmos de lado o carrinho, o vandalismo e a escolta superdimensionada, a visita seguiu mais ou menos o padrão que se aplicava aos turistas comuns da época.
A primeira edição do "Murray's Handbook for Travellers in Southern Italy" [Guia de Murray para Viajantes no Sul da Itália], um guia regional publicado em 1853, recomendava o transporte ferroviário, a menos que o grupo contivesse mais de cinco pessoas, o que tornaria mais barato alugar uma carruagem em Nápoles, dados os preços das passagens (uma demonstração de bom senso econômico que o papa obviamente preferiu ignorar).
Ao chegar à estação, o guia recomendava insistentemente que os visitantes entrassem no sítio arqueológico pela rua das Tumbas, hoje a principal via de acesso a Pompéia, e que caminhassem até a Vila dos Mistérios e continuassem percorrendo as ruínas no caminho de volta até o hotel Bellevue, ao lado da estação, onde seria possível obter um almoço tardio junto ao "proprietário muito cortês e obsequioso".
As experiências dos visitantes decerto mudaram de muitas maneiras ao longo do século 19. Por volta de 1865, como deixa claro uma edição posterior do "Guia de Murray", já era preciso pagar entrada para visitar o sítio arqueológico; o preço cobria o custo do guia ou cicerone, cuja presença havia se tornado obrigatória.
O hotel Bellevue estava sob nova administração. Seu nome foi mudado para hotel Diamede, e o estabelecimento se tornou uma perigosa arapuca para turistas (os leitores eram aconselhados a não pedir uma refeição sem antes "chegar a acordo prévio quanto ao preço com o anfitrião"). Mas muitos dos detalhes essenciais se mantinham inalterados.
A entrada para o sítio arqueológico pela rua das Tumbas, que continuou a ser a rota recomendada até a década de 1870, enfatizava o fato de que, para a maioria dos visitantes do século 19, uma visita a Pompéia era uma visita à cidade dos mortos. O local era tão funerário quanto arqueológico e suscitava reflexões sobre a tragédia da destruição e a fragilidade da condição humana, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, parecia "dar vida" ao mundo do passado.
Esqueletos sempre tiveram posição de destaque na agenda dos visitantes. Mas a sensação que Pompéia propiciava foi intensificada pelo desenvolvimento da técnica necessária a produzir imagens em gesso reproduzindo os corpos das vítimas, criada na década de 1860 por Giuseppe Fiorelli (antigo político radical que se tornou um dos mais influentes diretores na história das escavações arqueológicas em Pompéia).
Gesso era derramado nas cavidades deixadas pela decomposição da carne e das roupas dos mortos, produzindo imagens notáveis de seus traços físicos e das contorções que sofreram em seus momentos finais de vida.
Mulher caída de costas
As efígies em gesso são o tema de um capítulo fascinante em "Antiquity Recovered - The Legacy of Pompeii and Herculaneum" [Antigüidade Recuperada - O Legado de Pompéia e Herculano, ed. Getty Trust, 304 págs., US$ 60, R$ 109], suntuosa coleção ilustrada sobre a história moderna de Pompéia e Herculano, editada por Victoria Gardner Coates e Jon Seydl.
O capítulo escrito por Eugene Dwyer explica como as roupas pesadas visíveis nas esculturas, as calças aparentemente usadas por ambos os sexos e os lenços nas cabeças das mulheres -"ao modo oriental", como disse um arqueólogo- negavam a imagem popular vigente sobre as roupas romanas, quase sempre retratadas como sumárias, se não lascivas.
Já outros observadores questionaram, nas décadas subseqüentes, se as roupas que as pessoas decidem usar em meio a uma erupção vulcânica podem ser consideradas exemplos de vestimentas cotidianas.
Os lenços na cabeça talvez fossem menos influência oriental do que um recurso prático para impedir que as cinzas recobrissem os cabelos.Dwyer também acompanha a história de diversas imagens em gesso que se tornaram símbolos especialmente famosos da cidade e de sua destruição.
Entre elas está um dos primeiros trabalhos de Fiorelli: uma mulher caída de costas, se esforçando para se erguer e respirar, com a saia arregaçada por sobre as coxas -dando a impressão, provavelmente enganosa, de que ela estava grávida.
Alguns estudiosos vitorianos interpretavam a mulher como prostituta (ela portava uma pequena estatueta de Cupido e um espelho de prata). Outros a descreveram como uma dona-de-casa zelosa (com base em uma grande chave de ferro que ela também portava).
