Boletim Mineiro de História

Boletim atualizado todas as quartas-feiras, objetiva trazer temas para discussão, informar sobre concursos, publicações de livros e revistas. Aceita-se contribuições, desde que versem sobre temas históricos. É um espaço plural, aberto a todas as opiniões desde que não contenham discriminações, racismo ou incitamentos ilegais. Os artigos assinados são de responsabilidade única de seus autores e não refletem o pensamento do autor do Boletim.

26.3.08

Numero 132





EDITORIAL

Lembram-se do que eu falei no Boletim 101 ? Pois é...olha aí como andam as coisas!
Publicado nesta segunda, no site da revista Fórum:

Alguma coisa está fora da ordem
Por Pedro Venceslau [Sexta-Feira, 14 de Março de 2008 às 14:00hs]
Dizem que em Minas Gerais o último a fazer oposição morreu enforcado. Trata-se de um exagero, claro. Mas não há como negar que o estado é pródigo em construir consensos. Ao longo do último mês de fevereiro, a mídia mineira celebrou, por meio de artigos, reportagens e notinhas, o desfecho de uma negociação que só mesmo na terra de Tancredo Neves seria possível: um acordo entre o PT e o PSDB visando às disputas municipal deste ano e estadual de 2010. Depois de muita conversa, os aliados e amigos Aécio Neves (governador tucano) e Fernando Pimentel (prefeito petista de BH) chegaram, enfim, a um nome de consenso para colocar na prefeitura: Márcio Lacerda, secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico. Ele é homem de confiança de Aécio, mas não é tucano. Pode-se dizer que Lacerda é “tecnicamente” filiado ao PSB, embora não tenha relações históricas com o partido. No entanto, isso não importa. Não ser quadro do PSDB era um dos pré-requisitos impostos por Pimentel. Quando a dupla prefeito-governador anunciou que esse seria o nome, a mídia mineira ficou eufórica e os aliados de ambos os lados atônitos.
Os jornalões do estado foram rápidos na produção do perfil do futuro prefeito da cidade: não é um nome conhecido, mas está em um cargo com bastante visibilidade. Tem um passado de militância de esquerda – foi quadro da Aliança Libertadora Nacional (ALN), a mitológica organização de Carlos Marighella, onde militou ao lado de Pimentel. Entrou no curso de Administração de Empresas da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas só se graduou dez anos depois. Foi secretário-executivo de Ciro Gomes (PSB-CE) no Ministério da Integração Nacional, além de assessor do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Por fim, os veículos alertaram que ainda falta fazer alguns ajustes e apagar pequenos incêndios internos (Luiz Dulci e Patrus Ananias são contra). Mas isso é um detalhe. Colunistas e repórteres, em coro, acreditam que essa fatura está liquidada.
Talvez por pressa, talvez por amnésia, alguns detalhes sobre a biografia de Lacerda não foram mencionados. Bastava procurar no Google para saber que o nome indicado da inusitada aliança aparece nas primeiras 20 citações sob o chapéu “escândalo do mensalão”. Quando o publicitário Marcos Valério leu para os parlamentares, durante a CPI, duas listas de pagamentos feitas por suas empresas, foram “revelados” os nomes das pessoas que sacaram recursos das suas contas em 2003 e 2004. Entre eles está Márcio Lacerda, então secretário-executivo do ministro Ciro Gomes, que teria sacado R$ 457 mil. Na ocasião, Ciro saiu em defesa de seu secretário e disse que houve um equívoco. Mas não teve jeito. Lacerda teve que deixar o cargo. Em nota lacônica, a assessoria do ministro informou: “Para assegurar a normalidade da missão institucional do Ministério da Integração Nacional e compreendendo que estaria em marcha uma tentativa de envolver esta pasta e seu titular no ambiente de escândalo por que passa o país, o