Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

6.8.08

Número 150



Este é o Boletim
150



A barbárie reapareceu, mas desta vez ela é engendrada no próprio seio da civilização e é parte integrante dela. É a barbárie leprosa, a barbárie como lepra da civilização (Karl Marx)

Hoje é o dia 6 de agosto. Nesta data, em 1945, explodiu a bomba atômica em Hiroshima. Vamos falar, hoje, de barbárie. Mas não apenas aquela que ocorre nas guerras, como foi o caso da bomba atômica. Vamos falar também daquela que se verifica num nível micro.
Fiquei espantado desde a última edição deste boletim, com situações absolutamente bárbaras que estão ocorrendo no mundo.
Vamos aos exemplos:

1. Grécia: homem degola a namorada e passeia com a cabeça dela.

2. Um distribuidor tailandês de videogames suspendeu as vendas de "Grand Theft Auto" na segunda-feira depois que um adolescente confessou o assalto e homicídio de um motorista de táxi em uma tentativa de recriar uma cena do jogo

3. Em Goiás, um jovem matou uma adolescente inglesa. Deixou-a no banheiro e foi a uma festa. Ao voltar, esquartejou-a. No depoimento, Mohammed disse que se descontrolou quando viu Cara Marrie Burke no telefone em seu apartamento, no sábado passado. Ele teria achado que ela estivesse ligando para a polícia e a teria matado.

4. A Justiça decretou ontem a prisão temporária de quatro suspeitos de arrastar de carro por 600 m e matar o soldado da Polícia Militar Alexandre Sérgio de Oliveira Sobrinho, 29 anos, em Diadema (SP).
5. Pelo menos três civis morreram e outros cinco ficaram feridos num ataque suicida na província de Nimroz, no sul do Afeganistão.
6. No Rio, o gerente de compras André Luiz Reuter Lima, 45 anos, voltou para casa, depois de 71 dias de internação desde que ele foi agredido na cabeça por um motorista com uma barra de ferro, na Tijuca. O agressor continua preso. Seus advogados tentam provar que ele tem problemas mentais.

7. Um ex-funcionário de um depósito de livros em um subúrbio da Filadélfia, no Estado americano da Pensilvânia, voltou a seu antigo local de trabalho e matou duas pessoas, informou o diário Philadelphia Enquirer em sua página de Internet.

8. Policiais no Rio metralharam um carro, “confundido com o de assaltantes” , matando um menino e ferindo a mãe.

9. Passageiro é decapitado em ônibus no Canadá. Segundo testemunhas, agressor esfaqueou vítima 50 ou 60 vezes. Depois cortou sua cabeça e saiu caminhando tranquilamente em direção aos policiais que cercaram o ônibus.
As testemunhas disseram que o agressor esfaqueou o homem 50 ou 60 vezes e depois o decapitou
"Ele (o assassino) caminhou calmamente até a frente do ônibus com a cabeça (da vítima) e a faca em suas mãos e simplesmente olhou com calma para nós e largou a cabeça na nossa frente."
"Não havia raiva nele... Era como se ele fosse um robô ou algo assim", afirmou a testemunha.
Além de esquartejar, o assassino comeu partes do passageiro, de acordo com um vídeo divulgado.
10. Une femme de 36 ans a été mise en examen, vendredi à Saint-Etienne (Loire), pour infanticide. Après avoir caché à son entourage sa grossesse, elle aurait accouché seule, avant d’incinérer le corps du nouveau-né dans un champ voisin. «Elle dit qu’elle ne sait pas si l’enfant était vivant à la naissance», (jornal Liberation)

11. Uma mulher foi assassinada na madrugada desta quarta-feira em frente do filho, na casa da família, no centro do Rio. A polícia afirma ainda não ter suspeitos do crime.O filho da vítima --um garoto de 11 anos-- também foi baleado, mas passa bem, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.


O que está acontecendo com as pessoas? O que está acontecendo com o mundo? Para onde estamos caminhando, afinal? Onde ficaram as magníficas promessas de progresso infinito que o século XIX formulou? Quem pensava que apenas os governos seriam capazes de levar o mundo a viver situações bárbaras, deve estar abismado ao perceber que a barbárie ao que parece se instalou no coração e nas mentes de cada indivíduo do planeta.
Estamos muito distantes do ser humano idealizado por Rousseau, e muito próximos daquele pensado por Thomas Hobbes...

Muito a propósito, minha amiga e ex-aluna Luciana Santana Farias, que ora se encontra na Europa, fazendo seu doutorado em Ciência Política, enviou-me um email, com muitas fotos que ela tirou em uma visita a Auschwitz, o tragicamente famoso campo de extermínio do Nazismo.

Leiam o email que Luciana me enviou, falando de suas impressões a respeito de Auschwitz. As imagens foram enviadas por ela também, assim como a explicação a respeito do que foi o campo de extermínio nazista.

Caros amigos e colegas,

Gostaria de compartilhar uma das minhas experiências mais importantes na Europa. Na oportunidade de visitar a Polônia não deixei escapar a chance de conhecer Auschwitz. Mesmo aqueles que não fizeram um curso graduação em História (como é o meu caso) já devem ter ouvido o nome desse lugar seja nas aulas de história no Colégio ou em filmes sobre a segunda Guerra Mundial, Nazismo ou Holocausto. É o nome de um grupo de campos de concentração localizados no sul da Polônia, símbolos do Holocausto perpetrado pelo Nazismo.
Confesso que foi o lugar mais terrível que já estivesse em toda minha vida e acredito da “História” devido a seu lado obscuro, atroz, desumano e vergonhoso. Desde o momento em que iniciei a viagem para lá a partir de Cracóvia não deixei de pensar e imaginar minimamente o que aqueles que percorreram aquela estrada, pela última vez de suas vidas, sentiam ou tinham em mente.


Durante esse momento é difícil não refletir sobre o Ser Humano e sua capacidade exterminativa e cruel em relação a sua própria raça. E por isso você começa a compreender melhor porque “aquela pessoa”, próxima ou distante a você, consegue ter certas atitudes repudiáveis como a mentira, manipulação, traição, falsidade, intromissão, desamor, ódio, raiva, roubo ou em casos mais extremo o sangre frio inclusive para matar uma outra pessoa.
O caminho entre Cracóvia e Auschwitz é muito bonito com uma vegetação surpreendente, pequenos povoados e imensos vazios demográficos. Por certo o lugar faz parte do cenário ideal para ludibriar aqueles que foram na ilusão de que encontrariam ali um lugar para viver e trabalhar de forma digna. Que engano! A Beleza do lugar, entretanto não desfaz o peso histórico daquele lugar e por este motivo torna-se também um caminho sinistro.
O visitante tem a oportunidade de estar em dois dos campos de concentrações (Auschwitz I e Auschwitz II (Birkenau). Auschwitz I - Campo de concentração original que servia de centro administrativo para todo o complexo. Neste campo morreram perto de 70.000 intelectuais polacos e prisioneiros de guerra soviéticos. Auschwitz II (Birkenau) - Era um campo de extermínio onde morreram aproximadamente um milhão de judeus e perto de 19.000 ciganos e pessoas de outras nacionalidade e religiões.
Em Auschwitz I foi montado um museu que conta toda a história do local e mantém (apesar de reformas) prédios e locais em que muitos fatos ocorreram. Auschwitz II (Birkenau) mantém barracões da ala feminina, câmaras de gases, quarentenas, crematórios e suas ruínas, além das localizações específicas onde cada episódio acontecia.


