Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

21.2.07

Número 079


EDITORIAL

A discussão proposta semana passada rendeu alguns bons frutos. Temos as participações do Tiago Menta, da Ana Cláudia e do prof. Moura: veja na seção Falam amigos e amigas, logo abaixo.
Neste editorial, coloco mais duas contribuições ao debate, ambas do site da revista Novae.

1. Culpados! (do site www.novae.inf.br)
Maria Helena Zamora*

O ódio e o medo da sociedade contra uma ameaça bem definida: jovens, negros, pobres, favelados. É ele o bandido, ele, o Falcão que morre quando mal alça seu primeiro vôo. Em um país socialmente considerado dos mais desiguais do mundo.
Uma discussão pode ser considerada séria quando, com argumentos razoáveis, se consegue esclarecer enigmas de uma questão ou indicar soluções plausíveis para um problema. No Brasil, a imprensa dá enorme destaque aos chamados crimes hediondos; o que seria natural, se raros fossem os crimes assim praticados no nosso país. Certamente não defendo a banalização da violência, ou mesmo que me conforme com os fatos ocorridos, justificando-os em vista de uma suporta escalada da violência em todo o planeta. Porém estranho ver que, quando uma senhora madura, de situação social, profissional e econômica privilegiadas, investe seu luxuoso automóvel contra um local público, onde supostamente estava sua rival, ferindo oito pessoas e matando uma moça de vinte anos, um ato criminoso desse tipo não é considerado crime hediondo. E não estou tratando de uma suposta ocorrência, mas sim de fato consumado, porém pouco divulgado pela imprensa, e, nesta pouca divulgação, amenizando-se a gravidade, buscando-se atenuantes que não se buscaria caso o crime tivesse sido cometido por pessoa de parcos recursos financeiros, um “zé-ninguém”, motorista de ônibus ou taxista, por exemplo. No caso em questão, ocorrido há pouco mais de uma semana, especialistas se levantaram para falar do obscurecimento momentâneo da consciência, causado pelo ciúme e também pelos hormônios da criminosa.
Dificilmente se encontra, mesmo na internet, uma matéria que trate do caso acima relatado. O que se lê, em geral, não menciona o nome da mulher que praticou o crime, mas se referem tão-somente a “Uma mulher de 58 anos que invadiu um bar com sua caminhonete Mitsubishi”. Na verdade trata-se de Carmem Regina Ulsefer, empresária, esposa de conceituado médico da cidade de Cascavel, no Paraná. Foi uma das mais discretas coberturas de um crime de tamanha gravidade à qual já assisti.
A imprensa não tem obrigação de resolver a questão da violência, mas deve tratar os fatos com seriedade, sem sensacionalismos que buscam apenas explorar a emocionalidade de populações angustiadas com problemas que se perpetuam e têm origem social definida. Nos últimos dez anos, vejo que, em geral, o que “causa indignação” no meio jornalístico é o crime que envolve a participação de adolescentes e jovens, quase sempre pobres e negros.
Editando-se as entrevistas populares, as emissoras de televisão destacam a panacéia que muitas pessoas indicam para nos livrar desses “monstros morais”: a redução da maioridade penal. No rastro da “opinião pública”, os colunistas e editorialistas jogam mais lenha na fogueira. Encarcerá-los mais cedo é sempre apontado como a solução, sem que jamais apareçam os elementos argumentativos que baseiam essa indicação. Talvez não apareçam os tais elementos pela razão singela que eles não existem.
O respeitado ILANUD (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), entre 2000 e 2001, mostrou que, dentre 2.100 adolescentes acusados, apenas 1,6% haviam cometido algum crime contra a vida, qualificado como homicídio. Além disso, examinando neste período o total de crimes cometidos no país, percebeu-se que menos de 10% deles são cometidos por adolescentes. Ou seja, essa análise recente, como outras, nos mostra claramente que o universo de jovens que cometem crimes graves é relativamente pequeno, se comparado ao do adulto. Dentro dele, a proporção dos que cometem homicídios é menor ainda, e o subconjunto dos crimes hediondos é raro. Raríssimo! Portanto, a redução da maioridade penal não teria qualquer impacto na melhora do atual quadro de violência. Portanto pede-se, clama-se, por nada!
Uma revista de grande circulação nacional e de tendência conservadora publicou raivosamente palavras contra os “menores”, favelados, claro. Porém consultando os maiores especialistas brasileiros em Segurança Pública, nenhum deles indicou a redução da maioridade penal como medida eficaz para combater a violência.. Mas, se é assim, por que a idéia persiste e ressurge sempre? Provavelmente porque esse argumento canaliza o ódio e o medo da sociedade contra uma ameaça bem definida: jovens, negros, pobres, favelados. É ele o bandido, ele, o Falcão que morre quando mal alça seu primeiro vôo. Em um país socialmente considerado dos mais desiguais do mundo.
Ele, o menor, é quem ocupa o sistema dito sócio-educativo, das FEBEMs e DEGASEs do Brasil: pobre, negro e favelado. É este também o perfil de quem geralmente vai para a cadeia no nosso país, quando consegue crescer um pouco mais. Suas mortes são vistas como “naturais”. Morrem mais meninos e jovens entre 13 e 24 anos no Brasil que em muitos países em guerra. Os números e fatos espantosos, apontados nos relatórios dos Mapas da Violência, lançados todo ano, estão disponíveis na internet. Na prática, não é preciso pedir mais severidade nas penas, pois mesmo a pena de morte já está informalmente em vigor para as camadas pobres da população.
Vítimas de qualquer tipo de crime nos sensibilizam. As pessoas querem e merecem viver, acertar e errar, consertar seus erros, serem felizes. Devemos honrar a memória de todas as vítimas dessa nossa época bárbara, porque todos nós somos filhos, pais, irmãos, esposos, amigos, avôs de alguém. E um mundo melhor é um sonho comum a todos os que estão vivos. Em vez do rebaixamento da maioridade penal, aqueles que verdadeiramente se importam devem lutar, com mais sensatez e objetividade, para que essas histórias trágicas, deploráveis, não se repitam nunca mais. Conhecendo mais o Estatuto da Criança e do Adolescente e então exigindo o seu cumprimento, pois se trata de uma legislação elaborada para garantir direitos a todas as crianças e adolescentes, sem distinção de classe social, com a participação das idéias e sugestões de toda a sociedade.
O que incomoda no Estatuto da Criança e do Adolescente? Certamente a ampliação do poder real que ele confere ao povo, aos cidadãos, a todos nós. Entretanto, apesar de ser uma legislação em plena vigência, pouco dela foi colocado em prática. Não há como querer se revogar uma lei cujas determinações são desrespeitadas. Ora, se o Estado não faz valer o Direito, como fará para estabelecer o cumprimento do Dever? Vamos aplicar o Estatuto, antes de procurar modificá-lo. Vamos sim cobrar do Estado uma educação e saúde de qualidade, a criação de espaços de lazer e cultura nos lugares sem equipamentos sociais, programas sociais com atendimento de excelência para todos os meninos e meninas de nosso país.
Vamos ter certeza de uma verdade inconveniente: estamos todos no mesmo barco. E a opressão de tantos é nosso naufrágio.
*Profa. Dra. Maria Helena Zamora, Docente da PUC-Rio, Vice-coordenadora do LIPIS, organizadora do livro "Para Além das Grades" e de publicações brasileiras e internacionais sobre a infância.
2. Um fascismozinho ordinário
Do Diário Gauche