senhor Márcio Lacerda solicitou seu afastamento do cargo”. Pode ser que Márcio Lacerda tenha sido vítima de mais um linchamento da mídia. Mas também pode ser que não. A novela do “mensalão”, como sabemos, está em curso e ainda vai demorar para terminar. O que causa estranheza é que uma passagem relevante como essa não tenha sido sequer citada em nenhum jornal ou site local. “O sonho de Minas é voltar à presidência. E o setor empresarial do estado, incluindo aí a mídia mineira, acredita que só Aécio tem viabilidade para isso. Existe uma coesão nesse sentido, trabalhando nesse projeto”, avalia a deputada federal e pré-candidata a prefeita Jô Moraes, do PCdoB. Outro pré-candidato, o deputado estadual Sávio Souza Cruz, do PMDB, é mais duro na crítica ao acordo: “Tá tudo dominado. Minas, hoje, reproduz a Bahia de ACM. Aécio Neves domina a Assembléia, o Ministério Público e o Judiciário. Nesse cenário, o prefeito de Belo Horizonte é um mero cargo de confiança”.
Programático, pragmático e estratégico
Mas nem tudo em Minas é tão simples quanto parece. Apesar da hegemonia de Aécio no Palácio da Liberdade, a prefeitura de Belo Horizonte é um dos mais antigos e resistentes redutos do PT no país. Nos últimos quinze anos, os petistas vêm comandando a capital (mesmo no período de Célio de Castro, eleito pelo PSB, era o PT quem dava as cartas).
Patrus Ananias, em 1992, foi o primeiro. Depois foi a vez de Célio de Castro, em 1996, que, depois de reeleito, em 2000, saiu por motivos de saúde dando lugar ao vice, Fernando Pimentel, reeleito em 2004. A pergunta que não quer calar: se o PT é tão forte na capital, por que insistir em um acordo com os tucanos e abrir mão da cabeça da chapa? Ocorre que os projetos pessoais de poder de Aécio e Pimentel não só são compatíveis como se complementam. Além disso, representam à imagem e semelhança o sonho mineiro de voltar ao Planalto. Tudo seria mais fácil se o mundo político não tivesse dado tantas voltas nos últimos dois anos. O plano inicial da dupla era lançar, em 2008, Walfrido dos Mares Guia para prefeitura. Mas ele foi tragado pelo escândalo do “mensalão tucano” e hoje está recluso em sua fazenda no interior do estado.
Foi então que Aécio lançou o nome de Lacerda. Engana-se, porém, quem pensa que o caminho dessa aliança será um céu de brigadeiro. Um intenso movimento de reação à indicação de Lacerda – que sequer mora na capital, vive na vizinha Brumadinho – foi desencadeado por um grupo, mais precisamente pelo Fórum Permanente dos Pré-Candidatos do Campo do Governo Lula. A resistência ao nome de Lacerda é especialmente forte dentro do PT estadual, dirigido pelo deputado estadual Reginaldo Lopes. “Não há consenso no partido em torno do nome de Lacerda. É ruim lançar nomes antes de debater teses. Estamos trabalhando, a curto prazo, uma aliança nacional com o PMDB para enfrentar o PSDB e o DEM. Ainda assim, se o PSDB aceitar indicar o vice, é possível chegar a um acordo”, aponta Lopes. “O PT tem a obrigação de apresentar um nome, já que governa há 16 anos a cidade de Belo Horizonte. Além disso, Márcio Lacerda é um nome desconhecido do eleitorado. Não adianta fazer uma aliança superficial com um terceiro partido”, completa.
Já o deputado federal Virgílio Guimarães, considerado um dos principais articuladores junto ao prefeito Fernando Pimentel, minimiza o possível mal-estar no partido em relação à aliança. “Não vai ter racha. Esse não é o ponto de vista do PT, mas do presidente esta¬dual do partido, deputado Reginaldo Lopes. O PT é um partido democrático, que discute suas posições. O diretório municipal apóia essa aliança. E essa é uma decisão municipal”, ressalta. Questionado se não seria melhor lançar um nome do partido para o pleito em BH, Guimarães reafirma a preferência pelo acordo. “Prefiro a aliança. As pesquisas mostram que mais de 80% do eleitorado apóia. As bases e os movimentos sociais, portanto, não vão se rebelar. Pelo contrário: receberam muito bem a proposta”, assegura.