Há que ter pulso firme para conseguir conhecer este lugar. Da mesma forma animo a todos que se tiverem essa oportunidade que aproveitem porque é algo que um ser humano deve se defrontar pelo menos uma vez na vida. Juro que em muitos momentos me senti muito mal. Impossível sorrir ou não deixar lágrimas escorrerem ao entrar nos barracões onde as pessoas eram “armazenadas” como animais, ver os fornos, crematórios, muro de execução, câmaras de gás, fotos no museu e enfim, é uma visitação muito difícil.
Aos que estão acostumados a ver meu sorrisos nas fotos, não fiquem surpresos com minha seriedade, tristeza e abatimento. Não há como dar um sorriso naquele lugar. Sai daquele lugar como se tivesse tomado uma surra, com um cansaço psicológico sem dimensão... Sinceramente não consigo ter mais palavras para descrever tudo o que senti ali.
Bom... fico por aqui porque já não tenho palavras.
Um abraço,
Luciana

PS: Aos que se sentirem à vontade: podem comentar ou tirar alguma duvida que esteja ao meu alcance responder.

Aos que queiram entender mais sobre o que aconteceu em Auschwitz segue breve explanação.
Hitler afirmava claramente, em novembro de 1937, em seu discurso dirigido ao Ministro do Exterior e aos seus principais líderes militares, que em seu regime não se tratava de conquistar pessoas e sim territórios. O programa do partido nazista anunciava a necessidade de conquistar terra para alimentar o povo e assentar o excedente populacional alemão. A ideologia nazista, alicerçada na idéia de que o povo alemão é superior aos demais, se encarregava de pregar o ódio contra a democracia, o marxismo, os judeus e todos os que não se enquadrassem nos padrões e propósitos da dominação totalitária: os povos

eslavos, os homossexuais, os deficientes físicos, os ciganos e os opositores políticos.
Com o objetivo de anexar territórios e abrir a passagem para o leste europeu a ser conquistado, a Polônia precisava ser arrasada. Hitler ordenava suas tropas para o extermínio sem piedade de homens, mulheres e crianças de origem polonesa, alegando que, somente assim, a Alemanha conquistaria o espaço necessário para sobreviver, acabando com a população residente e ocupando a área com assentamentos alemães. Como a Polônia contava com cerca de 3 milhões de judeus (10% da população do país), a construção de um campo de extermínio neste país não foi obra do acaso.
A escolha de Auschwitz foi estratégica, tanto do ponto de vista do isolamento das vítimas, como na perspectiva da eficiência para o transporte, ao exterminar o inimigo no território em que ele existia em maior número e que deveria ser “liberado” para a ocupação nazista, com vistas ao avanço em direção ao inimigo maior: o bolchevismo judeu.
Estima-se que para Auschwitz foram deportados, no mínimo, 1,1 milhões de judeus (a maioria da Hungria e da Polônia), 150 mil presos políticos poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil presos de guerra soviéticos e mais 25 mil presos de outras nacionalidades, especialmente tchecos, franceses, iugoslavos, russos, ucranianos e alemães.
O plano dos nazistas previa o extermínio total dos judeus, chegando a anunciar o genocídio de 11 milhões na Europa e estima-se que tenha atingido, no total, 6 milhões de vítimas. A fábrica da morte em Auschwitz foi projetada e construída, prioritariamente, para exterminar judeus, enquanto outros campos de extermínio se ocupavam com os demais “inimigos declarados pelo nazismo”. O “crime” dos judeus era terem “nascido judeus” e o governo nazista se encarregava de classificá-los e enviá-los a Auschwitz, com a falsa promessa de que iriam ao leste para trabalhar. Paralelamente, a “indústria da morte” em Auschwitz contribuía com setores da indústria capitalista alemã, através do trabalho forçado, em função do fornecimento de gás para as câmaras de extermínio e, inclusive, através da apropriação dos bens das vítimas.
As vítimas podiam levar até 50 Kg de bagagem, a qual era confiscada já na chegada em Auschwitz. Roupas, calçados, instrumentos de trabalho, objetos de uso pessoal eram simplesmente roubados, classificados e enviados de volta à Alemanha. Os objetos de maior valor, como dinheiro e ouro (também o ouro dos dentes das vítimas) eram enviados diretamente ao Banco Central Alemão e não são raros os casos em que os soldados se apropriavam, imediatamente, de parte desses bens.
Logo após a chegada, as vítimas eram obrigadas a se despir e entrar na “sala de desinfecção” onde recebiam uma roupa padronizada, um número em forma de tatuagem no braço e o cabelo era cortado, armazenado e enviado para a Alemanha, como “matéria-prima” para a indústria têxtil. Para ilustrar isso, quando as tropas soviéticas ocuparam Auschwitz, foram encontradas 7 toneladas de cabelo e uma infinidade de objetos das vítimas que ainda não haviam sido enviadas à Alemanha.
O extermínio foi racionalmente organizado, de tal forma, que pudesse eliminar o máximo de pessoas em menos tempo, com os menores custos e a maior eficiência do ponto de vista operativo. A rígida divisão do trabalho e a extrema organização da "indústria da morte" incorporaram o conhecimento de geniais arquitetos, administradores, antropólogos, médicos, químicos, biólogos, enfim, parte do conhecimento e da tecnologia mais avançada a serviço da destruição de seres humanos. Para Hitler e os principais líderes nazistas, havia, entretanto, mais um ingrediente importante na “indústria da morte”: o uso do terror como arma política. Segundo Hitler, qualquer um que tivesse a intenção de atacar o governo alemão iria rever sua posição ao saber do que o esperava nos campos de extermínio.
Esse efeito do terror sobre a sociedade os nazistas aproveitavam para dar o passo seguinte, de tal forma, que aquilo que, até então, parecia inimaginável à razão humana que acontecesse, já estava sendo assimilado como conduta na lógica do extermínio. Assim, se sucederam os experimentos com as vítimas, usadas como cobaias para o desenvolvimento da medicina e da indústria farmacêutica alemã. As atrocidades mais famosas são as conduzidas pelo médico Josef Mengele com gêmeos e liliputianos. A documentação atualmente existente revela, no entanto, 178 diferentes tipos de experimentos médicos realizados, incluindo crueldades como injeções no olho sem anestesia com a intenção de mudar a cor, esterilizações, contaminação com vírus e bactérias causadores de doenças, amputações e retirada de órgãos.
Os nazistas demonstraram claramente à humanidade que é perfeitamente possível estimular a ciência e utilizá-la a serviço da destruição do próprio ser humano e pasmem: sem que os responsáveis pela produção do conhecimento e sua utilização tenham algum peso na consciência ou um sentimento de culpa quanto a isso. Os soldados nazistas que estiveram em Auschwitz e que ainda estão vivos, ao serem perguntados sobre sua responsabilidade no genocídio, respondem que, simplesmente, procuram não pensar no que aconteceu com as vítimas, que eles estavam cumprindo ordens e assim conseguem viver de forma bem tranqüila com seu passado.
Em Auschwitz, as próprias vítimas eram obrigadas a executar as tarefas mais degradantes ao ser humano, seja a retirada dos corpos das câmaras de gás como sua transferência aos fornos de cremação. As vítimas não somente imaginavam o que, em seguida, iria acontecer com elas, como já vivenciavam, concretamente, sua exterminação coletiva, na qual eram obrigadas a contribuir na forma de trabalho forçado. A destruição da humanidade das vítimas, portanto, já se dava antes da sua destruição física.
O número total de mortes produzidas em Auschwitz-Birkenau está ainda em debate. Como todos os outros campos de concentração, os campos de Auschwitz eram dirigidos pela SS comandados por Heinrich Himmler. Os comandantes do campo foram Rudolf Hoess até o verão de 1943, e depois Artur Leibehenschel e Richard Baer. No final da Segunda Guerra Mundial, Rudolf Hoess deu uma descrição detalhada do funcionamento do campo durante seu interrogatório detalhado e que se complementou com sua autobiografia. Foi executado em 1947 em frente da entrada do forno crematório de Auschwitz I.

