Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

29.8.07

Número 104





EDITORIAL





Esta figura foi publicada em uma revista francesa "L´Histoire", de 2004, que só me caiu às mãos esta semana. Ela ilustra uma pequena matéria falando sobre a violência nas escolas. Um problema que parece tão recente, no fundo já se podia notar no século XIX. A legenda da ilustração, de autoria de Paul Charles Chocarne-Moreau, 1896, diz que é muito tênue a linha que separa a inocente diversão (jogar tinta dentro da cartola do mestre) da agressão. E a matéria apresenta dados impressionantes: mais de 200 revoltas de estudantes nos liceus franceses entre 1815 e 1880. Cita um exemplo dramático, em que em Bastia, em 1874, os estudantes fizeram barricadas e atacaram um dos professores com cadeiras, além de tentar estrangula-lo.

O articulista, Jacques Nantraye, afirma que a severa disciplina em vigor nos estabelecimentos escolares estava na origem das reações dos alunos.
Que lições se poderia tirar desse estudo? A violência nas escolas atuais com certeza não está relacionada com “a severa disciplina”, visto que o que se observa em relatos de professores em blogs e em comunidades do orkut é exatamente o contrário.
E como as nossas escolas superiores de licenciatura trabalham essa questão? Preparam os futuros professores para saber como agir? A ter discernimento e bom senso para solucionar os problemas surgidos em sala de aula? Como se tem comportado os(as) diretores(as) das escolas? Apoiando os professores ou passando a mão na cabeça dos alunos e – dessa forma – os incentivando a continuarem com as agressões aos colegas e aos mestres? Comente, ao final deste Boletim, diga de suas experiências, de suas dificuldades em lidar com a violência nas escolas.

Voltando a um assunto muito discutido nos artigos da semana passada, utilizo aqui no editorial uma matéria de Celso Lungaretti, da Agência Carta Maior. Ele mostra que, mesmo o movimento do Cansei tendo virado assunto de piadas e charges jocosas, é importante que o governo dê a devida atenção a ele. E eu digo, de minha parte, é muito importante que o governo tome cuidado, ainda mais depois da decisão do STF de acatar a denúncia da Procuradoria Geral. Claro que todos sabem que acatar a denúncia não significa que a peça acusatória tenha sido discutida no mérito, o que ainda vai levar um bom tempo a ser feito. E após isso é que teremos de fato o julgamento, o que provavelmente demorará, entre sentenças e embargos, pelo menos uns vinte anos. Mas como a mídia já decretou que todos são culpados, antes da Justiça o decidir, ninguém vai esperar a conclusão do julgamento para tentar o que não foi conseguido em 2006...


O rescaldo do "Cansei"

Bem farão os lulistas se encararem o Cansei como um alerta e iniciarem algumas correções de rumo. Nem todos os movimentos de classe média serão tão trapalhões.
Celso Lungaretti (da Agência Carta Maior)

Tenham sido 2 mil ou 5 mil os cidadãos presentes ao ato público do Cansei na Praça da Sé, o certo é que, para uma metrópole como São Paulo, isto equivale a uma gota d’água no oceano.

Na verdade, as próprias lideranças do movimento não esperavam grande coisa depois que a OAB Nacional pulou fora, deixando a decisão de apoiá-lo ou ignorá-lo às seccionais. E o que se viu não deu nem para salvar as aparências. Outros enterros já tiveram participação mais expressiva.

O fracasso teve muitas causas.

João Doria Jr. tentou transpor para a política as fórmulas publicitárias que costumam dar certo nas campanhas eleitorais. Então, face à comoção provocada pela tragédia de Congonhas, supôs mecanicamente que se tratasse da gota d’água para a classe média passar dos resmungos virtuais ao protesto aberto. A virulência dos posts na Internet deixava exatamente essa impressão.

E foi com visão de publicitário que ele estruturou seu projeto, desde o título mais próximo dos slogans propagandísticos do que das palavras-de-ordem políticas (e que acabou se revelando extremamente inadequado, pois propiciava piadas dos adversários) até o foco demasiadamente difuso: querendo atingir o máximo de consumidores, Doria pretendeu enfeixar num único movimento todas as insatisfações por mazelas de responsabilidade do Executivo, Legislativo e Judiciário, em âmbito federal, estadual e municipal.

Para piorar, a idéia foi prontamente apoiada pela extrema-direita golpista que faz proselitismo na Internet e pelas correntes que até hoje não se conformam com o fato de Lula haver escapado do impeachment. Com Brilhante Ustra, Olavo de Carvalho, o Partido Vergonha na Cara e o Fora Lula apoiando o Cansei, ficou fácil para os governistas apontarem-no como uma nova Marcha da Família, com Deus, Pela Liberdade.