De qualquer modo, essa "mulher grávida", como usualmente é conhecida, ganhou papel de destaque nas discussões sobre as escavações no final dos anos 1860 e começo dos 1870 e foi registrada nas primeiras fotografias do local -até que fosse sobrepujada por imagens ainda mais pungentes de sofrimento, e sua efígie em gesso terminasse misteriosamente perdida.
Morte abraçada
Essas figuras moribundas continuam a assombrar a imaginação moderna.Como discute Jennie Hirsh em outro dos ensaios publicados em "Antigüidade Recuperada", duas efígies em gesso de pessoas que se mantiveram abraçadas mesmo no momento da morte assumiram papel importante em "Viagem à Itália", que Roberto Rossellini dirigiu em 1953, servindo como lembrete ao casal moderno interpretado por Ingrid Bergman e George Sanders sobre como o casamento deles havia se tornado vazio e distante.
Mas, sob outros aspectos, a experiência de visitar a cidade dos mortos hoje difere muito daquela de que os turistas desfrutavam 150 anos atrás. É certo que muitos dos pontos turísticos mais procurados continuam os mesmos, ainda que a área revelada até a década de 1850 tenha mais que dobrado.
Além das imagens em gesso, os visitantes continuam a lotar a Casa do Fauno, o Templo de Ísis e as Termas Stabiane.
Mas o ponto crucial é que o propósito subjacente da visita se estreitou. Os visitantes modernos chegam para visitar uma cidade da Antigüidade, para "voltar no tempo" (mesmo em companhia de 2 milhões de outros turistas todo ano).
Os visitantes do século 19 vinham também movidos por esses objetivos em mente. De fato, a idéia de que pela primeira vez a vida cotidiana dos romanos estaria exposta aos olhos modernos é o que valeu a Pompéia o apreço especial dos primeiros turistas.
Mas eles se interessavam igualmente por ver os processos pelos quais o passado era revelado. Estavam interessados naquilo que sabemos sobre a cidade antiga, mas não menos interessados em descobrir como o aprendemos.
Um aspecto desse interesse em processos é revelado pelo ávido envolvimento dos guias de viagem do século 19 no debate sobre as dúvidas e incertezas quanto à identidade e função dos antigos monumentos revelados pelas escavações. Quando eles foram escavados pela primeira vez, não era óbvio que edifícios eram aqueles, e que funções cumpriam.
Um caso clássico é o da grande estrutura localizada à direita do Templo de Júpiter, no fórum principal de Pompéia, apresentada aos turistas contemporâneos -sem causar controvérsias- como um "mercado".
Hoje, a construção é uma das ruínas menos imponentes de Pompéia, e a pintura brilhante das paredes, tão comentada pelos visitantes da era vitoriana, praticamente desapareceu, desbotada pelo tempo.
Mas no passado existiam estandes de comerciantes em um dos lados, um balcão de açougue ao fundo e uma área de preparação de peixes (a julgar pela grande quantidade de escamas localizadas) por sob uma cúpula no centro do pátio principal -tudo isso operando sob a proteção dos imperadores divinizados de Roma, cujo templo se localizava na última porção do edifício, ao lado do açougue.Ou assim nos é informado com toda a confiança.
Interpretações diversas
O visitante do século 19, em contraste, podia escolher entre várias interpretações conflitantes. O edifício talvez fosse, como algumas autoridades sobre a era supunham, um templo aos 12 deuses do Panteão (a suposição derivava do fato de que as 12 colunas que hoje são consideradas suportes da cúpula central eram então vistas como pedestais para estátuas).
Ou talvez o local servisse como uma grande área para o culto do imperador Augusto, com celas para os sacerdotes do culto imperial ocupando os espaços que posteriormente viriam a ser identificados como lojas.É verdade que, ocasionalmente, escavações mais recentes ajudam a resolver os enigmas que afligiam gerações passadas. Mas em muitos casos, como no desse "mercado", uma ortodoxia moderna dúbia, mas conveniente, tomou o lugar do debate e da discussão que marcavam o século 19.