Somando as duas coisas, não tive como não lembrar de Eric Hobsbawm em seu ensaio “Barbárie – manual do usuário”. Procurando mais coisas na Internet, achei este trecho de uma autora que não conheço, mas que se baseia exatamente no texto de Hobsbawm.

Os exterminadores do futuro e a arte
In http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2720&cd_materia=229


Por Micheliny Verunschk

Entre as inúmeras características que separam os seres humanos dos outros animais, como o livre-arbítrio e a capacidade de raciocínio complexo e refinado, uma, em geral, é omitida da listagem: a violência. Sim, os animais podem até ser agressivos em determinadas circunstâncias e agir sob condicionamentos que se podem chamar, inadvertidamente, de "violentos". No entanto, nenhum animal é capaz de combinar agressividade, crueldade e terror em atos e palavras como os seres humanos. Essa característica esteve presente na era das grandes guerras - o bárbaro século XX - e também pode ser vista neste ainda novo, embora de modo algum inocente, século XXI.

O historiador egípcio naturalizado britânico Eric Hobsbawm, em um ensaio apropriadamente denominado "Barbárie: Manual do Usuário" (In: Sobre História. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 268-280), afirma que, como herdeiros que somos das guerras mundiais e da Guerra Fria, acabamos por nos acostumar com a desumanidade. Em suas palavras, "aprendemos a tolerar o intolerável". Os requintes de perversão violenta em nossa sociedade transitam das esferas pública e política para a esfera privada sem que se mobilize a indignação ou qualquer outro esboço de reação realmente significativa. A nova face da violência que se prefigura parece situar-se nos limites difusos do que é de ordem pessoal ou geral, e nisso temos uma sociedade sangrenta, cada vez mais sedenta de novas formas de violação dos direitos básicos da vida. As noções de ética, civilidade e respeito se esfacelam diante de uma cultura que não apenas idolatra a morte, mas que a cultua especialmente com seus sacrifícios de sangue.

Encontrei, também, este artigo de Michael Löwy, muito a propósito do tema deste nosso boletim.


BARBÁRIE E MODERNIDADE NO SÉCULO XX

Texto de Michael Löwy
http://combate.info/index.php?option=com_content&task=view&id=44&Itemid=41

A palavra "bárbaro" é de origem grega. Ela designava, na Antiguidade, as nações não-gregas, consideradas primitivas, incultas, atrasadas e brutais. A oposição entre civilização e barbárie é então antiga. Ela encontra uma nova legitimidade na filosofia dos iluministas, e será herdada pela esquerda. O termo "barbárie" tem, segundo o dicionário, dois significados distintos, mas ligados: "falta de civilização" e "crueldade de bárbaro". A história do século XX obriga-nos a dissociar essas duas acepções e a refletir sobre o conceito – aparentemente contraditório, mas de fato perfeitamente coerente – de "barbárie civilizada".

Em que consiste o "processo civilizador"? Como bem demonstrou Norbert Elias, um dos seus aspectos mais importantes é que a violência não é mais exercida de maneira espontânea, irracional e emocional pelos indivíduos, mas é monopolizada e centralizada pelo Estado, mais precisamente, pelas forças armadas e pela polícia. Graças ao processo civilizador, as emoções são controladas, o caminho da sociedade é pacificado e a coerção física fica concentrada nas mãos do poder político. O que Elias não parece ter percebido é o reverso dessa brilhante medalha: o formidável potencial de violência acumulado pelo Estado... Inspirado por uma filosofia otimista do progresso, ele podia escrever, ainda em 1939: "Comparada ao furor do combate abissínio (...) ou daquelas tribos da época das grandes migrações, a agressividade das nações mais belicosas do mundo civilizado parece moderada (...); ela só se manifesta em sua força brutal e sem limites em sonho e em alguns fenômenos que nós qualificamos de ‘patológicos’.

Alguns meses depois dessas linhas terem sido escritas, começava uma guerra entre nações "civilizadas" cuja "força brutal e sem limites" é simplesmente impossível de comparar com o pobre "furor" dos combatentes etíopes, tamanha é a desproporção. O lado sinistro do "processo civilizador" e da monopolização estatal da violência manifestou-se em toda a sua terrível potência.

Se nós nos referimos ao segundo sentido da palavra "bárbaro" – atos cruéis, desumanos, a produção deliberada de sofrimento e a morte deliberada de não-combatentes (em particular, crianças) – nenhum século na história conheceu manifestações de barbárie tão extensas, tão massivas e tão sistemáticas quanto o século XX. Certamente, a história humana é rica em atos bárbaros, cometidos tanto pelas nações "civilizadas" quanto pelas tribos "selvagens". A história moderna, depois da conquista das Américas, parece uma sucessão de atos desse gênero: o massacre de indígenas das Américas, o tráfico negreiro, as guerras coloniais. Trata-se de uma barbárie "civilizada", isto é, conduzida pelos impérios coloniais economicamente mais avançados.