É assim que Michel Foucault e Gilles Deleuze davam nome ao comportamento de certos indivíduos que detém algum poder na relação com filhos, subordinados, pessoas de nível cultural ou econômico inferior, idosos, etc, e que se aproveitam para praticar pequenas opressões cotidianas na órbita das relações interpessoais. Esse fascismozinho ordinário é muito comum se observar em nosso meio, basta parar e mirar ao redor da gente. Não tem nada a ver com os sistemas fascistas conhecidos, já que ocorrem no reduto do indivíduo, à sua revelia, num plano inconsciente, precisamente naqueles que passam por cima de considerações e princípios dos direitos humanos, do humanismo e da democracia no círculo das relações pessoais.
Mas eu vou além, acho que Foucault e Deleuze poderiam nomear de fascismozinho ordinário àquelas manifestações de uma certa mídia (que cada vez mais perde o discurso).
Me explico: ontem à noite o programa da rede Globo, Fantástico, apresentou uma entrevista com os pais do menino João Hélio que foi arrastado cruelmente por jovens bandidinhos no Rio de Janeiro. A entrevistadora foi a jornalista Fátima Bernardes (aquela mesmo, a ledora de teleprompter). Achei de um oportunismo odioso. Além da intenção comercial de faturarem nos altos níveis de audiência que um tema desse alcança, a Globo quer vender o "peixe" da diminuição da idade penal e outros quejandos. Simplificação atroz.
Um fascismozinho ordinário , esse. Estão usando a mãe e um pai cortados e recortados de dor para amolecer corações e mentes em favor de uma medida inócua e fascista (esta sim, francamente, sistemicamente, fascista).
No calor da emoção não surgem idéias, surgem emoções embaladas em moralidade vulgar. A idéia da Globo ontem (e certamente hoje continuará batendo na mesma tecla) foi de promover uma segregação generalizada de emoções, confundinda-as com pensamento. A Vênus Platinada quer que os brasileiros secretem pensamentos emocionais da mesma forma que as glândulas sudoríferas secretam suor.
David Hume há muitos séculos já deixou claro que não se pode confundir emoções morais com pensamento, com racionalidade. Mas quem liga hoje para David Hume?
Além das contribuições dos amigos e amigas, veja na seção Brasil Quem votou contra o combate ao trabalho escravo no Brasil e Um genocídio intelectual nas escolas. Na Seção Internacional, ONU diz que daqui a 20 anos faltará água para 2/3 da população mundial; Hisbolá na Tríplice Fronteira? Ou água...muita água???.....; Oriente Médio vivo.


FALAM AMIGOS E AMIGAS

1. Ana Cláudia Vargas:

A crise é humana : será que ninguém percebe isso?

Não. Eu não vou me ater a este último fato, a última “barbárie que abalou o Brasil inteiro”, como afirma a imprensa recheada dos clichês mais banais e gastos. Sobre a morte do menino eu nem quis saber detalhes porque fiquei aterrorizada demais... Mais o meu terror não é só por ele e sim por todos os meninos e meninas que morrem todos os dias de forma brutal no mundo inteiro. E eles morrem em guerras nas favelas do Brasil e da Colômbia, morrem lá longe, na África, de fome e AIDS; morrem aqui em São Paulo, na terrível Cracolândia (afinal, nós também temos a nossa Disneylândia, como não?!).

O menino morto vai virar nome de praça e todo o horror desse fato há de ficar – mais um – na memória do Brasil (como o massacre de Eldorado dos Carajás e da Candelária, os mortos nas tantas chacinas periféricas no Rio e São Paulo e os 111 presos do Carandiru), o tempo vai passar, todos os especialistas disso e daquilo serão chamados para opinar, debater, analisar e eles analisarão o fato do fundo e do alto de seus mapas sociais, de seus gráficos, de suas teses e estudos e pesquisas. Mas, tantas análises chegarão à essência da coisa toda?

Conseguirão explicar a origem do monstro que está sendo gerado dia após dia por nós mesmos? Sim: nós estamos criando estas tragédias sociais. Nós e apenas nós. Nós quando olhamos as favelas com o terror dos que estão indo se enfiar em algum shopping – os oásis da nossa mediocridade – quando vemos as prostitutas que tem no máximo 13 anos e achamos que elas são apenas vagabundas; nós quando – mais uma vez, como agora, como sempre – vamos nos deixando enredar por esse ódio coletivo que a mídia engendra em torno dos assassinos deste (pobre) menino.