Essas prioridades diferentes também são vistas como parte da tradição de escavações encenadas, da espécie que aconteceu quando da visita papal, em 1849, e eram a atividade dominante da indústria do turismo em Pompéia desde o século 18 -quando qualquer dignatário visitante era considerado como alvo aceitável para a venda de tesouros, pinturas ou esqueletos, escavados, de maneira aparentemente inesperada, diante do nariz do visitante. Hoje em dia tendemos a rir da crueza dessas manipulações e da credulidade dos espectadores (será que os membros visitantes da realeza eram mesmo ingênuos a ponto de imaginar que descobertas maravilhosas como aquelas aconteciam por acaso no momento mesmo em que eles estavam presentes?).
Mas, como sempre, os truques do setor de turismo revelam as esperanças e as aspirações dos visitantes ao mesmo tempo em que expõem as artimanhas dos locais. No caso de Pompéia, os visitantes queriam testemunhar não só as descobertas em si mas os processos de escavação que lançavam luz sobre o passado.
Era como se os primeiros visitantes da cidade tivessem, ao mesmo tempo, de manter duas cronologias ativas em seus cérebros: de um lado, a cronologia da cidade antiga e de seu desenvolvimento; de outro, a história do gradual ressurgimento de Pompéia como parte do mundo moderno.
"Pompéia Desperta" e "Antigüidade Recuperada" tentam, de maneiras diferentes, recapturar parte dessa visão estereoscópica, acompanhando a história da escavação das cidades soterradas e destacando-a como crucial para a compreensão que temos sobre os locais, ao visitá-los hoje. Ambos oferecem percepções aguçadas e ocasionalmente pitorescas sobre a história moderna de Pompéia e Herculano, das primeiras explorações sob os idiossincráticos reis Bourbon (e suas rainhas freqüentemente formidáveis) e o regime napoleônico.
Em sua maior parte, "Antigüidade Recuperada" praticamente não erra. Ele inclui alguns estudos maravilhosos sobre a história moderna de Pompéia, de autoria dos mais conhecidos estudiosos do ramo.
História de um friso
Mas, se existe uma contribuição individual que demonstra que a "recepção" de Pompéia e da história de suas escavações não representa um acréscimo, mas sim parte essencial da moderna compreensão arqueológica quanto ao sítio, é o capítulo de Bettina Bergmann sobre o famoso friso "dionisíaco" da Vila dos Mistérios.
Um livro suntuoso do arqueólogo Amedeo Maiuri, de 1931, patrocinado pelo Estado (fascista) e contendo fotos em cores raras para a época, as pinturas -muitas vezes vistas como retrato de um casamento ou de uma iniciação mística que inclui flagelação e revelação do falo- estão agora tão associadas ao nome de Maiuri que muita gente imagina que tenha sido ele o responsável pela escavação original.
Na verdade, o sítio havia sido descoberto em 1909 por uma expedição eufemisticamente designada como "particular", comandada por um empresário local de hotelaria, Aurelio Item -o que explica o nome inicial do sítio, "Vila Item", e não "Vila dos Mistérios".
As imagens do friso haviam sido publicadas e discutidas três vezes, acompanhadas de desanimadoras fotos em preto e branco, antes que Maiuri decidisse se encarregar da tarefa. No curso de um estudo extenso sobre o friso, que se estende às suas apropriações posteriores por mídias tão diversas quanto a psicanálise ou a série "Roma", da HBO, Bergmann propõe uma questão crucial.
Até que ponto as imagens de Maiuri estavam próximas das descobertas originais? Ou, aliás, até que ponto o que vemos hoje no sítio reflete o que foi descoberto lá em 1909? Muitos dos visitantes talvez percebam que o teto da sala e a parte superior das paredes são restaurações modernas (ainda que minha experiência pessoal sugira que bom número deles acredite que a sala toda, incluindo o teto, represente uma forma de preservação miraculosa da Antigüidade).
A maioria dos turistas -e, aliás, dos visitantes acadêmicos- presume que as pinturas, ao menos, estejam sendo apresentadas mais ou menos como escavadas. Eles têm razão? Estamos contemplando o "frescor vívido de originais", como os arqueólogos alegam? Bergmann conclui, com honestidade, que jamais poderemos reconstruir a aparência que o friso dionisíaco tinha na era romana -ainda que possamos ter certeza de que era bastante diferente daquilo que vemos agora. Sei que eu mesma jamais voltarei a encarar o friso da mesma maneira.
MARY BEARD (1955) leciona cultura da Antigüidade na Universidade de Cambridge (Reino Unido). É autora de "The Parthenon" (Harvard University Press) e co-autora, com John Henderson, de "Antigüidade Clássica" (ed. Zahar). A íntegra deste texto foi publicada no "Times Literary Supplement". Tradução de Paulo Migliacci.