Karl Marx era um dos críticos mais ferozes desses tipos de práticas maléficas e destruidoras da modernidade, que para ele estão associadas às necessidades de acumulação do capital. Em O Capital, especialmente no capítulo sobre a acumulação primitiva, encontra-se uma crítica radical dos horrores da expansão colonial: a escravização ou o extermínio dos indígenas, as guerras de conquista, o tráfico de negros. Essas "barbáries e atrocidades execráveis" – que segundo Marx (citando de modo favorável M.W. Howitt) "não têm paralelo em qualquer outra era da história universal, em nenhuma raça por mais selvagem, grosseira, impiedosa e sem pudor que ela tenha sido" – não foram simplesmente passadas aos lucros e perdas do progresso histórico, mas devidamente denunciadas como uma "infâmia". Considerando algumas das manifestações mais sinistras do capitalismo, como as leis dos pobres ou os workhouses – estas "bastilhas de operários"–, Marx escreveu em 1847 esta passagem surpreendente e profética, que parece anunciar a Escola de Frankfurt: "A barbárie reapareceu, mas desta vez ela é engendrada no próprio seio da civilização e é parte integrante dela. É a barbárie leprosa, a barbárie como lepra da civilização".

Mas com o século XX, um limite é transgredido, passa-se a um nível superior; a diferença é qualitativa. Trata-se de uma barbárie especificamente moderna, do ponto de vista de seu etos, de sua ideologia, de seus meios, de sua estrutura. Nós voltaremos a esse ponto.

A Primeira Guerra Mundial inaugurou esse novo estágio da barbárie civilizada. Dois autores, os primeiros, soaram o sinal de alarme, em 1914-15: Rosa Luxemburgo e Franz Kafka. Apesar das suas evidentes diferenças, eles têm em comum o fato de terem tido a intuição – cada um à sua maneira – de alguma coisa sem precedente que estava para se constituir no curso daquela guerra.

Ao usar a palavra de ordem "socialismo ou barbárie", Rosa Luxemburgo em A crise da social-democracia, de 1915 (assinada com o pseudônimo "Junius"), rompeu com a concepção – de origem burguesa, mas adotada pela Segunda Internacional – da história como progresso irresistível, inevitável, "garantido" pelas leis "objetivas" do desenvolvimento econômico ou da evolução social. Essa palavra de ordem é sugerida por certos textos de Marx ou de Engels, mas é Rosa Luxemburgo que dá a ela essa formulação explícita e elaborada. Ela implica uma percepção da história como processo aberto, como série de "bifurcações", onde o "fator subjetivo" – consciência, organização, iniciativa – dos oprimidos tornam-se decisivos. Não se trata mais de esperar que o fruto "amadureça", segundo as "leis naturais" da economia ou da história, mas de agir antes que seja tarde demais.

Porque o outro lado da alternativa é um sinistro perigo: a barbárie. Num primeiro momento ela parece considerar a "recaída na barbárie" como "a aniquilação da civilização", uma decadência análoga àquela da Roma antiga. Mas logo ela se dá conta que não se trata de uma impossível "regressão" a um passado tribal, primitivo ou "selvagem", mas antes, de uma barbárie eminentemente moderna, da qual a Primeira Guerra Mundial dá um exemplo surpreendente, bem pior em sua desumanidade assassina que as práticas guerreiras dos conquistadores "bárbaros" do fim do Império Romano. Jamais no passado tecnologias tão modernas – os tanques, o gás, a aviação militar – tinham sido colocadas ao serviço de uma política imperialista de massacre e de agressão numa escala tão imensa.

As intuições de Kafka são de uma natureza totalmente diferente. É sob a forma literária e imaginária que ele descreve a nova barbárie. Trata-se de uma novela intitulada A colônia penal: numa colônia francesa, um soldado "indígena" é condenado à morte por oficiais cuja doutrina jurídica resume em poucas palavras a quintessência do arbitrário: "a culpabilidade não deve jamais ser colocada em dúvida!". A sua execução deve ser cumprida por uma máquina de tortura que escreve lentamente sobre seu corpo com agulhas que o atravessam a frase "Honra os teus superiores".

O personagem central da novela não é nem o viajante que observa os acontecimentos com uma hostilidade muda, nem o prisioneiro, que não reage de modo nenhum, nem o oficial que preside a execução, nem o comandante da colônia. É a máquina mesma.Toda a narrativa gira em torno desse sinistro aparelho (Apparat), que parece mais e mais, no curso da explicação detalhada que o oficial dá ao viajante, como um fim em si mesmo. O Aparelho não está lá para executar o homem, é sobretudo este que está lá pelo Aparelho, para fornecer um corpo sobre o qual ele possa escrever sua obra-prima estética, sua inscrição sangrenta ilustrada de "muitos florilégios e ornamentos". O próprio oficial é apenas um servidor da Máquina e, finalmente, ele mesmo se sacrifica a esse insaciável Moloch.Em que "máquina de poder" bárbara, em que "aparelho da autoridade" sacrificador de vidas humanas, pensava Kafka? A colônia penal foi escrita em Outubro de 1914, três meses após a eclosão da grande guerra. Há poucos textos na literatura universal que apresentam de maneira tão penetrante a lógica mortífera da barbárie moderna como mecanismo impessoal.

Esses pressentimentos parecem perder-se nos anos do pós-guerra. Walter Benjamin é um dos raros pensadores marxistas a compreender que o progresso técnico e industrial pode ser portador de catástrofes sem precedentes. Daí o seu pessimismo – não fatalista, mas ativo e revolucionário. Num artigo de 1929 ele definia a política revolucionária como "a organização do pessimismo" – um pessimismo em todas as linhas: desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do povo europeu. E acrescenta ironicamente: "confiança ilimitada somente no IG Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Luftwaffe". Ora, mesmo Benjamin, o mais pessimista de todos, não podia adivinhar a que ponto essas duas instituições iriam mostrar, alguns anos mais tarde, a capacidade maléfica e destrutiva da modernidade.

Pode-se definir como propriamente moderna a barbárie que apresenta as seguintes características:

— Utilização de meios técnicos modernos. Industrialização do homicídio. Exterminação em massa graças às tecnologias científicas de ponta.

— Impessoalidade do massacre. Populações inteiras – homens e mulheres, crianças e idosos – são "eliminados", com o menor contato pessoal possível entre quem toma a decisão e as vítimas.

— Gestão burocrática, administrativa, eficaz, planificada, "racional" (em termos instrumentais) dos atos bárbaros.