Afinal, além de ter essas ligações perigosas, o Cansei se voltava contra muitas iniqüidades e não propunha solução para nenhuma delas. O que resolveria tantos problemas de uma só vez? Fazia sentido supor-se que sua verdadeira meta fosse, como em 1964, um golpe de estado contra a subversão e a corrupção.

De quebra, o apoio da Fiesp, da Febraban e da Associação Comercial de São Paulo reforçou a suspeita de que se tratasse de uma conspiração dos endinheirados contra o presidente metalúrgico. E a OAB, respeitada por sua atuação exemplar durante os anos de chumbo, não acompanhou o presidente da seccional paulista em sua aventura.

Os erros crassos cometidos pelos que se propuseram a representá-la não devem, entretanto, fazer crer que a classe média esteja indiferente em relação a um governo que prioriza os muito ricos e os muito pobres, pouquíssimo oferecendo a quem está no meio, exagerando na carga tributária e descurando de serviços essenciais.

Bem farão os lulistas se encararem o Cansei como um alerta e iniciarem algumas correções de rumo. Nem todos os movimentos de classe média serão tão trapalhões.

João Goulart também sentia-se perfeitamente seguro depois da estrondosa vitória obtida no plebiscito que lhe restituiu poderes presidenciais plenos. Um ano e meio depois, era derrubado.
Celso Lungaretti é jornalista e escritor, ex-preso político e autor do livro "Náufrago da Utopia".


FALAM AMIGOS E AMIGAS




Luciana Macedo, da UFV, envia:

Almodóvar iria adorar
Sexta, 24 de agosto de 2007, 08h04
Ricardo Kauffman

Três histórias que ganharam destaque na mídia brasileira nos últimos dias são dignas da tesoura de Enrique, personagem de "Má Educação", filme do espanhol Pedro Almodóvar. Enrique é um cineasta que recorta notícias de jornal à procura de inspiração para as suas próximas histórias - uma possível alusão autobiográfica, típica de Almodóvar, sobretudo nesta obra.

No momento fílmico narrado, Enrique se vê desenganado com a baixa densidade dramática e humana encontrada no noticiário. Fosse ele transmutado para a nossa realidade, certamente ficaria bem mais animado. Iria se deparar com um trio interessante, que bem poderia formar (na cabeça do cineasta inspirado) um triângulo amoroso mais que apimentado.


Refiro-me a Mônica Veloso, Oscar Maroni e Kelly Samara dos Santos. A primeira é ex-jornalista da TV Globo, teve uma filha com Renan Calheiros, é o estopim do escândalo de corrupção do momento que ameaça derrubar o presidente do Senado, e está na capa da próxima revista Playboy.
O segundo é o milionário dono de um dos bordéis mais famosos de São Paulo (quiçá do Brasil e do mundo), o Bahamas. É formado em psicologia, tem muitas cabeças de gado e adora dar entrevistas e falar sobre os mais variados assuntos: de religião à política. No último dia 14 foi preso acusado de explorar prostituição, com direito a mini-entrevista no camburão, no Jornal Nacional.
A terceira é anunciada pelas manchetes dos jornais como "estelionatária de luxo" e "falsa socialite". Nasceu em Amambai (cidade de 30 mil habitantes, no Mato Grosso do Sul), tem 19 anos, medidas de modelo e costumava se anunciar com o sobrenome Tranchesi, o mesmo da proprietária da Daslu.

Foi presa nesta quarta-feira, acusada de aplicar golpes em pelos menos 11 pessoas. Usava roupas de grife, que comprava com cheques e cartões roubados, segundo a polícia. No Orkut, fazia parte de comunidades como "Quero uma Ferrari pink", e "Uso empório Armani", publicou o Jornal da Tarde. Segundo O Globo, era garota de programa. Disse à imprensa que começou a cometer os crimes para "chamar à atenção da mãe", diz a Folha.
O trio fascina, a meu ver, por guardar várias características em comum: em maior ou menor dose todos são acusados de atos imorais; são tipicamente contemporâneos e brasileiros; são incômodos e constrangedores, desnudam algo que a sociedade e/ou a mídia preferiria (m) não tocar; são frutos indissociáveis dos nossos dias; e são elementos de um mesmo fenômeno: a elevação da imagem a valor social prioritário.
Mônica saltou da reportagem local de Brasília para o patamar de celebridade, na esteira do caso Renan. Kelly - talvez confusa com a mistura de real e virtual com que lidamos hoje, diria o cineasta do filme de Almodóvar - usou ferramentas na sua "first life" que provavelmente não seriam condenadas no game "Second Life".
Desavisadamente quebrou a cara (talvez fosse o que procurava, diria Enrique), mas ganhou notoriedade e, quem sabe, alguma compaixão. Já Maroni foi execrado em praça pública (midiática). Parece ter traído a sociedade por não ser discreto. Não lhe bastou ganhar dinheiro e poder. Quis gozar de visibilidade; aí não pode.