Por favor: em hipótese alguma estou defendendo a barbárie cometida! Em hipótese alguma estou do lado destes meninos que cometeram esse assassinato terrível! Não! Eu apenas gostaria que tudo fosse analisado de forma mais cuidadosa, sem esse clima de caça às bruxas que está tomando conta do pensamento coletivo. Estes meninos – fruto de todas as tragédias sociais que nós ignoramos com louvor – são também vítimas desse trágico jogo no qual estamos todos metidos até o pescoço! Eles devem pagar sim, pelo crime brutal! Devem ser julgados com justiça e ressalto com justiça porque sabemos o quanto há, no Brasil, dois pesos e duas medidas para tudo (basta lembrar dos tantos crimes políticos julgados com toda a benevolência). Ontem, depois de tentar me desvencilhar dessa história a todo custo (sinceramente: não gosto de ver violência em lugar nenhum, muito menos quando há crianças envolvidas, mas a imprensa insiste em nos manter ligados nisso o tempo todo: aqui também reina a hipocrisia e uma notícia como essa é um fato que pode render picos no ibope, vender mais jornais e então, dá-lhe versões sensacionalistas!) acabei vendo na TV a cara dos assassinos. Eles estavam bastante machucados, acuados, assustados. Pareciam bichos enjaulados, animais expostos como num circo (dos nossos) horrores. Serei apedrejada se disser que senti pena deles? Será que exterminaremos o mal do mundo produzindo o mal no mundo? (Como isso será possível? Algum especialista pode me dizer?) Eles mataram o menino, a polícia espanca esses meninos, a população em peso pede a redução da maioridade penal e todos nós mergulharemos – quer dizer, acho que já estamos submersos – numa nova idade média. Todos no escuro de nós mesmos.

Tem razão o autor deste artigo, Robert Kurz, quando diz que “O raciocínio era platônico”: sim, vivemos platonicamente. Criamos um mundo de imagens, fingimos algum sentimento quando a coisa fica feia – como agora – quando abrimos aquelas mensagens virtuais cheias de crianças famintas na África ou não sei onde (o mundo é vasto e a dor também), mas quantos de nós realmente faz algo pelo próximo? Quantos de nós já visitaram uma favela ou uma casa paupérrima na qual morem dez pessoas em dois cômodos sobrevivendo com um salário mínimo? O pensamento global nos afastou do nosso centro humano, aquele oásis que temos no deserto do nosso peito e que faz como que sintamos compaixão pelo outro. Seja ele o menino – que Deus o receba como o anjo que ele era – morto; sejam eles estes meninos que o mataram e que já estão – apesar de tão jovens – mortos por dentro.
Secos, áridos.

Para terminar e pensando no artigo do Robert Kurz eu quero dizer que estamos todos – todos mesmo: os meninos dessa tragédia e de todas as outras que foram e que virão, os que lotam os presídios e os que enchem as favelas, os que esmolam nos faróis e os que assaltam nossas casas – jogados no chão social de um mundo que caminha para o caos. O que faremos? Nós com todos os nossos estudos e suposta sabedoria? Será que ainda conseguiremos encontrar na aridez do nosso pensamento recheado de meias verdades e tantas mentiras, o nosso oásis? Aquele que diz – e só o ouviremos quando tocados pelo sentimento que nos humaniza a todos – que somos irmãos uns dos outros? Eu sou irmã do menino assassinado, mas também sou, dos que o mataram. E agora?

Algumas frases fundamento desse texto:

“Vês a aresta no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu?” (Mateus, VII:3-5)

“Todo o universo é uma cela, e o estar preso, não tem a ver com o tamanho dela” – Fernando Pessoa

- O poema (maravilhoso e iluminado) “A Máquina do Mundo”, de Carlos Drummond de Andrade


2. Tiago Menta:
Prof. Ricardo e colegas,

Achei muito bons os textos e trechos do último boletim quando discutiram a violência urbana no Brasil e o papel desempenhado pela juventude pós-queda do muro de Berlim na contemporaneidade onde se encontra devidamente alienada e esmagada, tanto a esquerda quanto a direita do pensamento político-social humano pelo acordo mercado/capital-globalização-mundialização.

Sobre a violência em nosso país minha opinião é: devemos fazer uma espécie de autocrítica, de busca pelas causas de tamanha instabilidade social, e não é só crime organizado não, o professor nos apontou bem o texto dos Pinsky sobre a violência livre e gratuita das torcidas organizadas nos campos de futebol e ninguém mata ninguém num campo de futebol porque está desempregado ou coisas afins, mas por um incompreensível movimento de grupo que vê no outro grupo não apenas um rival, mas, um inimigo a ser eliminado, que deve morrer – me vêm à mente os gritos de guerra das grandes torcidas! Lembro de um que ouvia muito nos jogos do meu Corinthians gritado pelos Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do país (em membros): “Se é pra matar, se é pra morrer. Não tenho medo de morrer, eu dou porrada pra valer, o que que é? O que que é? Gaviões! Fiel! Timão ehhh-ooo, timão ehhh-o!”; por outro lado é difícil se conter, esperar pela justiça, pelos governos, talvez pelo próprio regime “democrático” do Estado de Direito, quando casos e mais novos casos aparecem e nos reafirmam cruamente que o nosso país vive uma guerra civil sem fim, sem porquês! Uma coisa é o menino que entra no tráfico porque estudar e trabalhar não são mais garantias de coisa alguma, não há mais futuro, e ele quer viver o presente, gozar os prazeres que o consumo nos convida e promete, outra muito mais séria é a morte sem justificativa, é a maldade mesmo (e olha que discordo profundamente de qualquer atitude maniqueísta) que vemos estampadas nos rostos de seres humanos que não somente matam sem razão alguma, mas, matam com perversidade e ódio pelo outro!

Não posso apontar muitos caminhos nem soluções, isso é matéria para a sociedade discutir como um todo e não um intelectual como eu e tantos outros chegarmos e apontarmos soluções próprias para qualquer fenômeno social, nestes casos de anomia social.

Certamente uma das raízes de tamanha barbárie, desrespeito pela vida humana, advém da própria materialização do homem ou mesmo da humanização dos objetos. Estamos mais escravos do consumo, nos tornando animais selvagens mesmo: só bebendo, comendo e reproduzindo. Aí sim podemos reabilitar algumas análises do velho Marx. Não no sentido da crítica ao capitalismo industrial, que já é coisa superada, mas no sentido de recuperarmos o Marx filósofo que discute o ser humano na sua interioridade, sociabilidade e no sentido de existência.

Quando vemos nas pessoas valores e não pessoas estamos a um passo para a desvalorização do que é humano, e então a perda de uma vida não significará nada. Exemplo disso vemos em nosso cotidiano quando quebramos, perdemos, ou até mesmo nos roubam algum bem material de nossa propriedade e ficamos chocados e até tristes. Conheço homens que tratam melhor o seu carro do que sua mulher e filhos, meninas que passam 14 horas por dia na internet e não conseguem se relacionar com ninguém senão virtualmente pois se mostrar ao outro se tornou doloroso, ser humano e mostrar a nossa humanidade ao outro nos causa pavor, medo, insegurança, mas no computador não, somos quem quisermos ser, não nos mostramos na realidade já que adquirimos um caráter pessoal-impessoal através dos computadores em rede, ou seja, nos tornamos nossos próprios computadores e nosso computadores estão se tornando nós mesmos. Eu me torno máquina, e quem se relaciona e se comunica com os outros não somos nós, mas a máquina tornada gente.