— Ideologia legitimadora do tipo moderno: "biológica", "higiênica", "científica" (e não religiosa ou tradicionalista)

Todos os crimes contra a humanidade, genocídios e massacres do século XX não são modernos no mesmo grau: o genocídio dos armênios em 1915, o genocídio levado a cabo pelo Pol Pot no Camboja, aquele dos tutsis em Ruanda, etc. associam, cada um de maneira específica, traços modernos e traços arcaicos.

Os quatro massacres que encarnam de maneira mais acabada a modernidade da barbárie são o genocídio nazi contra os judeus e os ciganos, a bomba atômica em Hiroshima, o Goulag estalinista e a guerra norte-americana no Vietname. Os dois primeiros são provavelmente os mais integralmente modernos: as câmaras de gás nazis e a morte atômica norte-americana contêm praticamente todos os ingredientes da barbárie tecno-burocrata moderna.

Auschwitz representa a modernidade não somente pela sua estrutura de fábrica de morte, cientificamente organizada e que utiliza as técnicas mais eficazes.

O genocídio dos judeus e dos ciganos é também, como observa o sociólogo Zygmunt Bauman, um produto típico da cultura racional burocrática, que elimina da gestão administrativa toda interferência moral. Ele é, deste ponto de vista, um dos possíveis resultados do processo civilizador como racionalização e centralização da violência e como produção social da indiferença moral. "Como toda outra ação conduzida de maneira moderna – racional, planificada, cientificamente informada, gerida de forma eficaz e coordenada – o Holocausto deixou para trás todos seus pretensos equivalentes pré-modernos, revelando-os em comparação como primitivos, esbanjadores e ineficazes. (...) Ele eleva-se muito acima dos episódios de genocídio do passado, da mesma forma que a fábrica industrial moderna está bem acima da oficina artesanal...".

A ideologia legitimadora do genocídio é ela também de tipo moderno, pseudo-científico, biológico, antropométrico, eugenista. A utilização obsessiva de fórmulas pseudo-medicinais é característica do discurso anti-semita dos dirigentes nazis, o que pode ser notado nas conversações privadas deles. Numa carta a Himmler em 1942, Adolf Hitler insistia: "A batalha na qual nós estamos engajados hoje é do mesmo tipo que a batalha liderada, no século passado, por Pasteur e Koch. Quantas doenças não tiveram a sua origem no vírus judeu... Nós não encontraremos a nossa saúde sem eliminar os judeus".

No seu notável ensaio sobre Auschwitz, Enzo Traverso destaca, com palavras sóbrias, precisas e lúcidas, o contexto do genocídio. Não se trata nem de uma simples "resistência irracional à modernização", nem de um resíduo de barbárie antiga, mas de uma manifestação patológica da modernidade, do rosto escondido, infernal, da civilização ocidental, de uma barbárie industrial, tecnológica, "racional" (do ponto de vista instrumental). Tanto a motivação decisiva do genocídio – a biologia racial – quanto as suas formas de realização – as câmaras de gás – eram perfeitamente modernas. Se a racionalidade instrumental não basta para explicar Auschwitz, ela é condição necessária e indispensável. Encontra-se nos meios de extermínio nazis uma combinação de diferentes instituições típicas da modernidade: ao mesmo tempo, a prisão descrita por Foucault, a fábrica capitalista da qual falava Marx, "a organização científica do trabalho" de Taylor, a administração racional/burocrática segundo Max Weber.

Este último tinha intuído, como sublinha Marcuse, a transformação da razão ocidental em força destrutiva. A sua análise da burocracia como máquina "desumanizada", impessoal, sem amor nem paixão, indiferente a tudo aquilo que não é sua tarefa hierárquica, é essencial para compreender a lógica reificada dos campos da morte. Isso vale também para a fábrica capitalista, que estava presente em Auschwitz, ao mesmo tempo nas oficinas de trabalho escravo da empresa IG Farben e nas câmaras de gás, lugares de produção "em cadeia" de mortos. Mas a "solução final" é irredutível a toda a lógica econômica: a morte não é nenhuma mercadoria, nenhuma fonte de lucro.

Traverso critica, de maneira muito convincente, as interpretações – inspiradas, num grau ou outro, pela ideologia do progresso – do nazismo e do genocídio como produto da história do irracionalismo alemão (Georges Lukács), de uma "saída" da Alemanha para fora do berço ocidental (Jurgen Habermas) ou de um movimento de "descivilização" (Entzivilisierung) inspirado por uma ideologia "pré-industrial" (Norbert Elias). Se o processo civilizador significa, antes de tudo, a monopolização pelo Estado da violência – como o mostram, depois de Hobbes, tanto Weber quanto Elias – é necessário reconhecer que a violência do Estado está na origem de todos os genocídios do século XX.

Auschwitz não representa uma "regressão" em direção ao passado, em direção a uma idade bárbara primordial, mas é realmente um dos rostos possíveis da civilização industrial ocidental. Ele constitui ao mesmo tempo uma ruptura com a herança humanista e universalista dos iluministas e um exemplo terrível das potencialidades negativas e destrutivas de nossa civilização.

Se o extermínio dos judeus pelo Terceiro Reich é comparável a outros atos bárbaros, nem por isso ele deixa de ser um evento singular. É necessário recusar as interpretações que eliminam as diferenças entre Auschwitz e os campos soviéticos, ou os massacres coloniais, os pogroms, etc. O crime de guerra que tem mais afinidades com Auschwitz é Hiroshima, como compreenderam tão bem Gunther Anders e Dwight MacDonald: nos dois casos delega-se a tarefa a uma máquina de morte formidavelmente moderna, tecnológica e "racional". Mas as diferenças são fundamentais. Inicialmente, as autoridades americanas não tiveram jamais como objetivo – como as do Terceiro Reich – realizar o genocídio de toda uma população: no caso das cidades japonesas, o massacre não era, como nos campos nazis, um fim em si mesmo, mas um simples "meio" para atingir objetivos políticos. O objetivo da bomba atômica não era o extermínio da população japonesa como fim autônomo. Tratava-se sobretudo de acelerar o fim da guerra e demonstrar a supremacia militar americana face à União Soviética. Num relatório secreto de Maio de 1945 ao presidente Truman, o Target Committee – o "Comitê de Alvo", composto pelos generais Groves, Norstadt e do matemático Von Neumann – observa friamente: "A morte e a destruição irão não somente intimidar os japoneses sobreviventes a fazer pressão pela capitulação mas também (o bônus) assustar a União Soviética. Em síntese, a América poderia terminar mais rapidamente a guerra e, ao mesmo tempo, ajudar à moldar o mundo do pós-guerra". Para obter esses objetivos políticos, a ciência e a tecnologia mais avançadas foram utilizadas e centenas de milhares de civis inocentes, homens, mulheres e crianças foram massacrados – sem falar da contaminação pela irradiação nuclear das gerações futuras.

