Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

5.3.08

Numero 129



EDITORIAL

Os fatos acontecem com uma rapidez espantosa e quando pensamos que o mar está calmo, eis que um tsunami vem sacudir a América Latina.
Já tinha preparado o editorial deste número, em que iria falar da minha satisfação com a chegada de um colaborador – acredito que permanente – de alto nível, quando sou surpreendido, e todos nós o fomos, acredito eu, com a invasão de tropas colombianas no território do Equador, onde mataram cerca de 17 pessoas, entre elas um dos comandantes das FARC.
Atarefado com a escrita de uma coleção didática, mal tive tempo de digerir as primeiras notícias, mesmo porque já fui carinhosamente cobrado por uma amiga leitora, a falar algo hoje sobre esse acontecimento. Bem...uma pequena pausa para pesquisar aqui mesmo na internet, nos sites dos jornais e nos blogues, para ter uma posição mais clara sobre o assunto.
Li de tudo, desde acerbas críticas ao comportamento do presidente colombiano Uribe, ao do presidente Chávez, até elogios rasgados à atuação de Uribe. Espantoso como, no calor da hora, as pessoas se deixam levar por paixões e em vez de analisar a questão, falam e escrevem aquilo que está dentro de seu íntimo.
Como ainda não me inteirei de todos os detalhes para poder emitir uma opinião mais consistente, indico abaixo algumas matérias que me pareceram pertinentes. Mas creio que, em princípio, em tese, podemos afirmar que:
- Houve invasão do território equatoriano por tropas enviadas pelo governo colombiano (com apoio declarado do governo norte-americano, afinal a Colômbia é a menina dos olhos do Bush...).
- A invasão se destinava a eliminar fisicamente pessoas que se encontravam no território do Equador.
- Independente de quem eram as pessoas mortas, estamos diante de dois crimes gravíssimos: invasão de um país soberano e assassinato de pessoas (matar gente ainda é crime, pois não?)
- Alegar que se tratava de guerrilheiros, terroristas ou qualquer outra coisa, não legitima o procedimento. Se aceitarmos como legítimo, devemos reconsiderar muita coisa na História: foi legítimo a Inquisição matar feiticeiros e heréticos (eram uma ameaça à Igreja e aos Estados Nacionais); foi legítimo o holocausto perpetrado pelos nazistas (os judeus não eram descritos como uma ameaça à pureza do povo alemão?); é legítimo Bush mandar invadir o Iraque (afinal Saddam tinha armas que ameaçavam a humanidade em seu conjunto)...etc, etc... etc.
- Mais difícil ainda é entendermos o porquê de se assassinar exatamente a pessoa que estava negociando a libertação dos reféns. Fica claro, em meu entendimento, e no de outros comentaristas também, que o governo de Uribe não deseja entendimento, o que ele está disposto a encarar é a radicalização. Com quais objetivos, saberemos em breve, se ele não for devidamente punido.
- Um dado muito significativo é a notícia publicada na revista Newsweek (atenção: não foi na Veja, nem no Pravda) e cuja tradução se encontra no blog do Rovai:

Uma matéria da Newsweek, datada de 9 de Agosto de 2004 e assinada por Joseph Contreras e Steven Ambrus, que me foi encaminhada por André Lux, nosso editor da coluna de blogues independentes, dá a dimensão de quem é Uribe e como procede o governo dos EUA. O título: Da lista negra para lista A. A chamada: Antes tido como homem mal, agora Uribe é um aliado top.Fiz uma tradução livre e rápida do parágrafo inicial do texto da Newsweek: A desclassificação de um dos documentos do Departamento de Inteligência de Estado dos EUA, datado de setembro de 1991, revela um “Quem é Quem no Mercado da Coca na Colômbia”. A lista inclui o chefão do Cartel de Medellin, Pablo Escobar, e outros mais de 100 traficantes, assassinos e seus supostos advogados. No número 82 dessa lista está Álvaro Uribe Vélez, apontado como um “senador colombiano que colabora com o Cartel de Medellín, atuando em altos níveis de governo. Uribe era ligado em negócios relacionados a atividades narcóticas nos EUA (...) Uribe trabalhou para o Cartel de Medellín e é amigo próximo de Pablo Escobar Gaviria.” Escobar morreu em 1993 num surpreendente ataque policial. Há dois anos, Uribe se tornava presidente da Colômbia. Hoje, Washington o ama.
Comentário meu (do Rovai): Como um dia amou Saddam Hussein. E o movimento Talibã.
Vejam, abaixo, as matérias que selecionei para tentarmos compreender melhor a questão. Ah... e antes que me esqueça, confiram a matéria sobre a pesquisa com células embrionárias e a primeira parte do artigo do nosso novo colaborador, Marcos Antônio Lopes, professor da Universidade Estadual de Londrina e autor de já vasta obra. Está na seção Arte&Cultura.
Boa semana para todos!

Morte de Raúl Reyes não é boa notícia, diz ministro francês"
Não é uma boa notícia que Reyes, o homem com o qual falávamos e tínhamos contatos tenha sido morto", afirmou o ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner. Governos da França e da Venezuela vinham negociando libertação de Ingrid Betancourt. > LEIA MAIS Internacional 03/03/2008