Para superarmos o caos social que se anuncia a cada dia os seres humanos como um todo, e não só os brasileiros (a problemática é mundial, vejamos na maior potência econômica da Terra, os EUA, jovens se matam nas escolas públicas em atos de violência gratuita) devem repensar a si mesmos, tipo: que planeta queremos viver? Que legados deixaremos para as próximas gerações? Como tornar a globalização um fenômeno de integração e não de formação de bolhas sociais distantes umas das outras (vide periferias vs. condomínios fechados; favelas e sem-teto vs. classe média e seus alarmes e cercas eletrificadas; sem-terra vs. latifúndio), como tão bem nos mostra o grande sociólogo Manuel Castells em seu livro “A Sociedade em Rede” e que fora citado no último boletim. Como desacelerar o capitalismo, pois até o próprio planeta começa a ser consumido por completo e as respostas da natureza estão aí (como o aquecimento, a inevitável e futura falta de água potável, tsunamis, chuvas torrenciais, esgotamento das reservas de petróleo)?

Concluindo, não basta, como muitos fazem nos meios de comunicação, ir pro púlpito e falar ao povo “chega de impunidade!”, “temos que revidar”, “os políticos isso e aquilo....”, “a educação .....”, etc. Deveria ser realizado um encontro internacional, uma espécie de Fórum Global de análise e combate a violência, onde os chefes de Estado e de governo sentariam e apresentariam um plano integrado que apontasse em direção as causas de tanta selvageria e não pura e simplesmente saírem empunhando as armas, promovendo um faroeste internacional na caça aos bandidos (como Bush Jr. vem fazendo no Afeganistão, Iraque e logo no Irã, combatendo o que ele chama de eixo do mal).


Até mais e bom Carnaval a todos.
Abraços liberais, Tiago Menta.

3. Prof. Antônio de Paiva Moura:

Universalidade e atualidade de “Crime e Castigo”, de Dostoievski

Antonio de Paiva MOURA (professor do UNI-BH e grande colaborar deste Boletim)

O homicida Raskólnikov era um estudante de classe média que vivia em pequena cidade da Rússia e que, para estudar Direito se transfere para São Petersburgo, onde precisa trabalhar para manter-se nos estudos. De repente perde o ânimo de trabalhar e leva vida ociosa; flagelado pela angústia e pela pobreza. Resolve matar uma miserável usurária, a velha Aliena Ivánovna, para salvar a si próprio e à sua família. Comete o crime depois de ter estudado e planejado todas as formas de ocultá-lo. Assim que acaba de eliminar a velha com golpes de machado, inesperadamente aparece a irmã da vítima, Lisavieta Ivánovna, que é da mesma forma assassinada. Sai da casa sem nada ter roubado. A partir daí todos os momentos na vida de Raskólnikov são de obstinado esforço no sentido de dissimular possíveis sintomas de sua psicopatia que viessem transparecer e, ao mesmo tempo, ocultar o crime que cometera.
Para as autoridades policiais e judiciárias esse crime era um enorme quebra-cabeça que exigia dos seus investigadores conhecimentos científicos nas áreas de psicologia e ciências humanas. Desta forma, Dostoievski coloca no romance uma enorme quantidade de personagens, ativas, cada uma com sua história de vida, com seu status, com seu drama, com sua cruz, formando o complexo da sociedade humana.
A época de Dostoievski foi a de Alexandre II (1855-1881). Época de reformas, de conquistas liberais, de reforma agrária e de libertação da escravidão que na Rússia era a mesma servidão medieval. Houve alteração no sistema judiciário, embora os cidadãos originários da nobreza ainda gozassem de privilégios perante os tribunais. Por isso, ao tempo que Dostoievski escreveu “Crime e Castigo”, seus personagens, como Ekatierina Ivanovna, jogada na rua da amargura, queria aparecer como descendente de família nobre para ter privilégio; ser protegida contra o fracasso financeiro e humilhação pública pela qual era submetida. Sônia, enteada de Ekatierina havia se prostituído para não deixar a família na miséria. Temendo pela sorte da filha mais nova, diz Ekatierina:
“Não vês pelas ruas essas crianças que as mães mandam esmolar? Sei perfeitamente onde moram essas mães e em que condições. Em lugares assim as crianças não podem continuar sendo crianças; há prostitutas e ladrões de sete anos. Sem meu auxílio, Polietchka, por exemplo, estará condenada à mesma existência que a sua irmã Sônia”.

O narrador percorre todos os extremos territoriais da cidade, atento às transformações ocorridas no mundo e refletidas em seus habitantes. O diálogo entre os personagens é uma forma de exposição dos acontecimentos e seus impactos na Rússia. A ascensão da burguesia e da ideologia liberal escandalizava e apavorava não só pela demagogia interente a seu discurso, mas também pela vontade manifesta de vencer a qualquer custo. Esbanjar fortunas na boemia ou no luxo e usar objetos supérfluos na sociedade russa aumentava progressivamente. O novo rico pagava qualquer preço e fazia qualquer coisa para tornar-se uma celebridade no seu meio. Era, enfim, a passagem da sociedade conservadora para a sociedade industrial moderna. Certa vez em roda de amigos surgiu o assunto do assassinato da velha usurária. Um alto funcionário do governo disse que estava interessado no caso porque ele representava um aumento da criminalidade nas classes baixas, sem contar assaltos e arrombamentos. “Há, acima de tudo, um fato que me impressiona altamente: é que nas classes superiores a criminalidade vai a uma progressão paralela”. O funcionário continua dizendo que havia ouvido falar de um ex-estudante que assaltou um carro do correio; pessoas de boa situação social e idéias avançadas que se põem a falsificar dinheiro, como um professor universitário em Moscou. Um diplomata russo foi assassinado no estrangeiro por causa de dinheiro. O professor de Moscou, ao ser preso declarou: “Já que todos estão enriquecendo de várias maneiras, eu também quis enriquecer bem rápido e de modo fácil”.
Pouco a pouco o narrador vai mostrando as diversas e surpreendentes faces da criminalidade no limiar da modernidade na Rússia. Os policiais descobriram um artigo de Raskólnikov publicado em um jornal da universidade, no qual expunha sua idéia com relação aos crimes. O comissário de polícia Porfiri Pietróvitch leu para Raskólnikov um parágrafo de seu artigo em que ele dividia os criminosos em ordinários e extraordinários.
“Os primeiros devem viver na obediência e não têm o direito de desrespeitar a lei e é por isso que são ordinários; os segundos têm o direito de cometer todos os crimes e de violar todas as leis, justamente pelo fato de serem extraordinários”.