BRASIL

"Eu sou diplomata que exerce uma função sob diplomacia ocupada também"
Arnaldo Carrilho, diplomata brasileiro, foi designado como Embaixador Extraordinário junto à Cúpula América do Sul-Países Árabes, que acontece em 2008. Antes disso, exerceu um dos mais desafiadores serviços a que pode ser designado um diplomata: foi o Representante da diplomacia brasileira junto à Autoridade Palestina. Leia a entrevista que concedeu ao Icarabe, na qual fala, entre outras coisas, da eleição do Hamas, de contatos "ilegais" entre as populações palestinas e israelenses, a questão do Irã e a cobertura da imprensa sobre o conflito na região. A Arturo Hartmann

Icarabe: Os palestinos já passaram por diversas etapas do conflito com os israelenses. A nakba, em 48, depois 67, com a ocupação de seus territórios, depois a década de 90, com Oslo, e todos esses marcos significam etapas importantes do conflito. O que a eleição do Hamas significou dentro dessa trajetória?

Arnaldo Carrilho: O Hamas não é uma criação original palestina, é uma criação da Irmandade Muçulmana, com sede no Cairo (Egito) e financiamento do Catar. Os palestinos muçulmanos estavam esperando muito uma oportunidade histórica que os fizesse chegar ao poder. E chegaram em função da desmoralização máxima dos sucessores de Arafat. Uma coisa que geralmente não se fala da questão palestina é a divisão clânica da sociedade palestina, como ocorre com as sociedades libanesa, síria, jordaniana, que é muito mais grave, e egípcia. O que houve foi o seguinte: Israel, querendo criar o inimigo do inimigo, mas que seria inimigo futuro, protegeu o Hamas. Hamas quer dizer zelo, mas a palavra zelo no islã quer dizer a obediência à jihad. Por sua vez, jihad não quer dizer guerra santa, como a imprensa ocidental em geral classifica, mas quer dizer a disposição para defender a religião. Quem votou no Hamas em janeiro de 2006 não foram apenas muçulmanos, mas cristãos também, por causa do desespero causado pela humilhação de uma ocupação crescentemente injusta e humilhante. O Hamas, antes protegido por Israel, foi ao mesmo tempo um vento que deu ao povo palestino chance de manifestar sua posição a um estado de coisas que era realmente catastrófico. Não é possível que o primeiro-ministro (Ahmed Qurei, do Fatah, no posto de 2003 a 2005) da Palestina importasse clandestinamente, com proteção israelense, cimento do Egito para construir o muro. Então, o que houve com o Hamas é que ele foi um sopro de liberdade. Acontece que os Estados Unidos da América, o senhor George Bush diz: "Não aceitamos a eleição do Hamas porque o Hamas é terrorista". E eu quero dizer o seguinte a você: o Hamas não é terrorista, é resistente. A prova é que Condolezza Rice, visitando Ramallah, chegou ao presidente Mahmoud Abbas e perguntou: "Você pode me dizer qual a diferença entre terrorismo e resistência?". É muito difícil nessas circunstâncias. Se eu me explodo com uma bomba num mercado israelense e sou chamado de terrorista, o que dizer então de uma incursão, que é como eles chamam, de helicópteros com mísseis onde palestinos traidores, alcagüetes, com um spray incolor indicam ao helicóptero onde mandar o míssel. Onde é que está o terrorismo? Ela pediu para definir o que é resistência, mas não pediu para definir o que é terrorismo porque ela parte do princípio de que terrorismo todo mundo entende o que seja.
Icarabe: O que é o terrorismo no contexto do conflito?
Arnaldo Carrilho: Com a palavra terrorismo, é preciso ter muita atenção. Um dos grandes especialistas do mundo sobre terrorismo é um homem que, inclusive, não é de esquerda. É um judeu alemão chamado Walter Laqueur. Ele diz que é uma palavra derivada da fase do Terror da Revolução Francesa, mas só foi usada pela primeira vez pelos nazistas. Até a ascensão de Hitler e do partido nazista na Alemanha, não se usava "terrorismo". Quando o arquiduque austríaco foi assassinado em público, em Sarajevo, em 1914, gerando a Primeira guerra mundial, ninguém disse "o terrorista matou o arquiduque". Não se usava a palavra. Hoje em dia a palavra terrorismo se tornou uma palavra bloqueante da aplicação da lei. "Ah, é terrorista, logo não precisa de decisão judicial, a gente mata, a gente prende em Guantánamo". A palavra terrorismo se tornou uma palavra mágica, não