Para onde vai a Revolução Bolivariana?
Os leitores-colaboradores deste blog estão postando comentários informativos a respeito da morte de Raúl Reyes, considerado o número 2 das Farc. Agradeço e sugiro aos que desejam melhor se informar a respeito que leiam esses comentários. Também peço que aqueles que tiverem dicas de sites ou de leituras sobre o tema que veiculem aqui.
Bem, mas vamos às minhas impressões. Acabo de ler algumas matérias em sites independentes e me impressionou muito a entrevista coletiva dada na noite de ontem pelo presidente do Equador, Rafael Correa. Ele afirma que os guerrilheiros foram assassinados em território equatoriano enquanto dormiam. E que teriam sido utilizadas armas “de última geração na ação, provavelmente de potências estrangeiras”. Correa disse isso após inspeção do local pelo exército do seu país.
Nesta mesma entrevista também afirmou que vai até as últimas conseqüências para evitar “que o território do seu país seja ultrajado novamente”.
Posso deixar alguns colegas estupefatos, mas o que me toca não é a morte de Raúl Reyes. Ele era um guerrilheiro e sabia dos riscos que corria num conflito contra um estado armado pela maior potência bélica do planeta. Eu nunca morreria como Reyes, até porque sou contra a luta armada. Isso faz com que provavelmente venha a morrer de câncer ou num acidente de automóvel. Coisas assim, sem o menor brilho. Tenho certeza que Reyes achava muito mais digno morrer em combate. Aconteceu.
A questão que me chama atenção é outra. Ao matar Reyes, Uribe dá um sinal claro de radicalização. Exatamente num momento em que a guerrilha demonstrava estar disposta a entregar todos os civis seqüestrados. Uribe também sinaliza que não tem o menor interesse na colaboração de governos vizinhos, que estão dispostos a construir pontes de diálogo, como os de Chávez e Côrrea. E mais do que isso, aponta que se considerar necessário vai invadir o território de países fronteiriços.
Para mim está claro que a tática de Uribe é forçar a ampliação do conflito. Ele aposta que isso vai lhe render não só mais apoio externo, principalmente dos EUA, como interno, da mídia e da elite, para mudar a Constituição e disputar o terceiro mandato.
Só um idiota não percebe isso. Uribe vai tentar criar um clima de urgência no país para que sua nova candidatura soe como uma necessidade democrática.
O leitor deste blogue sabe que sou contra um terceiro mandato para Lula. Como também fui contra a possibilidade de reeleição ilimitada para Chávez. Mas se os mesmos que gritam contra isso no Brasil e na Venezuela passarem a defender tal instrumento para Uribe, vou tornar esse blogue um militante da reeleição para Lula. Ao inferno.
Não considero isso bom, ao contrário, acho que pode instalar uma crise sem precedentes na América Latina. Uma crise que leve ao descrédito completo as instituições democráticas. E, arrisco até a dizer, pode levar a uma guerra continental. Quem me garante que se um John McCain vier a ganhar as eleições nos EUA ele não “convenceria” Uribe a forçar uma disputa que levasse seu país a um conflito com Equador e Venezuela, por exemplo. Você acha isso uma loucura? Eu não.
Os EUA não entrariam numa guerra contra Chávez, mas poderiam apoiar Uribe nesse intento. Principalmente para garantir áreas petrolíferas e regiões com grandes reservas de água.


FALAM AMIGOS E AMIGAS

Conceição Oliveira encaminha esta matéria, com um link para quem desejar assinar a petição.

[http://www.petitiononline.com/pesqcel/petition.html]
CONCEIÇÃO LEMES E A DECISÃO DO STF: PESQUISA COM CÉLULAS EMBRIONÁRIAS NÃO É INCENTIVO AO ABORTO (originalmente publicado em www.viomundo.com.br)
por Conceição Lemes

Em março de 2005, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.105, que autoriza o uso de células-tronco embrionárias em pesquisa e tratamento de doenças hoje incuráveis. O placar foi estrondoso: 96% dos senadores e 85% dos deputados federais deram-lhe a vitória. O presidente Luís Inácio Lula da Silva rapidamente a sancionou. Só que ela foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), porque o então procurador geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que é inconstitucional. A motivação é religiosa. Fonteles é católico.

Finalmente, na próxima semana, dia 5 de março, a ação irá a julgamento. Contra a lei, a Igreja Católica, representada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A favor, grande parte da sociedade brasileira, associações de portadores de várias doenças e familiares e 16 mil cientistas. São membros de 50 sociedades científicas, entre as quais a Academia Brasileira de Ciências, a Federação de Sociedades de Biologia Experimental e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

De um lado, o obscurantismo, que prefere preservar embriões congelados que sobram nas clínicas de fertilização assistida. Do outro, o direito à liberdade de pesquisa, ao progresso de tratamentos e à esperança de cura ou melhor qualidade de vida para milhares de brasileiros com mal de Parkinson, diabetes, doenças neuromusculares, câncer e secção da medula espinhal por acidentes e armas de fogo. Entre eles, os músicos e compositores Herbert Vianna (Paralamas do Sucesso) e Marcelo Yuka (ex-RAPPA, hoje F.U.R.TO -- Frente Urbana de Trabalhos Organizados) e o adolescente João.

Herbert, 47 anos, ficou paraplégico após acidente com ultraleve. Marcelo, 41, durante tentativa de assalto, quando levou nove tiros que o deixaram paralisado da cintura para baixo. João tem distrofia muscular de Duchenne. A doença é genética, letal e afeta apenas meninos, degenerando todos os músculos do corpo. No Brasil, existem cerca de 28 mil casos. Aos 3, 4 anos de idade, começam a ter quedas freqüentes e dificuldades para subir escadas, correr; aos 12, muitos param de andar; ao redor dos 17, a maioria morre por insuficiência respiratória ou cardíaca. João já tem 15.

E você, o que acha?

Quem você acha que tem mais direito de viver: o João ou os embriões excedentes nas clínicas de fertilização, que permanecerão eternamente nesses tubinhos ou irão para o lixo? É a escolha que os 11 ministros do STF terão que fazer na próxima semana. Ou decidem pela vida dos Herberts, Marcelos e Joões de todas as idades, que não têm tempo para esperar. Ou pela vida dos embriões, que nunca serão gentes de carne e osso.
Mentiras sobre o uso das células-tronco embrionárias estão sendo disseminadas a torto e a direito. É fundamental, portanto, colocar a questão em pratos limpos. É, de novo, pela vida de milhares de Herberts, Marcelos, Joões...