Uma outra diferença com Auschwitz é, sem dúvida, o número bem inferior de vítimas. Mas a comparação das duas formas de barbárie burocrático-militar é muito pertinente. Os próprios dirigentes americanos estavam conscientes do paralelo com os crimes nazis: numa conversa com Truman no dia 6 de junho de 1945, o secretário de Estado, Stimson, relatava os seus sentimentos: "Eu disse-lhe que estava inquieto com esse aspecto da guerra... porque eu não queria que os americanos ganhassem a reputação de ultrapassar Hitler em atrocidade".

Em muitos aspectos, Hiroshima representa um nível superior de modernidade, tanto pela novidade científica e tecnológica representada pela arma nuclear, quanto pelo caráter ainda mais distante, impessoal, puramente "técnico" do ato exterminador: pressionar um botão, abrir a escotilha que liberta a carga nuclear. No contexto próprio e asséptico da morte atômica entregue pela via aérea, deixou-se para trás certas formas manifestamente arcaicas do Terceiro Reich, como as explosões de crueldade, o sadismo e a fúria assassina dos oficiais da SS. Essa modernidade encontra-se na cúpula norte-americana que toma – após ter cuidadosa e "racionalmente" pesado os prós e os contras – a decisão de exterminar a população de Hiroshima e Nagasaki: um organograma burocrático complexo composto por cientistas, generais, técnicos, funcionários e políticos tão cinzentos quanto Harry Truman, em contraste com os acessos de ódio irracional de Adolf Hitler e seus fanáticos.

No curso dos debates que precederam a decisão de lançar a bomba, certos oficiais, como o general Marshall, declararam ter reservas, na medida em que eles defendiam o antigo código militar, a concepção tradicional da guerra, que não admitia o massacre intencional de civis. Eles foram vencidos por um ponto de vista novo, mais "moderno", fascinado pela novidade científica e técnica da arma nuclear, um ponto de vista que não tinha nada a ver com códigos militares arcaicos e que não se interessava senão pelo cálculo de lucros e perdas, isto é, em critérios de eficácia político-militar. Seria necessário acrescentar que um certo número de cientistas que tinham participado, por convicção anti-fascista, nos trabalhos de preparação da arma atômica, protestaram contra a utilização das suas descobertas contra a população civil das cidades japonesas.

Uma palavra sobre o Goulag estalinista: se há muito em comum com Auschwitz – sistema concentracionário, regime totalitário, milhões de vítimas – ele distingue-se pelo fato que o objetivo dos campos soviéticos não era o extermínio dos prisioneiros mas a sua exploração brutal como força de trabalho escrava. Por outras palavras: pode-se comparar Kolyma e Buchenwald, mas não o Goulag e Treblinka. Nenhuma contabilidade macabra – como aquela fabricada por Stéphane Courtois e outros anticomunistas profissionais – pode apagar essa diferença.

O Goulag era uma forma de barbárie moderna na medida em que era burocraticamente administrado por um Estado totalitário e colocado ao serviço de projetos estalinistas faraônicos de "modernização" econômica da União Soviética. Mas ele caracteriza-se também por traços mais "primitivos": corrupção, ineficácia, arbitrariedade, "irracionalidade". Ele situa-se por essa razão num degrau de modernidade inferior ao sistema concentracionário do Terceiro Reich.

Enfim, a guerra americana no Vietname, atroz pelo número de vítimas civis exterminadas pelos bombardeiros, o napalm ou as execuções coletivas, constitui, em vários aspectos, uma intervenção extremamente moderna: fundada sobre uma planificação "racional" – com a utilização de computadores, e de um exército de especialistas – ela mobiliza um armamento muito sofisticado, na ponta do progresso técnico dos anos 60 e 70: B-52, napalm, herbicidas, bombas de fragmentação etc.

Essa guerra não foi um conflito colonial como os outros: bastava lembrar que a quantidade de bombas e explosivos lançados sobre o Vietname foi superior àquela utilizada por todos os beligerantes durante a Segunda Guerra Mundial! Como no caso de Hiroshima, o massacre não era um objetivo em si, mas um meio político; e se a cifra de mortos é bem superior àquela das duas cidades japonesas, não se encontra no Vietname aquela perfeição da modernidade técnica e impessoal, aquela abstração científica da morte que caracteriza a morte atômica".

A natureza contraditória do "progresso" e da "civilização" moderna encontra-se no coração das reflexões da Escola de Frankfurt. Em Dialética do esclarecimento (1944), Adorno e Horkheimer constatam a tendência da racionalidade instrumental de se transformar em loucura assassina: a "luminosidade gelada" da razão calculista "carrega a semente da barbárie". Numa nota redigida em 1945 para Minima Moralia, Adorno utiliza a expressão "progresso regressivo" tentando dar conta da natureza paradoxal da civilização moderna.

Entretanto, essas expressões ainda são tributárias, apesar de tudo, da filosofia do progresso. Na verdade, Auschwitz e Hiroshima não são em nada uma "regressão à barbárie" – ou mesmo uma "regressão": não há nada no passado que seja comparável à produção industrial, científica, anônima e racionalmente administrada da morte na nossa época. Basta comparar Auschwitz e Hiroshima com as práticas guerreiras das tribos bárbaras do século IV para darmos conta que eles não têm nada em comum: a diferença não é somente na escala, mas na natureza. É possível comparar as práticas mais "ferozes" dos "selvagens" – morte ritual do prisioneiro de guerra, canibalismo, redução das cabeças etc. – com uma câmara de gás ou uma bomba atômica? São fenômenos inteiramente novos, que não seriam possíveis a não ser no século XX.

As atrocidades de massa, tecnologicamente aperfeiçoadas e burocraticamente organizadas, pertencem unicamente à nossa civilização industrial avançada. Auschwitz e Hiroshima não são mais "regressões": são crimes irremediavelmente e exclusivamente modernos.Existe entretanto um domínio específico da "barbárie civilizada" em que se pode efetivamente falar de regressão: a tortura. Como destaca Eric Hobsbawm no seu admirável ensaio de 1994, "Barbárie: um guia para o usuário": "A partir de 1782 a tortura foi formalmente eliminada do procedimento judiciário dos países civilizados. Em teoria, ela não era mais tolerada nos aparelhos coercitivos do Estado. O preconceito contra essa prática era tão forte que ela não pôde retornar após a derrota da Revolução Francesa que a havia seguramente abolido (...) Pode-se suspeitar que nos redutos da barbárie tradicional, que resistem ao progresso moral – por exemplo as prisões militares ou outras instituições análogas – ela de fato não desapareceu..." Ora, no século XX, sob o fascismo e o estalinismo, nas guerras coloniais – Argélia, Irlanda etc. – e nas ditaduras latino-americanas, a tortura é de novo empregada em grande escala.