passível de julgamento judicial. No momento, há cinco ministros palestinos presos porque acusados de terrorismo. Foram arrancados de suas casas, aos berros, durante a noite, de pijama, com suas mulheres ao lado, com seus filhos em casa chorando porque eram terroristas. Então, aquelas datas que você menciona muito bem - 47, 48, 49, 56, 67, vamos para as Intifadas, em 87, 2000, 2001, 2002, e agora 2006, que marca a eleição do Hamas, são datas que marcam a impossibilidade de a Palestina ter o mínimo de autonomia. A nakba, a catástrofe, existe até hoje, ela é perene, ela está viva o tempo todo. E essa questão toda da Palestina, com o desastre, a catástrofe, a nakba, representa, e faço questão de frisar, a questão nacional número 1 do mundo e da equação internacional. Então, essas datas são sim importantes nesse sentido que estou dizendo. Se você pegar um automóvel, protegido por guardas fortemente armados, e ir à Gaza, você entenderá porquê. Entenderá que estamos diante do maior campo de concentração ao ar livre da história da humanidade. Há 1,4 milhão de pessoas em Gaza, no momento em que estamos conversando agora, que não tem liberdade de ir e vir, de dormir, pois os aviões F-16 israelenses, de propósito, passam a cada 40 minutos, meia hora, a cada hora, em rasantes nas cidades de Gaza, rompendo a barreira do som, apavorando as velhas, os velhos, as crianças, ensurdecendo bebês. A eleição do Hamas, que foi, em toda a história do mundo árabe, de uma limpeza e transparência, como reconheceu um próprio deputado brasileiro, representa um protesto diante do mundo. E o mundo respondeu como. "Não, são terroristas, logo não merecem atenção, logo tem que ter sanção, bloqueio, boicote".
Icarabe: Uma das preocupações dos palestinos é de como as próximas gerações vão encarar a resistência, uma preocupação que existe entre a comunidade no Brasil, por exemplo...
Arnaldo Carrilho: Notei essa preocupação.
Icarabe: Eles temem que os netos dos que foram expulsos não saibam mais o árabe e o que é ser palestino. Qual o risco de Israel vencer, de que os primeiros sejam expulsos e as outras gerações, aos poucos, de fato esqueçam?
Arnaldo Carrilho: Não haverá esquecimento, a prova é que nesses 60 anos você tem hoje em dia 4 milhões de palestinos vivendo nos territórios ocupados e que não querem sair dali, não querem se refugiar na Jordânia, na Síria, no Líbano, não querem ir para Europa ou Estados Unidos. Eles estão ali resistindo, e resistem de todas as formas possíveis. Resistem até com formas ilegais de procedimento. Tenho uma amiga que é antropóloga, de uma especialidade muito curiosa chamada Espaços Arquiteturais. O trabalho que ela faz no momento é exatamente sobre o contrabando de palestinos com soldados israelenses nos checkpoints.
Icarabe: Como isso acontece?
Arnaldo Carrilho: Isso existe de maneira viva, diária. Eu assisti com meus olhos. E esses contrabandos vão desde peixe, portanto produtos alimentícios vindos de Gaza, até bombom, ouro e jóias. E isso, portanto, entre setores deliquenciais do exército israelense e setores marginais da sociedade palestina. Você pode dizer: "mas como, você está me contando um fato anormal, de delinqüência, ilegal", mas mostra que a sociedade palestina está viva. É como o narcotráfico no Brasil, ’ah, o narcotráfico!’. Acho muito curioso os intelectuais de Ipanema no Rio de Janeiro: "Ah, precisamos reforçar o policiamento". Para protegê-los? Os intelectuais de Ipanema? Acho ridículo, absolutamente ridículo. Eles querem ser protegidos, então vamos reforçar. Eles querem ser protegidos de quê? Nos seus bares de Ipanema, nos seus bares de luxo. A mesma coisa se passa na Palestina. É uma sociedade dividida, tem uma classe dominante, uma classe dominadora, como a nossa classe, e eles têm que resolver um problema interno da Palestina, mas isso é problema da sociedade palestina. Por exemplo, os clãs. Existem os clãs deliquenciais, criminosos em Gaza. Esses clãs criminosos em Gaza é que mantiveram, por exemplo, por cento e poucos dias seqüestrado o jornalista Alan Jonhston, da BBC. Mantêm até hoje o cabo Gilad Shalit, do exército israelense. E é muito difícil para o próprio Hamas e para elementos do Hamas negociar com essa gente pela soltura do cabo, pela soltura do fulano ou do beltrano.