A disputa vai ser boa, como conta, em off, um importante dirigente estadual de um partido aliado do PT. “O Pimentel jamais entrou na sede do PT estadual. O diretório municipal do partido, por sua vez, é do prefeito. O PSB virou um condomínio do PSDB e do PT em Minas, assim como o PV”. Pendengas a parte, o fato é que o personalismo é um traço histórico da política mineira pós-ditadura. “Os dirigentes mantêm seus partidos em um tamanho conveniente para seus interesses, tentando evitar o surgimento de quadros fortes. Ao mesmo tempo, operam para garantir uma certa influência em outras siglas”, diz o peemedebista Sávio Souza Cruz.
Dulci seria “o cara”
Os movimentos do PT estadual de Minas têm um objetivo claro, porém não declarado: criar um ambiente de consenso para convencer o secretário-geral da presidência, Luiz Dulci, a deixar Brasília para concorrer – e vencer com folga – a prefeitura de Belo Horizonte. Para tanto, o deputado Reginaldo Lopes conta com um aliado de peso, o ministro Patrus Ananias. Ele é rival direto de Pimentel na disputa interna pela candidatura ao governo de Minas em 2010. Mas também é constantemente citado como possível candidato do PT à presidência. Luiz Dulci já deixou claro que topa deixar Brasília para disputar prévias.
Do Palácio do Planalto, o presidente Lula observa de longe os movimentos mineiros. Ele não quer entrar nesse debate porque sabe do desgaste que isso pode causar no partido. Por outro lado, o presidente tem interesse no fortalecimento de Aécio – que significa enfraquecimento de José Serra, o líder nas pesquisas. “Não seria estranho se Aécio fosse candidato, em 2010, em uma aliança apoiada pelo PT, que tem tido dificuldade para emplacar o nome Dilma Rousseff. Além disso, uma ala do PT e outra do PSDB apostam em um acordo para isolar Serra. O processo em BH pode ser, portanto, uma prévia para 2010”, pondera o cientista político Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas. Diferenças ideológicas, segundo ele, não serão obstáculo para essa aliança: “PT e PSDB são, cada vez mais, partidos pragmáticos e sem diferenças ideológicas. Se existe uma contradição, ela é meramente político-eleitoral, de ocupação de espaço, já que existe uma estratégia nacional dos tucanos de se colocar, junto ao DEM, como oposição ao PT e o governo Lula”.
Correndo por fora, a deputada federal comunista Jô Moraes, pré-candidata mais bem colocada nas pesquisas nos cenários sem Patrus e Azeredo, acredita que, se a aliança PSDB–PT der certo, quem ganha força é uma candidatura de esquerda. “Nunca, nos últimos 15 anos, o PSDB integrou a base de apoio do PT na prefeitura. O prefeito erra quando diz que quem está contra o acordo está contra a cidade. O PCdoB não faz aliança com partidos da oposição ao governo Lula. A tecnocracia substitui a dinâmica cotidiana das forças sociais. Isso de duas administrações definirem o candidato é uma lógica que compromete a democracia. Duas máquinas não podem se apropriar do processo”.
E a confiança das ditas “duas máquinas” é tão grande que nem mesmo o fato de Mário Lacerda ser relativamente desconhecido pela maior parte do eleitorado preocupa os defensores da aliança. “O Fernando Pimentel também era um nome desconhecido, estava em uma situação semelhante, mas foi eleito com 60% dos votos. Não existe contradição nisso, é uma plataforma de continuidade”, sustenta Virgílio Guimarães. Ao que parece, o jogo da sucessão do presidente Lula pode ter outro rumo depois do arranjo das peças nas Alterosas.
Pedro Venceslau