Os três provocam antipatia, evidentemente em diferentes cargas. Mas igualmente dão a impressão contraditória que são ingênuos produtos do meio. Todos parecem seduzidos por valores que a mídia como um todo - ora de maneira direta, ora subliminarmente - cultiva e divulga freqüentemente. Estão atrás de status, poder, e admiração pública. Custe o que custar.
Deverão ser facilmente substituídos no noticiário. O próximo escândalo político também terá sua musa desnudada nas revistas masculinas. Emergirão outros meninos e meninas de qualquer canto capazes de tudo para parecer "alguém". Outros donos de bordéis poderão vir a ser igualmente sacrificados.

Como diria Tom Zé, estes três personagens foram ensinados a trilhar o caminho da glória, ou algo que com ela se parecesse. Interessante notar que a trajetória de Moroni e Kelly, tão bem coberta pela imprensa, carrega assuntos mal resolvidos no Brasil e não tão bem abordados: a banalização da prostituição e da pornografia; e o culto desenfreado ao consumo e à imagem. Haja Almodóvar.
PS: Alguém tem notícia do terremoto no Peru?

Ricardo Kauffman é jornalista e roteirista.


FALANDO DE HISTORIA




O perigo do negacionismo
É importante denunciar como negacionismo todas as imposturas históricas e reconstruções manipuladas que servem à formação da opinião comum. Talvez, assim, os negacionistas tenham maior cuidado, por medo de serem desmascarados e mostrados à luz do sol.
Luís Carlos Lopes (Agência Carta Maior)