Icarabe: Por que ela é a questão central das relações internacionais hoje em dia?
Arnaldo Carrilho: Porque o grande problema do mundo árabe, que é um mundo secularmente humilhado e ofendido, é que não obteve sua autonomia e se tornou preposto de interesses estratégicos muito diretos. O Magreb, da França, há algum tempo é disputado pelos Estados Unidos. Há presença, que no início foi soviética, americana na Argélia, no Marrocos e na Tunísia. A Líbia, no momento, com o Kadafi, está entre uma força e outra tentando fazer negócios com a França e, com algum sucesso, com a Grã-Bretanha. Por que o senhor Tony Blair nos seus últimos dias foi dar dois beijos na face de Kadafi? Fez isso porque ele necessita da Líbia, do gás e do petróleo líbio, necessita ter um pé no norte da África, o que sempre foi um desafio estratégico do Reino Unido. O Kadafi necessita desenvolver o país, pois tem um problema de permanência e descobriu lucidamente que a única coisa que poderá fazer o regime dele manter-se no poder é fazer bons negócios com a Europa. No momento, a Líbia tem água subterrânea que está sendo canalizada. É um projeto de 10 bilhões de dólares. É isso, é muito direto. É um mundo complicado, mas o objetivo é muito fácil de entender. Complicado é o modo de fazer. A questão da palestina é complicada, pois o objetivo é um só, a desocupação. As fronteiras de 4 de junho de 1967, ou seja, a linha verde. Enquanto Israel não chegar à linha verde não há solução do problema palestino.
Icarabe: Qual o papel da sociedade israelense no problema?
Arnaldo Carrilho: A sociedade israelense é muito ativa, mas ela perdeu poder por incompetência porque foi acreditar no Partido Trabalhista, um grande traidor, digamos assim, das idéias da esquerda israelense. Gerou inclusive líderes mentirosos, que mentiram em primeiro lugar para o próprio povo israelense. Ela não está tendo chances por um curso de circunstâncias de natureza internacional. Os únicos exemplos de um certo movimento nesse sentido estão na América do Sul, na América Central (...) Então, o problema da Palestina não é um problema ideológico, no momento. O problema não é partidário, mas um problema de poder interno da sociedade palestina e de Israel, que representa a estratégia dos Estados Unidos no Oriente Médio. Quantas ogivas nucleares Israel tem?
Icarabe: Algumas centenas não admitidas...
Arnaldo Carrilho: Cento e setenta bastam para destruir todo o Oriente Médio. O que eles estão temendo no Irã é que ele desenvolva de fato artefatos nucleares com um pequeno detalhe que não se comenta, com tecnologia própria, e eles não sabem qual é essa tecnologia própria do Irã. Esse é que é o problema! A tecnologia da Índia é ex-soviética, a do Paquistão uma mistura de ex-soviética com americana. A do Irã ninguém sabe que tecnologia é.
Icarabe: Isso seria central dentro da questão do Irã?
Arnaldo Carrilho: Aí que está o problema. De modo que você leva em consideração o seguinte: o Hamas veio para existir, forçado ou não pelas circunstâncias históricas, pela intervenção de Israel, mas o Hamas é uma parte da sociedade palestina e uma parte da sociedade muçulmana. Nós vamos ter eleição agora no Marrocos – claro que as leis marroquinas e o regime marroquino se protege – mas você pode estar certo que a maioria que o Ocidente, não gosto da palavra, chama de fundamentalista, está pronta a votar nos partidos muçulmanos marroquinos. Claro que eles não vão atingir o poder, já está assegurado, tem toda uma estratégia jurídica-institucional que não vai permitir, tal como na Jordânia nos últimos dez anos, mas eles são altamente populares, são os únicos que falam da humilhação. É um assunto muito complicado. Eu gosto muito de conversar com meus amigos homens de negócios, ricos, na Palestina. Muitos deles fazem negócios com americanos, canadenses, europeus, mas todos eles têm uma coisa que não vejo em nossos empresários, eles têm um patriotismo absoluto. Isso é admirável. Eu nunca vi um homem de negócios falar "está certo que Israel faça assim, ou que os Estados Unidos