Raskólnikov comenta o parágrafo dizendo a Pietrovitch que o homem extraordinário não tinha o direito de cometer crimes, mas que o fazia por seu próprio alvedrio. Como exemplo cita Licurgo, Sólon e Napoleão. Quanto mais uma autoridade matar pessoas, mais importante e notável ela se torna. Dostoievski que viveu de 1821 a 1881, não presenciou e nem conheceu Stalin, na futura União Soviética, Sukarno na Indonésia, Adolfo Hitler na Alemanha, Augusto Pinochet no Chile, Alfredo Stroessner no Paraguai e nem Ernesto Geisel, que segundo Hélio Gaspari, é o autor da frase: “matar é uma barbaridade, mas tem que ser”.
Raskólnikov, longe do inquisidor começa a pensar no que havia escrito antes de praticar o crime. Notou que Pietrovich estava usando um método psicológico de investigação e perguntou a si mesmo:
Até que ponto o comissário de polícia poderá suspeitar-se de mim pelo que escrevi”? “Se ao matar Alínea Ivanóvina e nada lhe ter roubado é porque certamente existe outro motivo. Na verdade, o que eu queria não era propriamente a riqueza da velha. Primeiramente achei que seria um benfeitor da humanidade eliminando aquele piolho indesejável, um parasita explorador. Em segundo lugar, eu queria sair da minha insignificância, da minha nulidade e ser notável de algum modo”.

Em seguida, Raskólnikov raciocinou que o método psicológico poderia levar o comissário de polícia a alguns indícios e não a provas concretas. As autoridades esperavam somente encontrar as provas materiais, ou a confissão do réu. Premido pelo peso da consciência e pela angústia da solidão, Raskólnikov revela o crime a Sônia, filha de seu amigo Marmieladov, prostituta por circunstância e única pessoa na qual confiava.
Mais tarde ao confessar o crime Raskólnikov foi preso, julgado e condenado a cumprir pena na Sibéria. Sônia mudou-se para uma vila próxima à penitenciária onde o visitava periodicamente. Ela recebia cartas e transmitia ao penitente as notícias de São Petersburgo.
A vida burguesa do ter para acumular e para gastar na satisfação de desejos ou na concretização do imaginário, espelhado nos mitos históricos e literários encontra em Raskólnikov um protótipo do homem no limiar da modernidade. Sigmund Freud (1856-1939) é um dos primeiros a estudar em profundidade a “psykhê”, a alma sofredora do homem moderno. Para ele a alma humana encontra-se dividida em três instâncias que resultam das condições naturais ou animal e histórica ou social em que nasce e vive o homem. A primeira instância é o id que é a parte da personalidade relacionada com as reações instintivas, a libido. O ego é a parte da personalidade que entra em contato com a realidade de modo a aceitar ou reprova-la. O ego quer prazer e por isso estimula a libido. O superego corresponde ao que se denomina de consciência moral. É a censura, a noção de pecado ou de crime que inibe as ações em busca do prazer. Freud, em artigo intitulado “as pulsões e seus destinos”, narra como o ego seleciona as experiências de prazer e afasta as sensações desagradáveis:
Sentimos repulsa ao objeto desprazeroso e o odiamos. Este ódio pode intensificar-se até a tendência à agressão contra o objeto e o propósito de aniquila-lo. O ego odeia, perturba e persegue com propósito destrutivo a todos objetos que chega como fonte de sensações de desprazer, constituindo uma privação das satisfações sexual, de conservação e manutenção” (Freud: 1993; 132).
Quando um indivíduo encontra-se deprimido, oprimido por problemas existenciais e afirma não encontrar saídas, ele começa a procurar uma forma de eliminar o sofrimento. Momentaneamente, a morte passa a ser desejada. Quando alguém, próximo do individuo, é eleito ou responsabilizado pelo seu infortúnio ele passa a desejar a morte de seu próximo. O comissário de polícia Porfiri Pietrovitch comentou em conversa com amigos que o crime da velha Lisavieta Ivanóvna
era um crime com a marca do nosso tempo, o episódio de uma época em que o coração do homem está atormentado com a idéia de que o sangue derramado revitaliza; em que a vida consiste na procura do conforto. Aqui vemos sonhos tirados de livros, do coração desesperado de um homem de teorias; a decisão de um homem que delira sem ser louco”.
Um personagem de “Crime e Castigo” que reflete o momento de passagem da sociedade tradicional para a sociedade industrial moderna é Svidrigáilov, explorador de mulheres ricas que acabou ficando milionário com a morte de uma delas. Em São Petersburgo vivia na boemia gastando dinheiro com mulheres, bebidas e amigos. Todos os seus prazeres tornaram-se rotineiros. Suas fantasias e desejos novos pareciam-lhe irrealizáveis. Tomado por um vazio angustiante Svidrigáilov suicidou-se. Outro exemplo de inserção na modernidade é a independência da mulher simbolizada pela irmã de Raskólnikov, senhorita Avidótia Romanovna. Ela não aceitou casar-se com dois pretendentes, homens ricos, Piotr Pietrovitch e Svidrigáilov. Ambos se aproveitaram da pobreza da família. Para obter o consórcio de Avidótia, moça bela e culta, ofereceram à sua mãe garantia de vida abastada. Avidótia, em sua recusa, alegou a Piotr Pietrovitch que não queria ser uma mulher que tivesse como função social ornar e coroar a vida de um rico senhor e ser o trampolim de sua progressiva ascensão. Não lhe interessava ser uma mulher de vida confortável, porém, sem expressão e sem liberdade. Mais tarde Avidótia casou-se com o estudante Rasumikhim, oriundo de família modesta, mas dotado de senso democrático. Avidótia era mulher moderna que podia trabalhar e levar vida cooperativa com seu marido.
Ortega y Gasset, nas duas primeiras décadas do século XX, no clima da Primeira Guerra Mundial observa, em La rebelión de las masas, a passagem do individualismo burguês para o comportamento de massas; o acesso ao consumo de bens materiais, antes reservados somente às elites; nivelamento do homem à mulher; nivelamento da cultura entre as classes sociais. Da primeira saltamos para a segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, já em pleno curso a Pós-modernidade. Na década de 60 Edgar Morin, no calor dos acontecimentos escreveu o ensaio “Cultura de Massas no século XX”, em dois volumes, denominados “Neurose” e “Necrose”. Analisa as conseqüências sociais, psicológicas e espirituais da penetração da cultura de massas nos aglomerados sociais, focalizando os mitos que produzidos industrialmente, condicionam os valores existenciais do público consumidor: os prazeres, a felicidade o amor. Com o subtítulo “Neurose” Morin disserta sobre o compromisso entre o mal do espírito e a realidade, paga através de fantasias, mitos e ritos. A crescente penetração da cultura de massas na vida cotidiana, nos lares, na vida conjugal e nas instituições deu origem à transformação da mitologia da felicidade a ponto de provocar crises nos meios sociais.
A segunda industrialização que passa a ser a industrialização do espírito, e a segunda colonização que passa a dizer respeito à alma progridem no decorrer do século XX. Através delas, opera-se esse progresso ininterrupto da técnica, não mais unicamente voltado à organização exterior, mas penetrando no domínio interior do homem e ai derramando mercadorias culturais. Morin faz referência especial ao cinema e à televisão que criam novos mitos que projetam seus desejos e seus ideais nos espectadores. A cultura de massa oferecida a enormes contingentes humanos através da chamada “mass media”, leva atitudes comportamentais, ideologias e auxilia a adaptação do cidadão aos processos dominantes. As atitudes violentas focalizadas pelos filmes “western” transmitem a idéia do justiceiro que age contra a lei inoperante por estar sujeita a processos burocráticos. O herói, o homem ideal é o xerife que absoluto e de revolver em punho instaura a ordem e a liberdade.
A obsessão do homem pós-moderno é com a felicidade. A cultura de massa foge do fracasso pelo alarde de felicidade mitológica. Uma mitologia que caminha lado a lado com o emprego cada vez mais maciço de euforizantes como álcool, tabaco, drogas proibidas, tranqüilizantes, psicotrópico, “prozac”, a pílula da felicidade, “viagra” e outros afrodisíacos. A mitologia euforizante é o antídoto para a angústia difusa dos novos tempos. Ela justifica o desejo e o prazer individual resumido na frase: “eu tenho o direito de ser feliz”, muitas vezes pronunciada por Helena, personagem da novela “Mulheres Apaixonadas”, de Manoel Carlos, exibida no Brasil no biênio 2002/2003, pela Rede Globo de Televisão. A maioria dos personagens da novela aparecia em cena fazendo uso de bebidas alcoólicas, além da focalização do alcoolismo explicito na figura da professora Santana. Morin conclui que
a felicidade é a religião do individuo moderno, tão ilusória quanto todas as religiões. Essa religião não tem padres e funciona industrialmente. É a religião da terra na era da técnica. Constitui o que podemos chamar ideologia da cultura de massa, isto é, ideologia da felicidade” (Morin: 1997).