Células-tronco embrionárias: a rejeição delas é mentira

As células-tronco embrionárias são encontradas em embriões humanos de até 14 dias. São as únicas capazes de formar os 216 tipos de tecidos do corpo humano – inclusive neurônios, as células nervosas -- e de produzir cópias idênticas de si mesmas.
Por isso, as pesquisas com as células embrionárias (é o seu outro nome) sugerem que elas realmente representam uma possibilidade de tratamento para inúmeras condições que desafiam a medicina. Por exemplo: 1) doenças neuromusculares, algumas letais, como a distrofia muscular de Duchenne do João e as escleroses múltipla e lateral amiotrófica; 2) doenças que afetam o sistema nervoso central (cérebro), como o mal de Parkinson; 3) pessoas com lesão da medula espinhal por acidentes, como Herbert Vianna, ou armas de fogo, como Marcelo Yuka, que provocam paraplegia e às vezes tetraplegia (paralisação do pescoço para baixo).
Os cientistas não sabem ainda quando isso será realidade, mas têm certeza: as células-tronco embrionárias são a esperança para curar ou melhorar a qualidade de vida de portadores dessas doenças.
Conseqüentemente, a liberação das suas pesquisas é questão de vida. É mentirosa a informação de que seriam rejeitadas pelo corpo humano. Por uma razão: até hoje, elas – atenção! -- nunca foram injetadas em seres humanos.

Embriões excedentes em clínicas de fertilização, o alvo

A reprodução assistida permite que casais, que não conseguem engravidar por meio da relação sexual, tenham filhos. É a fertilização in vitro, uma opção quando a natureza falha. O "encontro" dos óvulos e espermatozóides se dá em laboratório, fora do organismo materno. Caso haja fecundação, formam-se embriões. Aí, dois ou três são implantados no útero e os restantes congelados. No instante em que isso ocorre, os embriões não são visíveis a olho nu -- são menores que um ponto na letra i. Não têm bracinho, mãozinha, carinha, perninha, corpinho, ao contrário do fazem crer alguns opositores do uso das células-tronco embrionárias.
Outra mentira difundida: os cientistas acabariam utilizando todos os embriões disponíveis em clínicas de reprodução assistida. Primeiro, os cientistas que apóiam as pesquisas defendem as restrições previstas na Lei 11.105. Segundo, a própria lei é rigorosa. Ela estabelece que apenas poderão ser usados em pesquisas e tratamento:
* Os embriões que sobram nas clínicas de fertilização assistida. São embriões inviáveis para a reprodução, pois têm, por exemplo, doenças genéticas.
* Ou os congelados há mais de três anos. É que, com o passar dos anos, os embriões deterioram-se, perdendo o "prazo de validade". Após três anos a probabilidade de gerar um ser humano é quase zero.
Importante: em qualquer dessas circunstâncias, os embriões só serão usados em pesquisas com consentimento prévio dos genitores. Portanto, casais contrários a tal uso terão o desejo respeitado, independentemente do motivo.

Falso problema ético, desinformação ou hipocrisia

A lei 11.105 é taxativa. É proibida a produção de embriões produzidos especificamente para a pesquisa. Somente podem ser utilizados os congelados há mais de três anos e os inviáveis.
Ou seja, são embriões que nunca serão implantados em um útero humano. Logo, não tem sentido discutir neste caso a questão do início da vida, como defendem os opositores das pesquisas com células embrionárias. É um falso problema ético. Insistir sugere desinformação ou hipocrisia.
Tem mais. Se esses embriões não forem utilizados em pesquisas serão descartados. Em português: a revogação da lei não mudaria em nada o destino inglório deles – o lixo; em compensação, prejudicaria o futuro de milhares de crianças, adolescentes, adultos e idosos, que precisam urgentemente que as pesquisas com células embrionárias avancem no Brasil.

"Ah, mas tem gente defendendo a adoção dos embriões. Não é uma saída?"

Não. A proposta é absurda. Se nos orfanatos brasileiros sobram milhares de crianças à espera de adoção, como é possível alguém pensar em adotar um tubinho? Tudo bem, embrião congelado não dá trabalho. Você não tem que dar mamadeira, educar, dar banho, levar à escola, às festas dos amiguinhos. É só pagar a clínica de reprodução assistida para guardá-lo. Mas será a opção a mais digna e humana? Por que não utilizá-los de forma ética e responsável em benefício do futuro e da evolução da humanidade, salvando vidas? Detalhe: a maioria dos casais que tem embriões congelados se recusa a doá-los para implantação em outro útero.

Pesquisa com embriões congelados não é aborto!

Opositores da Lei 11.105 também apregoam que as pesquisas com células embrionárias seriam aborto. É mentira. Pesquisar embriões congelados não significa interrupção de gravidez em andamento nem nada parecido. Afinal, se eles não forem inseridos no útero, nunca haverá gestação. Logo, não há aborto.
A questão do aborto, porém, é igualmente importante. É problema de saúde pública no Brasil. O seu debate tem que ser feito separadamente do das células embrionárias, pois envolve outras questões éticas, jurídicas e de saúde.
Células reprogramadas podem provocar tumores
Os opositores das pesquisas com células-tronco embrionárias alardeiam que existem mais de 65 doenças sendo tratadas com células-tronco adultas. Infelizmente, é outra mentira. Basta consultar as mais respeitadas publicações científicas do mundo para descobri-la.
Aliás, se as células-tronco adultas permitissem resultados tão espetaculares, por que os pesquisadores que trabalham com elas insistiriam na necessidade de continuar as investigações com as células embrionárias?
"Mas e o anúncio de que as células de pele podem ser programadas para se comportarem como embrionárias... Elas não seriam o recurso para se dispensar o uso de embriões em pesquisas?"
Realmente, trabalhos recentes sugerem que células-tronco adultas, como as da pele, podem ser programadas para se comportarem como embrionárias. Mas os próprios cientistas responsáveis por esses estudos e a maioria daqueles que trabalham com células-tronco adultas são categóricos: a pesquisa com células embrionárias é fundamental. São elas que ensinarão os cientistas a programar as células adultas, de modo a que se transformem nos tecidos desejados.
Além disso, as células reprogramadas estão associadas a:
* maior risco de geração de tumores;
* introdução de um vírus no organismo, cujos efeitos são imprevisíveis;
* ativação de mutações que se acumulam nas células-tronco adultas (mas estão silenciadas) e que podem ser muito patogênicas em tecidos derivados de células-tronco embrionárias reprogramadas.
O motivo desses riscos é o fato de a reprogramação das células adultas ir na contramão da natureza. É como se o pano de uma calça pronta fosse usado para fazer uma saia. Explicamos. Imagine um tecido novinho, que nunca foi utilizado para nada. Você pode fazer dele o que desejar: calça, camisa, saia, vestido, blusa. Ele equivale à célula-tronco embrionária.
Agora, experimente pegar a calça pronta e transformá-la em saia. A roupa pode ficar com um furinho ou outra imperfeição que já existia na calça, mas você não via. É possível, inclusive, que ela fique tão comprometida que você não poderá usá-la. A roupa pronta equivale à célula-tronco adulta. É impossível prever no que resultará ao ser transformada em embrionária.
Academias de ciências dos Estados Unidos e da Itália apóiam