comportem-se assim, a Grã-Bretanha, a Europa", nunca vi algum deles dizer isso. Todos se dizem humilhados, apesar de realizar negócios com esses países. Eles não estão pensando em casa em Miami ou apartamento em Paris. Eles vão a Chicago, Nova York, mas não pensam nisso. Eu tenho amigo que é importador de equipamento hospitalar, Bashar Al-Barghouti. O adido comercial do consulado-geral dos Estados Unidos em Jerusalém disse a ele, no momento máximo do boicote e do embargo americano à Palestina, para não tentar vender os aparelhos ultra-sofisticados de diálise que ele comprava nos Estados Unidos para os hospitais de Gaza, pois estava sob governo terrorista. A partir desse momento, eu me lembro ele chegando ao local que eu freqüentava e dizer: "não é possível, eles não querem que eu mande os aparelhos de diálise para Gaza. Quer dizer que vão morrer crianças, velhos, velhas, porque estou proibido de colocar meus aparelhos importados lá". Isso é um ato de desumanidade máxima, um ato de desumanidade via negócios, via relações comerciais. São coisas que não se divulgam.
Icarabe: Qual o principal problema do retrato que a imprensa faz da questão palestina e em que medida isso atrapalha um encaminhamento da solução?
Arnaldo Carrilho: Você desculpe responder com um negócio que está fora da realidade. No momento em que se está falando de televisão pública, e o ministro Franklin Martins preconiza a criação de uma TV pública com correspondentes na África porque um terço da população brasileira é de origem africana, acho que a gente devia ter correspondentes dessa hipotética TV pública em outras regiões do mundo. Acho, por exemplo, que temos que ter jornalistas em Jerusalém e Ramallah, tal como eu vivia lá. Se nós brasileiros tivermos jornalistas que fazem isso, como ingleses, franceses, americanos, nós teríamos a outra visão. O que faz a nossa imprensa é repetir o que está no noticiário internacional.
Icarabe: Mas a cobertura deles (de quem tem correspondentes na região) é melhor por causa disso?
Arnaldo Carrilho: É melhor dependendo das tendências de cada órgão. O "Financial Times" e o "The Independent" têm uma boa cobertura. Conheço, por exemplo, o representante da CNN em Jerusalém e Ramallah, que é um intelectual, um sujeito maravilhoso, jovem, mas que se sente tolhido por diretrizes da própria CNN. Depende evidentemente para que órgão você vai trabalhar. Eu, se fosse jornalista no Brasil de hoje, correspondente e fosse mandado para lá, gostaria de ser correspondente do "Estadão" (O Estado de S. Paulo). Ao menos eu ia ser publicado aqui. Para não fazer como um certo jornalista, cujo nome não vou dizer, que foi para lá e ficou hospedado na casa de um agente da ShinBet (agência de espionagem de Israel), e que quando eu falava na palavra ocupação, "o senhor vive falando em ocupação!". Claro, eu sou diplomata que exerce uma função sob diplomacia ocupada também. A nossa diplomacia em relação à Palestina é uma diplomacia de ocupação.
Icarabe: A opinião geral entre os embaixadores por lá é essa?
Arnaldo Carrilho: Salvo alguns raros que são favoráveis à potência ocupante.
Icarabe: O Brasil vai se envolver mais com a Palestina?
Arnaldo Carrilho: Vamos ter a reativação da nossa política. Nós temos um paradigma muito conhecido, que é a criação do Estado palestino, que tem que conviver com a realidade da existência do Estado de Israel, legalizado e institucionalizado no mundo inteiro pela comunidade internacional. Temos que conviver com esse país coeso, viável economicamente, ao lado de Israel. Em palestra, vi que alguns árabes protestaram quando eu disse que a Palestina precisa de Israel, e vai precisar sempre. É uma contingência geográfica, geoeconômica. Eles estão ali, encrustados em Israel, então tem que viver ali. O problema que eu vejo são os principais vizinhos. A Jordânia, do lado esquerdo, e o Egito ao sul. Esses países vão ter que aceitar essa convivência da Palestina com Israel. Eu estou preocupado com a convivência da Jordânia e do Egito com a Palestina. Aí é que está o grande desafio.