O amor torna-se tema obsessional da cultura de massas. A novela “Mulheres Apaixonadas” levou a universalização do amor a extremos. A personagem Heloisa, em sua revolta pela frustração agredia parentes e amigos. Aparecer como infeliz no amor é vexatório e leva o indivíduo a atitudes extremas com relação à sua própria vida e a dos outros. O que se chama de amor na pós-modernidade é uma relação efêmera de um casal, marcada por uma libidinagem frívola. Na novela que mencionamos Lorena dá aula de amor, isto é, discursa sobre a conformação com a efemeridade do amor. Estela dispôs de enorme fortuna para seduzir Padre Pedro. A formação de triângulos e quadrângulos em “Mulheres Apaixonadas” revela a realidade dessa forma fútil de relação amorosa, transparente nas relações de Raquel, Fred e Marcos; Fernando, Heloisa e Vidinha: Cláudio, Edwiges e Gracinha; Diogo Marina e Luciana; Caetano, Rosinha e Silvia. Curioso é que até entre as duas amantes homossexuais houve um intermediário: Rafael flagrou Clara e Rodrigo se beijando. O quadrângulo foi mais dramático porque envolveu dois homens e duas mulheres: César, Téo, Laura e Helena. Desse estilo de vida advém uma forte competição pelo dinheiro, responsável por acentuado índice de criminalidade. Além disso, a traição amorosa é revoltante e quase sempre redunda em agressões físicas e homicídios, a exemplo das mortes dos personagens Fred e Marcos, que em luta corporal caíram em um abismo.
A cultura de massas recalca angústia no infortúnio do amor e na procura de segurança. A obtenção da felicidade depende do ter, tanto para o homem quanto para a mulher, essencialmente individualizados em nossos dias. Dostoievski detectou o nascimento de tais tendências nos idos do século XIX. Descreveu o personagem Piotr Pietrovitch como narcisista e individualista. Estimava de modo desmedido sua inteligência. Quando estava sozinho, na frente do espelho chegava a se apaixonar por si mesmo. Mas o que amava acima de tudo neste mundo era o seu dinheiro. O narcisismo, o individualismo a obsessão pelo dinheiro, a dependência do amor e a ideologia da felicidade chegaram a uma situação generalizada e epidêmica na atualidade com conseqüências desastrosas para a convivência dos cidadãos. Basta lembrar que nos anos 2002 e 2003 tivemos no Brasil, uma série de crimes semelhantes ao de Raskólnikov, isto é, o assassino pretendia matar alguém, mas teve que matar outra pessoa para não deixar pista. Em 1996 Suzana Marcelino morreu para não ser testemunha do assassinato de P C Farias. No final do ano de 2002 Suzana von Richthfen planejou e executou o assassinato de seus pais, Manfredo e Marísia, por amor ao namorado, de vez que estes não aprovavam o namoro. Em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach, de 16 anos foi morta com o namorado Felipe Silva Caffé, de 19 anos, em Embuguaçu, na Grande São Paulo, depois de ser violentada e torturada pelo menor Champinha. O casal de americanos Todd e Michelle Staelli assassinado no Rio de Janeiro, em dezembro de 2003, somente em fevereiro de 2004, teve levantado algum suspeito. Em Ipatinga no Vale do Aço, André Gonçalves Vieira, em janeiro de 2004, entrou na casa de seu tio, José Maria Ferreira, para roubar dólares que o mesmo tinha guardado. Deparou-se com seus avós maternos, tia e prima que tomavam conta da casa. Não teve dúvida e degolou os quatro parentes. No dia 28 de março de 2004, Gil Greco Rugai de 20 anos, depois de dar um desfalque de cem mil reais na empresa da família Referência Filmes, premeditou e executou um duplo homicídio: o pai, empresário Luiz Carlos Rugai e sua mulher Alessandra, em mansão de alto padrão de luxo no bairro Perdizes em São Paulo.
Outros crimes chocam não pela tentativa do criminoso em ocultar, pelo mistério de que o praticou, mas pela clareza de sua exposição. Em fevereiro de 2007 o garoto João Hélio Fernandes, de sete anos, ao ser seqüestrado, no Rio de Janeiro, foi arrastado preso ao cinto de segurança de um veículo, por sete quilômetros, sob os olhos estarrecidos da população. Até na novela das oito horas da Rede Globo de Televisão, “Páginas da Vida”, de Manoel Carlos, freiras lagrimosas choravam e oravam diante do horror. Os acusados são jovens, negros e já foram indiciados em outros crimes. O objeto do latrocínio era um veículo novo destinado a ser desmanchado para venda de suas peças.
O crime quase sempre é uma expressão de desejos. A cultura de massas e a industria cultural criam e divulgam os desejos dos indivíduos. Os que satisfazem parte de seus desejos; os que realizam suas fantasias; os que vencem na vida, mesmo que por um certo tempo, estão no olimpo. São os olimpianos, no dizer de Morin. O Olimpo, desde a Antiguidade Clássica é a habitação dos heróis pagãos, um lugar simbólico de delícias, um paraíso. No tempo de Dostoievski, o olimpo era povoado por figuras da nobreza russa, ocupando os melhores cargos no governo, gozando de imunidades e privilégios; os novos ricos, senhores burgueses detentores de mansões, carruagens de luxo, saber, notoriedade e respeito; os freqüentadores de casas noturnas, artistas de teatro e magistrados. Era, portanto, a ordem estabelecida, a ideologia dominante. Razumikhin, um personagem de “Crime e Castigo” diz que na opinião dos socialistas românticos o crime era um protesto contra tal normalidade do sistema social e de tal ordem estabelecida. Raskólnikov, contudo, não protestava contra a ideologia do olimpo, mas queria fazer parte dele, deixar de ser excluído. A impossibilidade imediata de ser um olimpiano o fez niilista. Revela a Sônia que antes de matar Aliena Ivánovna, “precisava estudar, mas tinha vendido os livros; havia uma polegada de pó sobre as minhas notas e cadernos. Eu gostava de ficar no divã, pensando. Não fazia outra coisa senão pensar",
O olimpianos de hoje são os artistas de cinema e de telenovelas, personagens de revista de celebridades, cantores, parlamentares, ministros, magistrados, habitantes de condomínios fechados, banqueiros, industriais, jogadores de futebol, campeões olímpicos e pilotos de fórmula um. Quem se encontra no olimpo luta para não ser excluído e quem se encontra fora dele luta para entrar. Somente a longo prazo os meios lícitos permitem acesso ao olimpo. Por isso os candidatos à condição ou “status” de olimpianos apelam por meios ilícitos. O fim justifica os meios, isto é, na mente de um olimpiano é “justo” eliminar pela morte um obstáculo ou um concorrente.