Conclusão: tanto as pesquisas com células embrionárias quanto as com células-tronco adultas têm que ser feitas simultaneamente e comparadas.
É a opinião majoritária dos cientistas, aqui e no exterior. Isso inclui as academias de ciências ao redor do mundo, entre as quais a dos Estados Unidos e a da Itália, onde fica o Vaticano, a sede mundial da Igreja Católica.
Afinal, o que os cientistas querem é curar os pacientes. Dois anos de pesquisas com células-tronco adultas, realizadas após a aprovação da Lei 11.105, só confirmam essa necessidade.

A luta pela vida está acima de todos os credos religiosos

É preciso que fique bem claro: respeitamos todos os credos religiosos; defendemos a liberdade e a tolerância religiosa. Consideramos, porém, que a liberdade de pesquisa não pode ser restringida por questões religiosas num Estado laico, como é do Brasil. Não se pode misturar ciência com religião. A junção é obscurantismo.
Não à toa 41 mil brasileiras e brasileiros – de diferentes níveis socioeconômicos, profissões, etnias, crenças religiosas, inclusive católicos – assinaram a petição Pró-células-tronco embrionárias, destinada ao Supremo Tribunal Federal. A petição representa a voz sociedade civil. O Viomundo ajudou a divulgá-la desde o início. Luiz Carlos Azenha foi um dos primeiros a assinar. "A causa é justa", justifica.
Faça o mesmo. Quem quiser apoiá-la, ainda dá tempo. Hoje são os Herberts, os Marcelos e os Joões que precisam que as pesquisas com células-tronco embrionárias prossigam. Amanhã talvez seja um de nós ou alguém muito querido.
Portanto, as Ministras e os Ministros do STF terão, no dia 5 de março, a chance de tomar uma decisão histórica: aprovar – já! -- a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, e ajudar os cientistas a mudar a vida de milhares de brasileiros que hoje padecem e outros tantos que adoecerão nos próximos dias, meses e anos. A questão não é só de humanidade. É também de soberania científica do País. A não-aprovação das pesquisas com células tronco embrionárias excluirá irreversivelmente o Brasil desses avanços da ciência e da medicina.
Senhoras Ministras e senhores Ministros, por favor, não joguem a esperança no lixo! É por todos nós e pelas futuras gerações.
A cientista Mayana Zatz, professora de Genética da USP, assina embaixo. Ela é a porta-voz da Academia Brasileira de Ciências no tema células embrionárias e há 30 anos trabalha com doenças neuromusculares letais ou altamente incapacitantes. Já viu milhares de crianças, jovens e adultos afetados morrerem sem qualquer chance de cura. Daí o seu desejo: "Que a esperança vença o obscurantismo".
Solidariamente é também o anseio desta repórter e o do Azenha. Ah, quer assinar a petição e passá-la adiante? É só clicar abaixo:
http://www.petitiononline.com/pesqcel/petition.html

BRASIL

1. Novo olhar sobre a sociedade brasileira
Economista propõe método para analisar a estrutura social e a configuração espacial do país
http://cienciahoje.uol.com.br/112772


2. Brasileiro é tolerante à tortura 29/02/2008
Para pesquisadores, tortura continua ocorrendo no país sobretudo contra afrodescendentes e pobres
Comissão de Constituição e Justiça aprova PEC do senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS);
No Rio Grande do Sul, uma das maiores beneficiadas será a transnacional de celulose Stora Enso.

4. Para tornar realidade as metas do milênio
Por Anselmo Massad
Marie-Pierre Poirier, representante da Unicef no Brasil, defende mais atenção às desigualdades regionais e étnico-raciais em indicadores como mortalidade infantil e acesso à educação. O caminho é a mobilização social.leia