Os métodos são diferentes – a eletricidade substitui o fogo e os torniquetes – mas a tortura de prisioneiros políticos tornou-se, no curso do século XX, uma prática rotineira – mesmo se não-oficial – de regimes totalitários, ditatoriais, e mesmo, em certos casos (as guerras coloniais), "democráticos". Nesse caso, o termo "regressão" é pertinente, na medida em que a tortura era praticada em inúmeras sociedades pré-modernas, e também na Europa, da Idade Média até o século XVIII. Um uso bárbaro que o processo civilizador parecia ter suprimido no curso do século XIX voltou no século XX, sob uma forma mais "moderna" – do ponto de vista das técnicas – mas não menos desumana.

Levar em conta a barbárie moderna do século XX exige o abandono da ideologia do progresso linear. Isso não quer dizer que o progresso técnico e científico é intrinsecamente portador de malefício – nem tampouco o inverso. Simplesmente, a barbárie é uma das manifestações possíveis da civilização industrial/capitalista moderna – ou da sua cópia "socialista" burocrática.

Não se trata também de reduzir a história do século XX aos seus momentos bárbaros: essa história conheceu também a esperança, as sublevações dos oprimidos, as solidariedades internacionais, os combates revolucionários: México, 1914; Petrogrado, 1917; Budapeste, 1919; Barcelona, 1936; Paris, 1944; Budapeste, 1956; Havana, 1961; Paris, 1968; Lisboa, 1974; Manágua, 1979; Chiapas, 1994; foram alguns dos momentos fortes – mesmo se efêmeros – dessa dimensão emancipadora do século. Eles constituem pontos de apoio preciosos à luta das gerações futuras por uma sociedade humana e solidária.


VALE A PENA LER

1. O roubo da historia – como os europeus se apropriaram das idéias e invenções do Oriente – autor: Jack Goody

Se o Ocidente tivesse levado a sério Jack Goody, teria entendido melhor o desenvolvimento supostamente inexplicável da China, assim como o surgimento dos “tigres asiáticos” e do próprio “milagre japonês”. O mundo não se resume à Europa e aos países de colonização européia. Algo que é óbvio em termos geográficos, não o era em diversas outras áreas do conhecimento humano até o surgimento do O roubo da história.
368 páginas, R$ 49,90 – Editora Contexto


2. Os Monoteístas, volume II – As palavras e a vontade de Deus – Autor: F.E. Peters

Neste segundo volume (o primeiro foi lançado no final do ano passado), Peters esclarece de que forma as escrituras influenciam a vida de cristãos, judeus e muçulmanos. Como esses povos compreendem e praticam a palavra de Deus? A moral dos homens é, de fato, elaborada a partir da palavra divina? E como cada religião lida com questões complexas como a vida após a morte?
472 páginas, R$ 59,00 – Editora Contexto

3. Na Revista Ciência Hoje nº 250, de julho,
Darwin: muito famoso e pouco lido

Nascido no século 19, Charles Darwin é o cientista de maior renome no século 21, superando em notoriedade gigantes como Newton, Marx e Einstein. Ele é conhecido como criador da teoria evolução por seleção natural. Mas nem todos sabem que ele trouxe contribuições essenciais para a etologia, a taxonomia, a geologia, a ecologia e a biogeografia, como mostra este ensaio da CH de julho.

4. Nas bancas a Revista de Historia da Biblioteca Nacional, edição 35.
Matéria de capa: 4 artigos discutem Vargas para todos os gostos. Dossiê com 4 artigos sobre a fome e revoltas que ela produziu, no Brasil e na França. Entrevista com Sérgio Cabral. Artigos sobre a boêmia na Belle époque carioca – Os transplantes do cientista Voronoff – O inventor brasileiro da fotografia – a revolta do eremita João Lourenço em Minas Gerais - A educação em casa no século XIX – E uma reflexão proposta por Fernando Novais aos jovens historiadores.

VALE A PENA NAVEGAR AQUI

1. Cultura Política circulou de março de 1941 até outubro de 1945. Era uma publicação bem divulgada, vendida nas bancas de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Conforme explicitava seu próprio subtítulo, Cultura Política era uma "revista de estudos brasileiros", destinada a definir e esclarecer as transformações sócio-econômicas por que passava o país. Além de relatar minuciosamente as realizações governamentais, a revista funcionava como uma espécie de central de informações bibliográficas, noticiando e resenhando todas as publicações sobre Vargas e o Estado Novo.
Agora já é possível a leitura desta revista, digitalizada, no portal do CPDOC. São 48 números disponíveis, que abrangem os anos de 1941 a 1945. Acesse: http://www.fgv.br/cpdoc/digital

2. ESTADOS UNIDOS

A esperança de uma mudança de modelo

Somente por meio do reconhecimento e da punição por todos os erros cometidos neste período crítico de sua história os Estados Unidos recuperarão o prestígio perdido em todo o mundo. As eleições presidenciais à vista constituem uma fundada esperança de mudança de modelo na ordem internacional. A análise é do ex-presidente de Portugal, Mário Soares. > LEIA MAIS Internacional 31/07/2008

• Luís Carlos Lopes: Obama na Europa•

Flávio Aguiar: Barack Obama em Berlim

• O declínio do sonho americano

3. A Rodada de Doha ficou para trás. E agora?

Concebida em novembro de 2001 na capital do Qatar, para transmitir solidariedade a um mundo sacudido pelo terrorismo, com os atentados de 11 de setembro daquele ano em Nova York e Washington, a Rodada de Doha se apaga, quase sete anos depois, quanto tomam corpo outras ameaças de crise global nos setores de alimentos, energia e clima. > LEIA MAIS Economia 31/07/2008

• OMC anuncia fracasso das negociações

• Doha, um fracasso que salvou empregos

• OMC: Estados Unidos antecipam uma dura estratégia

• Sobre a rodada de negociações da OMC

• Não chegar a um acordo é melhor que um acordo ruim, diz ActionAid

4. Segundo semestre do STF prevê debates polêmicos

Aborto de fetos anencéfalos, lei seca, demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e união homoafetiva são temas em discussão

leia


5. Definidos os dez objetivos do FSM 2009 em Belém

Após as propostas dos movimentos sociais, sociedade civil e participantes do Fórum Social Mundial, os dez objetivos dos participantes estão definidos. Confira!

leia

6. Fórum leva você ao FSM Amazônico

Em janeiro de 2009, o Fórum Social Mundial volta a acontecer no Brasil como um encontro centralizado. Saiba como participar! leia

7. Os candidatos declararam seus bens aos TREs, a Transparência Brasil divulgou e o jornalista José de Souza Castro se vestiu de palhaço para agüentar a brincadeira. Conheçam o caráter do seu candidato: mentiroso?, corrupto?, mau administrador das próprias finanças?, aproveitador? Escolha o seu nariz vermelho!