As dificuldades dos povos em manter a memória de seus passados têm sido habilmente usadas pelos negacionistas. O presentismo midiático de hoje significa um corte profundo com as gerações anteriores, o que implica imaginar que o passado nada tem a ver com a atualidade. Este problema trata-se de um artefato ideológico criado a partir a dificuldade real das novas gerações compreenderem o que se passou com as que lhes antecederam. Na mesma senda, é possível de se constatar a existência de novos usos negacionistas, construídos com o mesmo padrão anterior.
O negacionismo ‘clássico’ é um procedimento usual da extrema direita européia. Seus partidários em vários países negam que tenha existido a solução final na Alemanha nazista. O extermínio massivo de milhões de seres humanos é negado. Não teria havido um plano ou não teriam existido os instrumentos criados para provocar a morte de pessoas recolhidas aos campos de concentração. Negam, igualmente, a escravidão recriada no mesmo país, para sustentar a indústria de guerra. Negam fatos que os colocam na posição de partidários dos maiores genocidas na história humana. Dizem que nada disto existiu nos termos conhecidos, e que tudo o que é dito não passa de propaganda. As imagens dos fornos crematórios seriam montagens fotográficas ou filmográficas. Os depoimentos registrados em inúmeras mídias seriam mentiras orquestradas pelos judeus e pelo comunismo.
Paradoxalmente, os membros do núcleo duro destes movimentos mantêm os mesmos preconceitos que geraram o extermínio massivo de judeus, homossexuais, ciganos, opositores políticos, deficientes físicos, dentre outros. Negam o massacre, mas mantêm os argumentos usados para executá-lo. Continuam dividindo o mundo entre os mais aptos e os inferiores, renovando as teses arianas, relativas à existência de super-homens altos, brancos, inteligentes e disciplinados destinados a reinar sobre a Terra. Estas teses, de algum modo, ainda orientam muitos dos preconceitos e práticas sociais existentes no mundo atual. Muita gente ainda acredita que ser ‘ariano’ é pertencer a um contingente humano superior. Os ideais de beleza ocidentais, por exemplo, têm ainda forte influência do mesmo mito, por decorrência disto, a moda e a publicidade se apropriam destes signos hoje negados e reafirmados em vários contextos. O mesmo acontece com várias emissões e visões das mídias de massa.
O negacionismo atual tem múltiplas faces e não é mais monopólio da extrema direita. Ela continua a praticá-lo sistematicamente por toda parte, mas as outras direitas - existem múltiplas direitas - também fazem uso do mesmo procedimento. Tornou-se fácil no mundo do espetáculo midiático proceder assim. Os meios disponíveis para a propaganda política e a manipulação social devem ser invejados, se vistos do inferno. Goebels, ministro da propaganda de Hitler, deve lamentar ter vivido em uma época onde as mídias eram de alcance tão limitado. Na época do nazismo não havia televisão, Internet etc. O Mein Kampf, livro de base do hitlerismo, alcançou, na época, uma edição de cerca de um milhão de exemplares. Hoje, qualquer besteira livresca que venda no mundo, consegue tiragens de milhões e milhões nas mais diversas línguas.
Os inimigos de hoje não são exatamente os mesmos. O que se precisa negar também não é necessariamente a mesma coisa. Negam-se, por exemplo, a guerra do Vietnã e seus horrores, as tragédias perpetradas pelo fascismo vermelho de Stalin, os genocídios e limpezas étnicas dos Bálcãs e da África etc. Nega-se a truculência das ditaduras militares latino-americanas, representadas pela tortura, morte, exílio e censura. Negam-se todas as ignomínias perpetradas contra o gênero humano, em vários casos dizendo-se que era necessário, que não havia outro jeito etc. Elas são inúmeras, fazendo pensar se realmente existe a necessidade de um inferno no pós-morte, porque os tormentos sofridos por muitos são inimagináveis, por quem jamais os sofreu.
Continua-se, outrossim, a se negar que houve e continua a existir violências, discriminações, racismos, exclusões e preconceitos. Os seres humanos, pertencentes à grande família do homo sapiens sapiens, persistem sendo vistos por alguns, como se fossem de diferentes espécies. Isto ocorre, com maior força, se tiverem culturas diversas. Acredita-se na existência de civilizações, corpos e mentes superiores e inferiores, mesmo com todas as evidências científicas atuais de que isto seja um dos mitos do racismo contemporâneo. Confunde-se, deliberadamente, diferenças com oposições fratricidas, tais como as expostas no integrismo puritano e racista e nos fundamentalismos religiosos em voga.
Uma nova mania negacionista, que beira a paranóia, é a de acreditar na teoria conspirativa que imagina a manipulação midiática como algo infinitamente mais forte do que os episódios reais. É verdade que as mídias, sobretudo as empresariais e mais estruturados, manipulam, mentem e tentam, de modo fascista, controlar a opinião comum. Mas, também é verdadeiro que elas têm limites e precisam se basear, vez por outra, em fatos concretos, como, por exemplo, a crise aérea e os episódios recentes da longa história brasileira da corrupção de Estado.
Uma das vertentes políticas contemporâneas da chamada cultura das mídias é o negacionismo clássico. Outra consiste no negacionismo que foi refundado no mundo atual. A construção das ‘verdades’ midiáticas baseia-se na verossimilhança, isto é, em algo plausível e possível de ser concreto e, por isso, consistindo em fácil objeto de manipulação. Os grandes veículos precisam se apropriar da realidade e dar a ela um sentido que lhe interesse, fugindo da objetividade que, paradoxalmente, dizem perseguir. Entretanto, é mais raro, no contexto da democracia formal, dizer algo absolutamente impossível, tal como se fazia na época da ditadura.
O convencimento, quando fruto da manipulação, almejado pelas grandes mídias, precisa se ancorar em algo visível e que não possa ser facilmente desmascarado. A notícia e a opinião são construídas de modo cauteloso. Os fatos reais são narrados a partir de uma ótica de preconceitos e interesses que ressaltam ou escondem, tal como é necessário para se construir os artefatos e a opinião do público receptor. Por isso tudo, também é caracterizável como negacionismo dizer que as grandes mídias falam absolutas inverdades, em todos os casos e em qualquer situação. Nem o ministério da propaganda da Alemanha nazista agia assim. É preciso cautela com o exagero da simplificação.
É importante denunciar como negacionismo todas as imposturas históricas e reconstruções manipuladas que servem à formação da opinião comum. Talvez, assim, os negacionistas tenham maior cuidado, por medo de serem desmascarados e mostrados à luz do sol. Eles são seres das sombras. Detestam que se faça a exposição de suas mazelas. Abominam que se fale sobre o que não podem responder, e sobre o que querem esconder. Temem o debate, em especial, com quem não tem o rabo preso em algum lugar.
Luís Carlos Lopes é professor.