5. Do Correio Caros Amigos
Tailândia, Pará, Brasil, entre muitas aspas, ou “A Amazônia não é um Santuário”
por Waldenir Bernini Lchtenthaler, do Pará
As notícias informam pouco. Dizem as manchetes que Tailândia “virou campo de guerra”. Virou não, sempre foi!
Tailândia é um município do Estado do Pará, localizado à 260 Km de Belém. Tem 44 820 habitantes (2003) e 4476 km2. Originou-se a partir da construção da Rodovia PA-150, na segunda metade da década de 1970. Violentos conflitos agrários acompanharam a ocupação desordenada da região, demandando a intervenção do regime militar, através do Instituto de Terras do Pará, o ITERPA, que inciou uma operação de “pacificação” em 1978. Dentre os técnicos daquele Instituto estava o oficial da Polícia Militar, Tenente Pinheiro, líder do processo de “pacificação” da localidade, elevada à categoria de município pela Lei Estadual nº 5. 452, de 10 de maio de 1988. Instalado oficialmente em 1 de janeiro de 1989, o nome do novo município foi sugerido pelo tenente Pinheiro ainda durante sua campanha militar, nos anos 70. O militar comparou a luta pela terra com a situação de guerra da Tailândia, longínquo país asiático, conflagrada ao longo do ano de 1977. A aprovação foi unânime.
Conheci Tailândia. É um lugar espetacularmente deprimente. Embora fique em meio à Amazônia, ou melhor, justamente por isso, o ar de Tailândia é irrespirável. Incontáveis carvoarias queimam a “biomassa” amazônica produzindo com mão-de-obra precarizada - eufemismo para escrava - o carvão vegetal ilegal que fornecem para a cadeia produtiva do minério de ferro, piloteada pela grandiosa Vale, aliás, a nossa antiga CVRD. Mais precisamente, este carvão vai para as “guseiras” de Marabá/PA e Açailândia/MA. As guseiras não têm licença ambiental. Nem a Vale, em Carajás, nem a Usina de Tucuruí têm. Elas não precisam. Na época em que se instalaram a lei não exigia. Pelo mesmo princípio uma fazenda que utiliza trabalho escravo desde 1880 pode continuar usando, porque na época em que a atividade se iniciou a lei permitia. Mas é assim...
Paralelo, mas não justaposto, já que perfeitamente integrado ao “setor” carvoeiro está o “setor” madeireiro – “a base da economia” de Tailândia.
Mas, em que se sustenta, por sua vez, a atividade em que se baseia a economia local? Em dois pilares: 1) Na “extração ilegal” - eufemismo para roubo – de madeira de terras públicas ou das reservas legais de áreas privadas. 2) No aliciamento dos miseráveis e desvalidos sem-terra; sem-futuro; sem-esperança; sem-orientação; sem-cidadania. Estes são assediados pelos madeireiros que lhes oferecem algum dinheiro pelas madeiras existentes, quer nos assentamentos em que os joga o INCRA, quer em terras que são instados a invadir, em troca da promessa de que herdarão a área depois de “aberta”. Muitas vezes esses posseiros ou assentados acabam assassinados pelos “parceiros”, uma vez tendo cumprido sua “missão” dentro desso processo “civilizatório” liderado pelos “empresários” do “setor” madeireiro. A “sorte” dos trabalhadores envolvidos nas etapas seguintes à extração, ou seja, o corte e processamento da madeira ou sua queima, não é muito melhor. Perderão sua fonte “honesta” e “digna” de subsistência, mais cedo ou mais tarde, já que a atividade madeireira é predatória de si própria, destruindo rapidamente a fonte de recursos de que depende: a floresta.
Bom, agora você deve estar se perguntando: mas e o Ibama? E a Polícia Federal? E o Ministério Público? Esqueça: aqui ninguém é preso por roubar madeira, ninguém é preso por vender madeira roubada; ou por desmatar.
Quem paga as multas que o Ibama aplica? Ninguém. O que acontece com a madeira apreendida? Fica no pátio do madeireiro - “fiel depositário” - até que ele consiga esquentá-la e vendê-la. Neste exato momento em que você lê estas linhas milhares de metros cúbicos de madeira roubada de terras públicas continuam descendo os afluentes do Tapajós, do Amazonas e de outros rios em balsas lotadas. A PM escolta as balsas porque às vezes acontece de os moradores de Reservas Extrativistas, tentarem, coitados, deter as balsas e apreender a madeira. Mas o custo do transporte é muito alto e os órgãos públicos, as “autoridades” não têm recursos materiais e humanos para agir, caso desejem ou venham a desejar agir. A Polícia Federal de Marabá não tem sequer um helicóptero, idem para Ibama e o mesmo para os outros municípios. Faltam efetivos para que essas tentativas de impor a lei possam ser efetivas.
Já sei, você deve estar se perguntando: o que faz o “empresário” quando a madeira acaba na região? “Vamos subindo!”, respondeu-me um deles. A noção de que a Amazônia é uma fronteira leva a esse raciocínio: para continuar a expansão econômica, basta avançar a fronteira! É por isso que temos um “Programa de Aceleração do Crescimento” e não de aceleração do “ desenvolvimento”. Para desenvolver não precisa expandir a fronteira, mas para crescer sim. Tailândia é uma imagem do presente, mas revela muito do passado e outro tanto do futuro do Pará e da Amazônia e, quem sabe, do Brasil?
As manifestações de Tailândia são respostas espetaculosas contra uma ação espetaculosa dos órgãos do Estado, para que fosse restabelecida a autoridade que realmente impera no interior Pará – a lei dos fora-da-lei. Não nos iludamos, o poder político do agrobanditismo é mais forte do que o dos amigos da floresta. Logo virão senadores da República, deputados, ministros e secretários e outros “representantes do povo” para defender os interesses desses “empresários” e os milhares de “empregos” ameaçados. Tenho medo que o presidente da República em pessoa, cercado pelos seus novos amigos, volte a discursar: “a Amazônia não é um Santuário” Na boca dele, o que isso quer dizer? Tailândia que o diga: anda mais para inferno!
“Quem nos salvará dos nossos salvadores?”
Waldenir (Nino) Bernini Lichtenthaler é antropólogo.