http://icarabe.org/CN02/entrevistas/entr_det.asp?id=50


NUESTRA AMERICA

1. Comissão aprova adesão da Venezuela ao Mercosul
Restando pouco mais de um ano de governo, Bush já é de fato um dos piores presidentes da História dos Estados Unidos. Qualquer ação no sentido de superar esta mancha na sua história deveria dar-se nos próximos 3 a 5 meses.

NOTICIAS

1.A Universidade Federal de Minas Gerais está convidando para o Colóquio Internacional Cortes, cidades, memórias, em comemoração aos 200 anos da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil. Será realizado na Fafich e no Museu Abílio Barreto, de 12 a 14 de novembro.

Dia 12 – no auditório Sônia Viegas:
10 horas – conferência: 1808: mutações e continuidades
14 horas – Cortes e cidades em movimento: o poder e as transformações urbanas
16:30 horas – Cidades reais/cidades mestiças no mundo ibérico.

Dia 13 – auditório Sônia Viegas:
9:30 horas – Trânsitos e cidades: os portos do tráfico negreiro
13:30 horas – Vilas, cidades e capitais: trânsitos e transformações nas definições do urbano
16:00 horas – o urbano em Minas: mutações e permanências

Dia 14 – Museu Abílio Barreto
9:30 horas – Cidades, museus e memória
13:30 horas – Cidade, modernidade e fotografia
16:30 horas – Conferência: A Corte, as Minas e as cidades: projetos para um império em movimento.

Informações e inscrições:
www.fafich.ufmg.br/cortes
telefone – 31. 3499-5045



LIVROS E REVISTAS

1. Nas bancas o nº 3 da revista Leituras da Historia, trazendo uma entrevista com o arqueólogo Álvaro Allegrette. Artigos principais: Do Realismo Socialista à Pop Arte – Ferrovias: As paralelas do café – Magia na Grécia – História das Idéias – Gandhi, o pai da nação.

2. O grande historiador francês Michel Vovelle, especialista em Revolução Francesa, publica um livro que deve ser muito interessante, vou recomendar sem ter lido, ainda. A Revolução Francesa explicada à minha neta. Editora Unesp, 101 p., 22 reais. Ele explica a Revolução, de fato, à sua neta, e de suas conversas, surgiu o livro.


SITES E BLOGUES

http://www.livroearte.com.br/

Seja bem vindo à exposição de trabalhos do restaurador e artesão Marcelo Ferreira. Neste site você encontrará exemplos de restauração e criação de livros de arte, álbuns, caixas e objetos de decoração. Marcelo Ferreira trabalha há anos com reestruturação visual e artesanato e tem grande experiência no ramo. Em suas criações utiliza diversificados materiais como papéis, tecidos e couros pintados à mão, executa grande variedade de bordados, mosaicos e texturização. O seu trabalho como restaurador visa a perpetuação de objetos que possuem valor sentimental às pessoas e suas criações trazem vida e cor ao ambiente que ocupam. Sinta-se à vontade e conheça o seu trabalho, basta clicar no endereço acima.

2. Um cientista diz que os negros são menos inteligentes. Um governador diz que pobreza gera violência. E um juiz mineiro diz que as mulheres devem ser submissas aos seus maridos. O preconceito paira no mundo, mas é muito mais perigoso quando parte de autoridades e formadores de opinião. Vamos gastar algum tempo conhecendo as idéias deturpadas dessas pessoas e questionando os concursos e eleições que os colocam no poder. Vale a pena ler este artigo, nem que seja para refletir um pouco.
O PSOL entrou com representação contra Eduardo Azeredo -- que acabou refutada pelos petistas, mais preocupados em ganhar apoio do PSDB para aprovação da CPMF. Neste artigo analisamos todo o caso do valerioduto, sua repercussão na mídia e outras questões importantes.
Mais dois capítulos de Injustiçados, com mais barbaridades jurídicas!
Leia em http://www.tamoscomraiva.blogger.com.br/


3. http://memoriaviva.digi.com.br/ocruzeiro/

No site Memória Viva, que está digitalizando todas as revistas O Cruzeiro, temos neste número, relativo ao dia 2 de agosto de 1930:
A morte de João Pessoa – Hontem e Hoje pelo caricaturista Belmonte – A caricatura no estrangeiro –

4. Biblioteca de Teses e Dissertações da USP. http://www.teses.usp.br/ "OK" O Portal do Conhecimento é uma iniciativa da USP que objetiva disponibilizar mundialmente, pela Internet, o seu conhecimento produzido e acumulado, num esforço de contribuição para a sociedade do conhecimento brasileira e mundial. O primeiro conteúdo desenvolvido especialmente para o Portal do Conhecimento é a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações criada para disponibilizar as teses e dissertações defendidas na USP para consulta ou download.

5. Newsletter Estante Virtual - Edição nº 20
domingo, 28 de outubro de 2007 03:45:01
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