BRASIL

1. Do Correio Caros Amigos:


Mediocridade, mais uma criação da mídia?
por Mylton Severiano

No fim do ano passado, em visita à França, vi num canal de televisão um debate sobre os rumos da esquerda, da democracia, do socialismo. Falaram homens e mulheres de tudo quanto é tendência. Durou mais de duas horas. O programa vem à memória quando finalizamos, na redação de Caros Amigos, a reportagem principal de nosso próximo número, de setembro. Usamos como gancho o movimento “Cansei” e estendemos o alcance de nossa lente a várias esferas, política, esporte, humor, publicidade, música, judiciário, meios de comunicação – estes, que agora me trazem à lembrança o programa de alto nível da tevê francesa, porque jamais veríamos algo parecido por aqui.
Estaríamos atravessando uma nuvem de mediocridade em várias áreas? Um de nossos entrevistados, o jurista Dalmo Dallari, acha que, no caso do judiciário, o que existe é “um excesso de escândalo sobre coisas que não são novas”, por exemplo a lentidão da justiça, que o próprio judiciário “hoje está atacando”. Para Dallari, portanto, sinal de mediocridade é um fato só merecer notícia se “virar escândalo”.Um dos entrevistados que me couberam, o colega Paulo Henrique Amorim, classifica o “Cansei” de “um movimento da extrema direita, que cansou de perder eleição”. Diz que o Brasil que “ficou medíocre” é o Brasil de Fernando Henrique Cardoso e do “grupo de intelectuais paulistas” que o cerca – “eles iam iluminar o Brasil com sua inteligência superior”, mas o projeto “foi pro saco porque não era um projeto”.
A ensaísta e teatróloga Heloneida Studart, deputada fluminense pelo PT, não perdoa nem suas cores, “vivemos uma mediocridade de políticos de alguns partidos, inclusive do meu, que ainda não compreenderam que a política é o grande movimento pelo bem público, não pelos interesses pessoais”.
Entrevistamos representantes da política, do jornalismo, da publicidade, da justiça, das ciências sociais, do cinema, dos quadrinhos; e um jovem do hip-hop de Brasília – que, enquanto nos falava ao celular rodando de carro pela periferia da capital federal, foi parado e revistado duas vezes pela polícia (em matéria de pegar no pé de pobres e negros a polícia não é nada medíocre). A sensação de mediocridade é geral, mas a vários entrevistados não escapa que existe um Brasil grandioso, aonde a mídia não vai, porém, por isso ninguém vê. É o caso do Nordeste, cuja economia cresce ao ritmo de 10% ao ano – “cresce a taxa chinesa”, diz Paulo Henrique Amorim.
Outro colega, Ricardo Kotscho, que trabalhou no governo no início da gestão Lula, ressalta:“A vida da maioria das pessoas está melhorando, todos os indicadores mostram, não é porque trabalhei no governo, é só pegar salário, emprego, inflação controlada, juros caindo, exportações, balança comercial, consumo de alimentos, cimento. Enquanto isso, você pega os jornais e parece o apocalipse.”
A princípio, salta das inúmeras entrevistas que coletamos a constatação, mais uma vez, de que a mediocridade é um fenômeno “de mídia”, por sua vez nivelada “por baixo”. Recentemente, por exemplo, meu televisor quebrou e deixei pra lá. Fiquei quase um ano sem ver televisão regularmente. Não fez grande falta. É como diria Oswald de Andrade: a ausência desse jornalismo praticado hoje em dia preenche uma lacuna. Mas aguarde o número de setembro de Caros Amigos. Há grandes e saborosas revelações na reportagem principal.
Mylton Severiano é jornalista

2. Marco Maciel e a “Residência” do Professor

O senador Marco Maciel (DEM) tem um projeto de lei que visa criar uma espécie de residência (como a dos médicos) para o professor de educação infantil e ensino fundamental. Essa residência seria paga, e deveria durar algo em torno de sete meses. O objetivo do senador é garantir que o professor, ao se deparar solitariamente com a criança, cometa menos erros do que vem cometendo. Isso é bom ou é ruim?

Há uma série de objeções que podem ser levantadas contra a proposta do senador. Pode-se dizer que há falta de professores no Brasil (ainda que, nos grandes centros, possamos encontrar muita gente com diploma de professor desempregada, ou, melhor dizendo, empregada em outro tipo de serviço). Assim, atrasar a chegada de mão de obra no mercado de trabalho seria um tanto complicado no momento atual. Alguns podem comentar que o curso de pedagogia que, enfim, é o responsável pela formação dos professores atualmente, já possui um número grande de horas de estágio, que se levadas a sério poderiam suprir a deficiência que o projeto do senador quer suprir. Outros poderiam afirmar que o projeto não prevê valores dos recursos necessários, que deveriam vir da União, podendo criar um escoadouro de dinheiro capaz apenas de pulverizar recursos.

Creio que cada uma dessas objeções pode ter seu peso, no sentido de fazer o senador aperfeiçoar o projeto. Todavia, o projeto é correto, bom e oportuno. É uma boa idéia, e creio que vem da preocupação do senador com a formação da antiga normalista, o que ele já havia expressado quando ocupou o ministério da Educação, no Governo Sarney.