NUESTRA AMERICA

1. José Luís Fiori (da Agência Carta maior - clique no titulo)
O Parlamento boliviano também aprovou, na noite de quinta-feira (28), uma consulta popular a respeito do artigo que trata do latifúndio
Reportagem de Igor Ojeda, correspondente do Brasil de Fato em La Paz, Bolívia (www.brasildefato.com.br - clique no titulo)

3. Paraguai
O ex-bispo Fernando Lugo pode ser eleito em abril e romper domínio de seis décadas do conservador Partido Colorado; apoiada pela esquerda, mas também por setores da direita, a plataforma de Lugo está assentada na conciliação política e no desenvolvimento nacional Reportagem de Daniel Cassol, especial para o Brasil de Fato direto de Assunção, Paraguai >> "Não será um governo revolucionário", dizem partidários de Lugo
(www.brasildefato.com.br - clique no titulo)
Roberta Traspadini
O poder popular necessita de uma contraposição concreta - uma projeção para além de reivindicações populares, uma participação para além do voto.
(www.brasildefato.com.br - clique no titulo)
A ONU não só violou o direito internacional ao construir o cenário para um governo do Kosovo "independente", como também colocou no poder membros de um sindicato do crime. Artigo de Michel Chossudovsky (www.brasildefato.com.br)

ARTE&CULTURA

As Tradições Intelectuais e a Permanência das Obras de Pensamento
(Sobre a noção de Clássico I)

Marcos Antônio Lopes*


Aos leitores do Boletim Mineiro de História gostaria de esclarecer que este é o segundo de uma série de artigos que pretendo publicar mensalmente neste espaço privilegiado de reflexão e debate. Os textos preparados para divulgação no Boletim obedecem a critérios fixados por seu editor, o que deve significar que a nossa escolha será sempre por textos que apresentem temas de interesse do mais amplo espectro de leitores. Neste artigo, por exemplo, abordo um desses temas que, ao menos em tese, possui certo grau de universalidade: a noção de clássico da cultura intelectual. Como o volume de textos ultrapassava o limite razoável para ser lido na tela do computador, optei por dividi-lo em duas partes.
Em A Arte de Escrever — coletânea de cinco artigos extraídos da obra Parerga e Paralipomena — o filósofo alemão Arthur Schopenhauer considerou que no decorrer dos séculos, em meio a interesses que variam freqüentemente, obtém-se finalmente a cotação de uma obra de pensamento. E esse processo de avaliação só se completa depois que o livro é apreciado, ora num sentido, ora em outro, mas sem nunca se esgotar por completo.(1) Sem dúvida, existem muitas questões teóricas relevantes a cercar o conjunto das obras que compõem esses acervos. Uma delas deriva da própria noção de clássico. Sobre esse tema o filósofo teuto-americano Leo Strauss disse que, algumas vezes, o clássico foi caracterizado por sua nobre simplicidade e por sua serena grandeza. Strauss foi muito feliz em realçar grandeza e simplicidade como virtudes cardeais de um texto clássico. Ao que parece, a soma, a junção ou a mistura dessas duas qualidades resultaria em equilíbrio e força. Como veremos, definições acerca das virtudes caracterizadoras de uma obra canônica, seja em história, literatura ou política, possuem regras bastante flexíveis, o que leva à existência de inúmeras concepções, algumas divergentes, outras complementares. Segundo a análise de um teórico da literatura, “Em grego, o cânone era uma regra, um modelo, uma norma representada por uma obra a ser imitada. Na Igreja, o cânone foi a lista, mais ou menos longa, dos livros reconhecidos como inspirados e dignos de autoridade”.(2)

Mas, além de saber o que é um clássico, e quais são as normas e os valores para se estabelecer a dignidade de uma obra canônica, parece ser também relevante indagar por quais vias ela ganhou este status, e como e por que ela o preservou. Apesar da aparente simplicidade desse inventário de problemas, não é fácil oferecer respostas a questões dessa natureza. Com efeito, desde os gregos antigos, num longuíssimo giro de aproximadamente dois mil e quinhentos anos de história, inúmeros foram os escritores que se ocuparam dos mais diversificados temas que constituem o campo de estudos das humanidades. Alguns autores resistem como clássicos até os nossos dias. Eles se tornaram autores-referência — ou melhor, os “autores que contam” — porque os seus textos formularam problemas filosóficos que ainda hoje são pertinentes à análise de temas e problemas que dizem respeito ou afetam diretamente as sociedades no tempo presente. Acerca dessa categoria superior dos “autores que contam”, e para falar apenas do campo da Política, Claude Lefort nos dá uma exemplificação das virtudes distintivas de um clássico: “Lembremo-nos do destino reservado a Maquiavel ou a Rousseau... O escritor não é, pois, e nem pode ser, senhor dos efeitos de sua fala. Porém, basta que a fala seja rigorosa, para que, à longínqua distância, leitores sejam capazes de o entender e o instalam nos horizontes de seu tempo. Sua escrita, que leva a marca de uma resolução a não se deixar tragar pelo oceano das opiniões, tampouco se deixa cegar pelo impacto dos acontecimentos, põe seus leitores em movimento, mesmo quando ignoram o detalhe das controvérsias que lhe importavam particularmente. Sua escrita está, portanto, demasiado em concerto, não tanto porque obedeça ao imperativo da coerência, mas sim porque se empenha em contornar os lugares em que cada um se fixou para abrigar certezas”.(3)

Por esse ângulo de visão, uma interpretação histórica ou uma filosofia política passam a integrar o rol das “obras que contam”, das “obras fora do tempo”, se o mundo marchar na direção de seus princípios. Essa trans-historicidade da obra de pensamento, que se descola do tempo histórico em que foi gerada, para ecoar num futuro distante, é o que sela o destino de um texto, transferindo-lhe a distinção do que comumente se denomina clássico. A atualidade da obra — no sentido da pertinência de seus princípios afirmados e/ou negados na atualidade —, é um dos critérios para a definição de um clássico. Se não é por isso, como explicar que alguns escritores permaneçam “vivos”, ao passo que a maioria amarga um esquecimento que, de um ponto de vista estritamente intelectual, parece ser até imerecido? Assim sendo, para se definir um clássico, não interessa tanto identificar os problemas circunstanciais que moveram o autor a escrever o que escreveu em seu próprio momento de intervenção; importa é saber o que continuou a gerar novas controvérsias e a criar, de forma recorrente, novas interpretações acerca daquela interpretação específica, quando nem mesmo os fatos que a geraram num dado momento da história importam mais. Segundo o crítico literário Harold Bloom em seu Como e por que ler, a obra de Shakespeare atinge o humano com tal intensidade e, por isso mesmo, é tal a universalidade de suas reflexões, que as suas peças serão encenadas até mesmo no espaço sideral, e em outros mundos, desde que lá haja humanidade. No dizer de Italo Calvino, “É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”.(4) O poder de repercussão ao longo do tempo, se assim se pode dizer, é uma das singularidades de um clássico.