Referências

FREUD, Sigmund. Pulsiones y destinos de pulsión. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1993.

MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: neurose. Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1997.

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. (1927) Tradução de Herrera Filho. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1962.




BRASIL

1. Quem votou contra o combate ao trabalho escravo no Brasil
A Repórter Brasil divulga o posicionamento dos deputados federais na votação da emenda ao projeto da "Super Receita" que impede a fiscalização do trabalho de reconhecer vínculos empregatícios

2. Um "genocídio intelectual" nas escolas (clique no titulo)

Para o pedagogo Roberto Leher, Brasil vive um "apartheid" educacional que opõe ricos e pobres; governo segue investindo pouco em educação, enquanto mais de 85% dos estudantes brasileiros estão na escola pública


INTERNACIONAL

1. Do Blog do Rovai:
ONU diz que daqui a 20 anos faltará água para 2/3 da população

Matéria de hoje no site da BBC Brasil repercute relatório da FAO-ONU que aponta que daqui a 20 anos 2/3 da população do mundo deve enfrentar problemas com escassez de água.
Hoje, 1 bilhão de pessoas já não têm acesso ao suficiente de água para as necessidades básicas.Não à toa o debate sobre o tema tem crescido de maneira tão significativa nos eventos do Fórum Social Mundial. Mas ainda a uma abordagem que precisa ser aprofundada: a geopolítica da água.
Os EUA têm espalhado bases militares em diversos países da América Latina. Elas, segundo especialistas, estão fazendo um cerco às principais reservas hidrográficas. Mesmo podendo vir a ser acusado de entrar na onda das ditas teorias conspiratórias, não tenho dúvida: se o petróleo motiva a guerra de hoje, as do futuro terão outras justificativas, mas serão ligadas ao controle da água.
Link da matéria na BBC Brasil:
www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/02/070215_aguafaog.shtm
Escrito por Renato Rovai, no dia 2/15/2007 10:43:00 AM

2. E, a propósito das “ditas teorias conspiratórias”, veja-se esta noticia, da terça feira de carnaval:

A rede de televisão "Telemundo", uma das principais em espanhol nos Estados Unidos, revelará numa reportagem a suposta presença do movimento xiita libanês Hisbolá (Partido de Deus) na região da fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.
Em comunicado divulgado hoje, a rede promete exibir a reportagem entre esta terça-feira, 20, e quinta-feira, 22 de fevereiro, como parte da série "Hisbolá: ameaça terrorista na América Latina".
"Quando muitos pensam que os terroristas só vêm do Oriente Médio e Afeganistão, o 'Noticiador Telemundo' mostra que a ameaça está na própria América Latina e pode chegar ao território americano", informou a cadeia na nota.