A idéia do senador está correta, pois o que tínhamos na educação brasileira era, de certo modo, uma residência, quando a normalista “substituta” ficava junto com a professora titular durante algum tempo, até se habilitar melhor para conduzir uma classe sozinha. Quem leva a educação a sério – como pode ser visto no projeto do senador – deve realmente entender que “dar conta de uma sala de aula” é uma atividade tão difícil quanto ser cirurgião e dar conta de uma sala de operações, de modo que a cirurgia ocorra de modo ótimo. Uns operam barriga, outros operam mentes. O tamanho e a precisão do corte, nos dois casos, são coisas decisivas para a vida ou a morte de quem está ali, diante daquele que executa a tarefa de cuidar do corpo ou da atividade mental.

Assim, o projeto do senador, talvez pela primeira vez na história do Brasil desses últimos vinte anos, realmente encara a educação das crianças como uma atividade técnica, que precisa de mão de obra especializada e treinada. Caso o projeto não passe no parlamento ou não sirva para nada, dado que a forma que o governo faz as coisas nem sempre é animadora e correta, assim mesmo haverá uma vitória a se comemorar. Ou melhor, já podemos comemorar. Pois o senador Marco Maciel arranca do horizonte da vida política e social uma idéia que, infelizmente, se disseminou em nosso país, a de que educar crianças é uma tarefa para qualquer um. Essa idéia maligna, que não existia quanto tínhamos a Escola Normal em nível médio funcionando, foi amplamente difundida a partir dos anos 70, quando passamos a acreditar que qualquer um podia ser professor, diretor, supervisor escolar a partir de um diploma conseguido em um curso de pedagogia completamente desgastado ou simplesmente vago.

Hoje, valorizar o professor e ter um novo Brasil a partir daí, não pode ser feito do modo como o MEC quer, ou seja, com ensino a distância ou com programas pouco definidos, como este que está em curso, que é o de deixar a CAPES (por meio de bolsas) cuidar do apoio às licenciaturas. Valorizar o professor é, antes de tudo, tratá-lo como trabalhador que deve comprar livros, assinar jornais e revistas, ir ao cinema e ao teatro, ter computador em casa e dinheiro para sua manutenção. Isso tudo é necessário para que a aula ocorra. Para tal, o piso salarial do governo, de 850 reais, não serve. E o piso calculado pelos sindicatos, é pedido de esmola, pois chega apenas a algo em torno de 1400 reais. O próprio governo, nas escolas públicas federais, onde o Ideb é mais alto que o das outras escolas públicas e mais alto do que o das escolas particulares, paga bem mais do que isso.

Assim, se a um piso salarial digno (e as escolas federais deveriam ser um parâmetro para tal), associarmos o modo como o projeto do senador Marco Maciel vê a atividade do professor – como um trabalho tão importante que merece até mesmo uma residência antes de ser exercido de fato –, estaremos começando a mudar a nossa mentalidade a respeito do magistério. Em um prazo de uma década, teremos feito uma revolução.

O que resta agora é ver como o senador pode melhorar o projeto, que deverá alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. É claro que se o projeto vingar, deveremos diminuir consideravelmente as horas de estágio da pedagogia. Mas não devemos, de modo algum, atrelar a residência à universidade ou faculdade, pois isso seria apenas manter a ampliação do estágio e dar alimento à eterna tentativa de vários professores dos cursos de pedagogia de manter seus alunos sob controle eternamente. Residência é residência mesmo – como no caso dos médicos. Por outro lado, seria necessário brecar o MEC em sua insistência de pulverizar recursos, abrindo frentes para todo tipo de demanda e não cuidando de nenhuma com a competência devida. Diante do projeto do senador, o MEC deveria repensar a formação do professor de modo mais sério, e procurar alocar as verbas necessárias para tal atividade de residência. Não penso que isso seria algo contrário aos desejos do atual ministro da Educação, Fernando Haddad, que tem procurado mecanismos para certo tipo de “federalização da educação básica”.
Paulo Ghiraldelli Jr

INTERNACIONAL

1. O verdadeiro choque de civilizações

Um dos estrategistas do Pentágono disse friamente:"as cidades fracassadas e ferozes do Terceiro Mundo, principalmente seus arredores favelados, serão o campo de batalha que distinguirá o século XXI".
Leonardo Boff (Agência Carta Maior)