A ressonância do texto clássico no tempo, em sociedades separadas por alguns poucos — mas expressivos milênios de história —, é um elemento que, per saecula saeculorum (ou quase), define a estatura daquilo que será reconhecido como um texto canônico. É claro que a própria concepção de clássico se altera com o tempo, basicamente porque os elementos que constituem esta concepção são numerosos e complexos, e estas variações sobre o mesmo tema ocorrem praticamente no mesmo ritmo das transformações das sociedades, que passam a gerar novas exigências para a definição do que é clássico. Isso para reafirmar o lugar-comum de que cada geração constrói a sua própria interpretação acerca dos clássicos, e o que deixou de ser clássico numa época, pode voltar a sê-lo em outra, e que o contrário disso também pode acontecer.

Como sugeriu Stendhal, os textos podem ser descobertos e redescobertos. O escritor francês comparava os livros a bilhetes de loteria. De início, tais bilhetes não possuem nenhum valor. A posteridade, ao esquecer uns e reimprimir outros, vai declarar quais os bilhetes premiados. A violência, a irracionalidade e o individualismo predominantes em nosso tempo acentuam a dignidade de clássico desfrutada por Thomas Hobbes, por exemplo. A necessidade de expansão da democracia brasileira para outras dimensões da realidade que não meramente o discurso político legitima a posição de destaque ocupada por Tocqueville entre os imortais da Teoria Política. Assim sendo, o grau de dignidade ou estatura do clássico relaciona-se com o que poderíamos definir, grosso modo, como o “estado de ânimo” ou “predisposição” das sociedades políticas através do tempo. Esses estados de espírito, por assim dizer, ajudariam a definir qual é o autor da vez, ou melhor, qual é a leitura necessária, pertinente, eficaz, que tenderia a produzir os frutos esperados por uma dada sociedade. Determinadas conjunturas históricas levam a novas leituras e, às vezes, a verdadeiras descobertas e redescobertas de um texto clássico, seja da política, da literatura ou da história. No século XIX, o historiador francês Jules Michelet descobriu a genialidade escondida nas interpretações de Vico sobre o passado histórico. Era o tempo das utopias românticas. Ao que parece, a obra de Vico revigorou a visada teórica dos escritores românticos, tão necessitados de um “reforço” mitológico para as suas doutrinas de valorização da cultura e enaltecimento do passado nacional.

Os regimes totalitários da primeira metade do século passado fizeram pensar muito na filosofia política de Hobbes. As objeções que se opunham à filosofia política de Hobbes se enfraqueceram ante a crise das democracias liberais e o aparecimento dos Estados totalitários, que Strauss denominou como as tiranias do século XX. Outro motivo para a reabilitação do filósofo inglês pode ser encontrado no processo de secularização, com o advento da modernidade.5 A celebração do bi-centenário da Revolução Francesa gerou um clima intelectual muito propício ao re-processamento da obra de Tocqueville, redescoberto como um clássico aggiornato da historiografia da Revolução.

Se admitirmos que uma obra de criação intelectual — seja ela de ficção literária, de análise histórica ou de filosofia política — realmente possua uma dimensão prescritiva e, até certo ponto, um não sei quê de profético — pois aposta em alternativas para o futuro —, o clássico poderá ser também definido como aquele texto que mais acertou em suas previsões. E isso tanto nos termos das realizações efetivas quanto no plano das expectativas. E quanto mais certeira for a especulação filosófica, ou seja, quanto mais a sua mira estiver ajustada aos problemas da atualidade, mais próxima estará da exigência primária para ser definida como clássico. Dito de outra forma, é clássico o texto que a realidade histórica reconheceu e confirmou como parente próximo do tempo presente. O clássico torna-se obra fora do tempo — em que pese o aparente paradoxo —, por sua capacidade de inserir-se em diferentes tempos históricos. E o elemento “caixa de ressonância” que um texto venha a possuir, em maior ou menor grau, selará o seu destino nessa categoria. Esse elemento de base é acentuado pelo cientista político Francisco Weffort: “Dizer que um pensador é um clássico significa dizer que suas idéias permanecem. Significa dizer que suas idéias sobreviveram ao seu próprio tempo e, embora ressonâncias de um passado distante, são recebidas por nós como parte constitutiva da nossa atualidade”.(6)

Refletindo sobre os clássicos da literatura universal, reflexão que se aplica plenamente à definição dos clássicos da História ou da Política, Italo Calvino cunhou uma fórmula curiosa — dentre várias outras possibilidades que o autor desenvolveu — ao atinar que “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.(7) Correto, até porque ele continua a dizer aquilo que é continuamente redescoberto pelas leituras das sucessivas gerações. Se não se verificam descobertas e redescobertas, se o livro não mais provoca re-interpretações, o então clássico estagnou e perdeu o seu diferencial.

Acerca das teorias interpretativas dos textos antigos, é certo que nem sempre a dimensão contextualista na análise de uma obra de pensamento é a mais relevante. E isso porque podemos estar mais interessados na eficácia dos argumentos de uma obra e em sua contínua importância em momentos diferentes daquele que foi o de sua própria elaboração. Isso porque, o centro de interesse do leitor pode não estar em se isso ou aquilo é, com precisão, o que quis dizer Heródoto, Tucídides, Maquiavel, Hobbes ou qualquer um dos grandes autores da história do pensamento ocidental. Desse modo, é preciso avançar no estudo do enraízamento social das idéias, tentando reconstituir os diferentes contextos de recepção que elas tiveram e, mais ainda, o processo de sua deformação, ou melhor, de apropriação, pelo tipo de emprego que delas se fez em seu próprio tempo e no decorrer da história. Em outros termos, este argumento é defendido por Célia Galvão Quirino e Maria Tereza Sadeck de Souza ao propor que “... basta-nos por ora salientar que a discussão dos clássicos não se esgota num mero gosto pela erudição. Ao contrário, a reflexão sobre as temáticas clássicas é um desafio para a compreensão do passado e sugere caminhos para a interpretação do presente”.(8)