Como diz a Bíblia... “quem tiver ouvidos que ouça...”


3. Por Humam al-Hamzah
Oriente Médio Vivo
www.orientemediovivo.com.br
Analistas tanto do 'mundo muçulmano' como da 'sociedade ocidental' concordam que o medo e a falta de um diálogo objetivo são as raízes da atual crise mundial de Islamofobia e anti-americanismo. Enquanto as discussões continuam sobre qual dos dois problemas permitiu a existência do outro, um fato continua claro: mais inocentes foram vítimas da Islamofobia do que o contrário.

Através da propaganda negativa constantemente produzida pela mídia ocidental, o conceito de Islamofobia tem sido difundido como uma 'praga do século 21'. Muçulmanos são normalmente descritos pela mídia do ocidente através de termos como "terroristas", "extremistas", "fundamentalistas", entre outros que aparecem a cada dia. Ironicamente, a suposta "guerra contra o terrorismo" – ou Cruzada contra o Islam, como anunciado por George W. Bush em 2001 – apenas colaborou negativamente para se atingir um entendimento que possibilitaria uma convivência harmoniosa entre culturas tão distintas.
Não é mais novidade que a "indústria do medo" faz parte da política doméstica e internacional dos Estados Unidos, nada mais do que uma miragem que facilita o controle de sua própria nação. Governos autoritários pelo mundo a fora, se aproveitando dessa realidade, levantam a "bandeira da Al-Qaeda" em qualquer situação de crise interna em que exista resistência, a fim de punir os resistentes com o aval da comunidade internacional. Esse fato foi visto na Rússia, contra os militantes da Chechênia, na Ásia Central, contra os grupos supostamente controlados por Juma Namangani (hoje considerado um 'grande amigo' de Osama Bin Laden) e, mais recentemente, contra o Conselho Supremo das Cortes Islâmicas da Somália, partido político que tem apoio da população do país, recentemente atacado em conjunto por forças etíopes e estadunidenses.
Obviamente, "terroristas islâmicos" não estão escondidos sob nossas camas ou em mesquitas pelo mundo afora. Citando o Diretor da FBI, chefe de um dos principais órgãos colaboradores da "indústria do medo", Robert Müeller, "a maior ameaça são as células da Al-Qaeda nos Estados Unidos que nós ainda não encontramos". Em outras palavras, o que o FBI quer dizer é "continuamos muito preocupados com relação ao o que não estamos vendo". Seguindo esse raciocínio, liderado por representantes políticos concentrados em assustar sua própria nação para justificar votos, estão o desejo da mídia ocidental em criar matérias sensionalistas e as mega-corporações estadunidenses com interesse em expandir seus lucros através dessa "oportunidade de ouro" (como normalmente consideravam a invasão do Iraque). Dessa forma, a "indústria do medo" ganha força, demonizando os muçulmanos e mantendo rígidas as "leis anti-terrorismo".
Segundo John Müeller, conceituado especialista em segurança nacional dos Estados Unidos, "incluindo as vítimas do 11 de setembro, o número de estadunidenses mortos pelo 'terrorismo internacional' durante as últimas três décadas iguala o número dos mesmos mortos pela queda de relâmpagos, atropelamento de animais em estradas e alergias a amendoim". Apesar disso, a mensagem estadunidense se concentra na "indústria do medo", tornando ilegal qualquer processo diplomático.

A resposta de árabes e muçulmanos é um fato que cresceu recentemente por todo o mundo, incluindo a Europa: o conceito do 'anti-americanismo', uma conseqüência da "indústria do medo". Em uma pesquisa bienal da empresa Zogby International, sobre o sentimento positivo ou negativo dos países árabes quanto aos Estados Unidos, mostrou que: no Egito, os números cresceram de 76% para 98% contra os estadunidenses entre 2002 e 2004. No Marrocos, os números subiram de 61% para 88%, e na Arábia Saudita, de 87% para 94%, para citar alguns.
Esses números refletem uma tendência que deverá continuar. Enquanto a "indústria do medo" estiver ativa, rotulando o 1 bilhão de muçulmanos do mundo como "terroristas", e a diplomacia e diálogo forem secundários em relação a intervenções militares, o 'anti-americanismo' continuará a crescer.
FONTE:Jornal Oriente Médio Vivo - http://www.orientemediovivo.com.br/
Edição nº42 - http://orientemediovivo.com.br/pdfs/edicao_42.pdf
NOTICIAS
1. XXIV Simpósio Nacional de Historia/RS
A Comissão Organizadora do XXIV Simpósio Nacional de Historia informa que, atendendo ao pedido de muitos associados, estendeu os prazos finais para inscrição de trabalhos em simpósios temáticos e apresentação de posteres ate' o dia 4/3/2007. As demais datas permanecem inalteradas. Mais informações em snh2007.anpuh.org.
2. Chamada para artigos/Revista-
A Revista Estudos Históricos esta' recebendo artigos para integrarem seus próximos números. Seguem abaixo os temas e os prazos:
Nº. 40 - Território e espaço: prazo: 30/06/2007
Nº. 41 - Ensino de Historia e historiografia: prazo: 31/12/2007
Nº. 42 - Movimentos sociais e partidos políticos: prazo: 30/06/2008
3. Pós-graduação Lato Sensu em Ensino de Historia e de Ciências Sociais/UFF
As inscrições para o curso de especialização em Ensino de Historia e de Ciências Sociais (Pós-graduação Lato Sensu) da Universidade Federal Fluminense (UFF), estarão abertas ate' 19/3/2007.


LIVROS E REVISTAS
1. Revista/novo numero- O boletim Memória e Historia da Saúde em São Paulo já esta' disponível em www.isaude.sp.gov.br.
2. Lançamentos-
"Jango e o golpe de 1964 na caricatura", de Rodrigo Patto Sa' Motta, editora Jorge Zahar. O livro apresenta uma analise de mais de 130 caricaturas sobre João Goulart e o contexto político publicadas nos jornais entre 1961 e 1964, oferecendo um olhar original e instigante sobre período crucial da historia brasileira. Mais informações em www.zahar.com.br.