A expressão "choque de civilizações" como formato das futuras guerras da humanidade foi cunhada pelo fracasssado estrategista da Guerra do Vietnã Samuel P. Huntington. Para Mike Davis, um dos criativos pesquisadores norte-americanos sobre temas atuais como "holocaustos coloniais" ou "a ameaça global da gripe aviária", a guerra de civilizações se daria entre a cidade organizada e a multidão de favelas do mundo.
Seu recente livro "Planeta Favela"(2006) apresenta uma pesquisa minuciosa (apesar da bibiografia ser quase toda em inglês) sobre a favelização que está ocorrendo aceleradamente por todas as partes. A humanidade sempre se organizou de um jeito que grupos fortes se apropriassem da Terra e de seus recursos, deixando grande parte da população excluída. Com a introdução do neoliberalismo a partir de 1980 este processo ganhou livre curso: houve uma privatização de quase tudo, uma acumulação de bens e serviços em poucas mãos de tal monta que desestabilizou socialmente os países periféricos e lançou milhões e milhões de pessoas na pura informalidade. Para o sistema eles são "óleo queimado", "zeros econômicos", "massa supérflua" que sequer merece entrar no exército de reserva do capital.
Essa exclusão se expressa pela favelização que ocorre no planeta inteiro na proporção de 25 milhões de pessoas por ano. Segundo Davis 78,2% das populações dos países pobres é de favelados (p.34). Dados da CIA, de 2002, davam o espantoso número de 1 bilhão de pessoas desempregadas ou subempregadas favelizadas.
Junto com a favela vem toda a corte de perversidades, como o exército de milhares de crianças exploradas e escravizadas, como em Varanasi (Benares) na Índia na fabricação de tapetes, ou as "fazendas de rins" e outros órgãos comercializados em Madras ou no Cairo e formas inimagináveis de degradação, onde pessoas "vivem literalmente na m"(p.142).
Ao Império norte-americano não passaram desapercebidas as conseqüências geopolíticas de um "planeta de favelas". Temem "a urbanização da revolta" ou a articulação dos favelados em vista de lutas políticas. Organizaram um aparato MOUT (Military Operations on Urbanized Terrain: operações militares em terreno urbanizado) com o objetivo de se treinarem soldados para lutas em ruas labirínticas, nos esgoto, nas favelas, em qualquer parte do mundo onde os interesses imperiais estejam ameaçados.
Será a luta entre a cidade organizada e amedrontada e a favela enfurecida. Um dos estrategistas diz friamente:"as cidades fracassadas e ferozes do Terceiro Mundo, principalmente seus arredores favelados, serão o campo de batalha que distinguirá o século XXI; a doutrina do Pentágono está sendo reconfigurada nessa linha para sustentar uma guerra mundial de baixa intensidade e de duração ilimitada contra segmentos criminalizados dos pobres urbanos. Esse é o verdadeiro choque de civilizações"(p.205).
Será que os métodos usados recentemente no Rio de Janeiro com a militarização do combate aos traficantes nas favelas, com verdadeiras execuções, já não obedece a esta estratégia, inspirada pelo Império? Estamos entre os países mais favelizados do mundo, efeito perverso provocado por aqueles que sempre negaram a reforma agrária e a inclusão social das grandes maiorias pois lhes convinha deixá-las empobrecidas, doentes e analfabetas. Enquanto não se fizerem as mudanças de inclusão necessária, continuará o medo e o risco real de uma guerra sem fim.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.




NOTICIAS
1. VII Encontro Regional Sudeste de Historia Oral/RJ
O VII Encontro Regional Sudeste de Historia Oral terá como tema Memória e Política, e será realizado no período de 7 a 9/11/2007, no Campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O prazo final para o envio de trabalhos e' 31/8/2007. Mais informações em www.fiocruz.br/ehosudeste.
2. V Seminário Memória, Ciência e Arte/UNICAMP
A Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realizara' entre os dias 17 e 19/10/2007 o V Seminário Memória, Ciência e Arte - razão e sensibilidade na produção de conhecimento. Mais informações em www.preac.unicamp.br/memoria.
3. Curso de Introdução 'a Historia e Antropologia das sociedades negro-africanas antes do Tratado de Berlim/UFV
A Universidade Federal de Viçosa (UFV), realizara' entre os dias 10 e 14/9/2007 o curso de extensão: "Introdução 'a Historia e Antropologia das sociedades negro-africanas antes do Tratado de Berlim". Inscrições e mais informações em http://www.ufv.br/
4. Chamada para artigos/Revista
- A revista International Labor and Working-Class History, está solicitando artigos para um numero temático especial dedicado as iniciativas na área de historia do trabalho voltadas para um publico amplo. Esta edição abordara' questões que se relacionam diretamente com os aspectos públicos e políticos deste campo do conhecimento. Serão aceitos artigos analíticos, descrições de iniciativas com as características descritas acima, resenhas de filmes, pecas de teatro, livros, exposições fotográficas e de museus. Todos os artigos, resenhas e descrições de projetos. Os trabalhos devem ser em inglês e deverão ser enviados ate' 28/2/2008 Mais informações pelo e-mail: ilwch@newschool.edu.
- A revista de Historia Comparada, periódico publicado semestralmente pelo Programa de pós-graduação em Historia Comparada (PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), lança chamada de artigos para sua próxima edição. A Revista aceita, em fluxo continuo, artigos cujo teor envolva o exercício de experimentação comparativa objetivando estabelecer uma via para o dialogo entre a historia e demais saberes. Os artigos para o próximo numero poderão ser enviados ate' 15 de outubro de 2007. Mais informações em www.hcomparada.ifcs.ufrj.br/revistahc/revistahc.htm
5. Congresso Nacional de Historia em Jataí, Goiás
Será em setembro próximo, na cidade de Jataí-Goiás (Curso de História da UFG - Jataí). Para mais detalhes visite o endereço
http://groups.google.com.br/group/congresso-historia?hl=pt-BR