Sem dúvida. E isso porque aqueles autores que chamamos clássicos não foram simplesmente homens comuns de seu tempo. Eles foram figuras que enxergaram a realidade social com um grau de complexidade mais elevado que os mortais comuns, sem querer dizer com isso que estiveram além de seu tempo, haja vista que só chegaram onde chegaram porque as condições de sua época proporcionaram tal liderança intelectual. Ademais, amplificaram idéias continuamente retomadas no curso de posteridades sucessivas, porque encontraram as condições para isto em seu próprio mundo, na forma das tradições intelectuais. Acerca dessa relação das gerações sucessivas no campo do conhecimento, é sempre pertinente a metáfora de Bernardo de Chartres, que se tornou célebre ao ser invocada por Newton, quando se referiu às suas próprias conquistas científicas: fez o que fez no terreno da Física porque pôde se apoiar em ombros de gigantes. Os gigantes em questão eram Copérnico, Kepler e Galileu, em relação aos quais Newton — “o maior homem que já existiu”, como Voltaire se referiu a ele e que representa, a seu modo, a concepção do século XVIII acerca de um clássico da ciência — reconheceu os seus débitos intelectuais.

Além dos clássicos, há também alguns textos que se tornaram muito influentes em sua época, mas que — pelo ângulo da posteridade — se revelaram obras “datadas”, autênticos “fósseis filosóficos”, cujas discussões fizeram sentido apenas em seu lugar de elaboração. Os fósseis filosóficos podem ser os clássicos que decaíram, ou os “decaídos” que nunca chegaram a ser clássicos e que, provavelmente, nunca chegarão. Esse parece ser o caso, por exemplo, das reflexões políticas formuladas ao longo da Idade Média, em cujo foco de análise predominam as relações entre o poder secular do imperador e das monarquias feudais frente às pretensões da hegemonia política do poder espiritual, a Igreja.

De todo modo, é importante reter a noção de que as obras de reflexão sobre processos históricos e/ou políticos apresentam comumente dois níveis centrais de intenção: elas são a uma só vez uma tentativa de responder aos problemas que afetam o mundo histórico do autor, ao mesmo tempo em que podem ser também uma tentativa que este empreende de estabelecer diálogo com os escritores que o precederam; e também com aqueles seus contemporâneos, que focaram temas ou problemas semelhantes aos que tencionou oferecer solução. Segundo a análise de Cláudio Vouga, “... também os clássicos liam os clássicos, os seus clássicos; é só lembrar a famosa carta de Maquiavel para Francesco Vetori”.(9) Isso pode significar que, em alguma medida, Hobbes importa e ecoa perspectivas e temas de Aristóteles; que Locke responde a Robert Filmer e a Hobbes; que Rousseau dialoga com Locke; que Marx discute Hegel e outros autores do passado e de seu presente. Nesse sentido, a idéia de intertextualidade na interpretação das obras canônicas de política é um pressuposto teórico bastante útil, como também o é na análise histórica e literária, porque permite desvendar meandros que aprofundam a compreensão dos sentidos possíveis de uma obra.

Aristóteles analisou a política sob o prisma da realização da felicidade dos cidadãos. Maquiavel e Hobbes abordaram-na sob o ângulo da obediência dos súditos ao poder. A exemplo de Hobbes, Locke e Rousseau também a examinaram a partir da teoria do contratualismo, percebendo a ordem política como algo artificial, quer dizer, uma ordem criada pelos homens por meio de um pacto. Certamente, seus contextos históricos específicos determinaram os seus horizontes de preocupação. Então, é preciso estar atento ao fato mais que evidente de que as idéias — surjam elas de obras ficcionais ou de livros de história ou de filosofia —, nunca perambulam livremente pela tradição intelectual das culturas, tencionando dizer com isso que elas são plenamente solidárias às idéias religiosas, às idéias científicas e às idéias filosóficas de seu mundo histórico, conforme já afirmaram vários dos historiadores das obras de pensamento. Por trás de tal argumento, está a evidência de que o homem, na condição incontornável de zoon politikon — do contrário seria besta ou deus, como já dizia Aristóteles —, tem que ajustar a sua relação com o mundo em uma infinidade de formas. É desse modo que é necessário incluir no estudo dos textos de história e de filosofia, a moral, as atitudes religiosas, a economia, a ciência, a literatura, a arte, em suas interações recíprocas. Essas coordenadas teóricas evitam uma abordagem fria e dura das idéias dos mestres do passado.

*Marcos Antônio Lopes é professor do Depto. de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Pesquisador do CNPq. Co-autor de A peste das almas: histórias de fanatismo (Editora FGV, 2006) e organizador de Idéias de História: tradição e inovação de Maquiavel a Herder (Eduel, 2007). O presente artigo é versão modificada do artigo “O que é um clássico?”, publicado em Mediações: revista de ciências sociais, volume 9, 2004.


Bibliografia
1 Cf. Arthur Schopenhauer. A arte de escrever.
2 Antoine Compagnon. O demônio da teoria. p. 226s.
3 Claude Lefort. “Maquiavel e a veritá effetuale”. In: ——. Desafios da escrita política. p. 12.
4 Italo Calvino. Por que ler os clássicos. p. 15.
5 Cf. Leo Strauss. What is Political Philosophy?
6 Francisco Wefort. (Org.). Os clássicos da política. p. 08.
7 Italo Calvino. Por que ler os clássicos. p. 11.
8 Célia Galvão Quirino, & Maria Tereza Sadek de Souza. “Apresentação”. O pensamento político clássico. p. 03. 9 Cláudio Vouga. “A leitura dos clássicos”. In: Célia Galvão Quirino et alii. (Org.). Clássicos do pensamento político. p. 16.


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