Desde que surgiu a Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz deu sua primeira entrevista neste fim de semana. O Tamos com Raiva faz uma análise.

Quem são os candidados encardidos da lista da Associação dos Magistrados do Brasil? O Supremo votará nesta quarta-feira a inegibilidade dos candidatos com vida pregressa podre. O Tamos com Raiva apóia essas iniciativas e explica por quê.

Leia em www.tamoscomraiva. com.br

8. B L O G DO ROVAI

O modelo educacional de Daniel Dantas

Por Glauco Faria - Em meio à apuração da matéria de capa da próxima edição da revista Fórum, há que se destacar um interessante trecho do depoimento de Daniel Dantas dado à CPI dos Correios leia

NOTICIAS

1. A partir do dia 31 de julho, o Masp recebe a exposição "Primeiro Expressionismo Alemão: Paula Modersohn-Becker e os Artistas de Worpswede - Desenhos e Gravuras", composta por 94 obras produzidas entre 1895 e 1906.Com 64 trabalhos sobre papel, 19 fotografias e 11 livros, a exposição é promovida pelo Instituto de Relações Culturais com o Exterior de Stuttgart (Alemanha) e já passou por mais de 20 países ao longo dos últimos 10 anos.

Principal destaque da exposição, Paula Modersohn-Becker (1876-1907) morreu aos 31 anos e tem uma vasta obra com mais de 700 pinturas e mais de mil desenhos produzidos entre1895 e 1905. A artista é um marco do movimento do vilarejo de Worpswede, próximo de Bremen, na Alemanha, cidade que abrigava grande número de jovens artistas naquela época.

A exposição itinerante é composta também por desenhos de Otto Modersohn e grafismos de Fritz Overbeck, Heinrich Vogeler, Fritz Mackensen e Hans am Ende. No Masp a mostra fica até até 5 de outubro e depois segue para Porto Alegre, Curitiba, Brasília e outros países da América Latina.

2. Mestrado acadêmico e doutorado em História, Política e Bens Culturais do Programa de Pós-Graduação do CPDOC.
Conheça a estrutura curricular dos cursos na página:

http://www.fgv.br/cpdoc/cursos/pos
Inscrições: 15/08 a 15/10/2008;
Prova escrita de conteúdo (apenas mestrado): 4/11;
Entrevistas: 24 a 26/11;
Prova escrita de língua estrangeira: 28/11;
Resultado final: a partir de 5/12;
Editais e fichas de inscrição: http://www.fgv.br/cpdoc/cursos/pos

3. Mestrado profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais.
Conheça a estrutura curricular e disciplinas em:

http://www.fgv.br/cpdoc/cursos/bensculturais
Inscrições: 15/08 a 15/10/2008;
Redação: 4/11;
Início das entrevistas: 14/11;
Divulgação da lista final de aprovados: 19/11;
Edital e ficha de inscrição: http://www.fgv.br/cpdoc/cursos/bensculturais

4. Estão abertas as inscrições para a segunda edição paulista da Pós-Graduação em Cinema Documentário, uma parceria entre o CPDOC/FGV e a Escola de Economia de São Paulo. Sob coordenação acadêmica de Eduardo Escorel, o programa combina as experiências dos professores do CPDOC e a de profissionais de cinema que, além de produzirem documentários, têm reflexão intelectual sobre o gênero. O curso fornece bases teórica e prática para os interessados em realização, pesquisa e reflexão na área de Cinema Documentário.
Inscrições abertas
Início das aulas: 30/08/2008
Inscrições: http://www.fgv.br/mba-sp ou pelo telefone 0800-772-2778

5. A pedido da UEMG, informo sobre o edital de concurso para doutores, com vagas para música, design e educação.

O endereço do edital é:http://www.uemg.br/w/noticia/im/edital.pdf

Para facilitar, estou anexando o edital

.http://www.proped.pro.br/upload/anexos/edital%20concurso%20professores%20uemg.pdf

6. A Tradição Planalto Editora, sediada em Belo Horizonte, irá promover seu primeiro concurso literário, com o intuito de incentivar a produção literária e abrir espaço para a divulgação de novos valores nessa área. A primeira edição abrirá espaço para a categoria poesia, na qual poderão ser inscritos poemas inéditos escritos em língua portuguesa. As inscrições estarão abertas entre os dias 28 de julho e 22 de agosto, e poderão ser feitas através de e-mail ou pelos correios, havendo premiação para os 10 primeiros colocados. Maiores informações disponíveis no site da Editora: www.tradicaoplanalto.com.br ou pelo e-mail lilla@tradicaoplanalto.com.br



7. Concurso para o Pedro II / RJ
o Colégio Pedro II, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, localizada no Rio de Janeiro, está com suas inscrições abertas ao concurso que visa o preenchimento de 88 vagas para o cargo de professor.As vagas são para a carreira do magistério do ensino básico, técnico e tecnológico no quadro permanente da Instituição (disciplinas de desenho, filosofia, física, francês, história, inglês, português, matemática, sociologia e 1º segmento do ensino fundamental).

Para os professores Doutores, o salário é de R$ 3.456,35 e para os graduados, o salário é de R$ 2.095,35.

Os interessados devem se inscrever a partir do dia 28 de julho até as 16h do dia 8 de agosto no site www.cp2.g12.br. A taxa para participar é de R$ 80,00.A prova preliminar acontecerá no dia 17 de agosto, às 9h. A partir do dia 13/08/2008 os candidatos, através do site, terão conhecimento sobre o local para a realização das provas.

8. Convocatória para artigos da UEL
1) A coordenação da revista HISTÓRIA E ENSINO, publicada pelo Laboratório de Ensino de História da Universidade de Londrina, informa que receberá até 30 de setembro de 2008 artigos e resenhas para comporem o número 14.A

História e Ensino publica artigos e ensaios sobre o ensino de história; consciência histórica; educação histórica; práticas e experiências do ensino de história; processo ensino-aprendizagem de história; discussões historiográficas; relação educação e história. Pede-se priorizar o eixo principal: história e ensino.

2) Os artigos deverão ser enviados em 03 cópias e arquivo digital(cd-room ) para HISTÓRIA E ENSINO: Revista do Laboratório de Ensino/UELCCH/Departamento de HistóriaA/C Prof. Gilmar Arruda Universidade Estadual de Londrina Campus Universitário Londrina –PR-Brasil86051-990cx. postal 6001

3) Os artigos deverão ter até 20 páginas, (fonte times new roman, corpo 12, espaço duplo) título, autor com referência, resumo, abstract, citação no corpo do texto(autor/data) e referências.

4) Observação: os artigos que não contiverem essas especificações não serão objeto de análise por parte do Conselho Editorial