6. 1º Seminário de História da FAFIPAR.

De 3 a 5 de setembro, no auditório da Câmara Municipal de Paranaguá

Visitem a página do Semhis, lá vocês poderão obter maiores informações.
O site é http://www.semhis.v10.com.br


SITES

1. http://www.casadehistoria.com.br/index.asp
um site muito interessante, dos professores Wanda Regina Rodrigues e Herberton Sabino. Muitos textos bons, cursos, enfim, é a Casa dos historiadores mesmo!

2. Já esta no ar o novo site do VI ENPEH. (Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História). O endereço é http://www.anpuhrn.com.br/ , favor dar uma visitada e divulgar com colegas, alunos, etc.

3. O quinto capítulo do livro do jornalista José de Castro já se encontra no blog Tamoscomraiva. Lendo-o, podemos ver como o nepotismo grassava nos tribunais mineiros e de que maneira eram punidos os que ousavam denunciar as irregularidades.
Leia em http://www.tamoscomraiva.blogger.com.br/

4. Guerra Fria, OVNIs e Cinema – Podemos apreciar aqui a intrigante relação entre o contexto da Guerra Fria, a crença na existência de extra-terrestres e sua representação no cinema norte-americano na década de 50. Leia em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/materia03/


LIVROS E REVISTAS

1. 'A mídia nas eleições de 2006' é lançado nesta quinta
Livro organizado por Venício A. de Lima, tem lançamento no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. leia

2.

Trazido pela Editora Contexto, chega ao Brasil em edição primorosa o primeiro de dois volumes do mais importante livro de referência sobre cristãos, judeus e muçulmanos:

OS MONOTEÍSTAS
Volume I - Os povos de Deus
F. E. Peters
O livro chega no estoque no dia 30/8, mas já está sendo comercializado em pré-venda no link: http://www.livrariacultura.com.br/. Garanta o seu exemplar! No primeiro semestre de 2008, será lançado o segundo volume, As palavras e a vontade de Deus.
Preço: 59,00 – nº de páginas: 384

Fé, revelação, ética, moral, lei, busca da salvação. Religião para alguns, filosofia de vida para outros; alguns seguem uma conduta ética e moral por fé; outros por nascimento. De qualquer forma, a religião liga o homem a algo que lhe transcende. Por que há três comunidades distintas de crentes de um único Deus e por que o adoram e como pensam acerca dele? Como judeus, cristãos e muçulmanos se tratam mutuamente? Os monoteístas: os povos de Deus é um livro sério, imparcial e abrangente, que conta como surgiu – em meio a muitos outros deuses – a adoração a um único Deus e como se desenvolveram os Povos do Livro. Com linguagem acessível, F. E. Peters – um dos maiores experts em fés monoteístas do mundo – trata da história, da essência, das origens e do desenvolvimento do judaísmo, do cristianismo e do islamismo. Leitura essencial para compreender os acontecimentos do mundo contemporâneo, este livro já nasce como obra de referência a todos os interessados no tema – desde religiosos e historiadores a estudiosos das relações inter-nacionais e sociólogos.
O autorF. E. Peters, um dos maiores experts em fés monoteístas do mundo, é professor de História, Religião e Estudos do Oriente Médio na Universidade de Nova York.

2. Quem fala em nome dos direitos universais?
Por Emir Sader
Immanuel Wallerstein, em seu último livro publicado no Brasil ("O universalismo europeu", da Boitempo), defende que a luta entre o universalismo europeu e o universalismo universal é a luta ideológica central do mundo contemporâneo.
Leia o post na íntegra >>