Hoje, no portal Yahoo, há a notícia de que a cúpula do PT nacional está querendo travar essa possibilidade de acordo. Vamos ver no que dá....
Ah...estreiando hoje mais uma seção: Falando de Educação. Vale a pena conferir!


FALANDO DE HISTORIA

História japonesa em terras brasileiras Há cem anos os primeiros imigrantes vindos do Japão chegaram ao nosso país
Leia em http://cienciahoje.uol.com.br/114790


FALANDO DE EDUCAÇÃO

Essa coisa que se faz em sala de aula:
notas sobre o mal-estar na prática docente
por Jarbas Dametto*

Recentemente, em um painel acerca do mal-estar docente realizado na Segunda Semana Acadêmica de Pedagogia da Universidade de Passo Fundo, campi Palmeira das Missões, no interior do Rio Grande do Sul, referi-me à prática pedagógica, sinceramente sem dar-me conta, como “essa coisa que vocês fazem em sala de aula”. Tal lapso foi a mim indicado posteriormente, aos risos, por um colega de mesa, professor, que achou um tanto inconveniente, ou ao menos estranha, a minha expressão, já que se tratava de uma platéia de graduandos em pedagogia, licenciaturas, e professores em atuação. Numa fala ou escrita meticulosa, certamente não usaria estes termos, mas como se sabe, o discurso muitas vezes “ganha vida própria”, e diz muito mais do que queríamos no momento dizer, talvez, diga “a verdade”.

Seguindo uma velha receita psicanalítica, resolvi explorar o lapso, escarafunchar nesta incômoda frase, a fim de pôr à luz o que nela há de possivelmente verdadeiro, o que ali precisava ser dito. Pois bem, que seria uma “coisa”? Em si, a palavra não tem nada de mal, mas é comum que a utilizemos para indicar algo que não está claro à nossa percepção, que não tem nome, que tem formas estranhas. Posso intuir que foi este o sentido que fez rir o outro painelista. Incidentalmente, emergiu um dizer chistoso, um gracejo involuntário, que em suas entrelinhas afirma: a prática pedagógica é amorfa, carente de identidade, irreconhecível senão por seu contexto, reconhecemo-la por se dar na Escola, na sala de aula.

Tendo em vista que a temática sobre a qual versava a apresentação era o sofrimento físico e psíquico que emana da prática cotidiana do professor, percebe-se que a tal “coisa” pode ser o ponto crucial do debate. Como se faz, e o que se faz em sala de aula que provoca sofrimento e, por vezes, adoecimento? Seriam esses fenômenos, problemas meramente individuais, ou há algo na prática em si, se é que podemos assim nos referir, que provoca o mal-estar? Busquemos, pois, respostas em outras fontes, para além de um inconsciente falastrão.

S. Freud (1856-1939), um dos maiores nomes da psicologia moderna, certo momento, afirmou que havia três trabalhos impossíveis de serem realizados: psicanalisar, governar e educar. Assim o afirmou, dentre outros motivos[1], devido à resistência engendrada pelos indivíduos sobre os quais, ou com os quais, se dão essas ações. No caso específico da educação, pode-se dizer que as pessoas não se educam de imediato, em uma única experiência, ou sem lutar algum tempo contra as forças que querem as educar e guiar seus destinos. De tal modo, fica clara a parcialidade, a incompletude de toda educação, jamais será obtido o resultado completo que se esperava, talvez por isso haja uma média a ser alcançada pelo aluno, e não o conhecimento de pleno dos temas tratados.

Nada disso é novidade para a prática docente, mas, tal qual o governante e o psicanalista, caberá ao professor suportar e manejar a ferida narcísica que isso acarreta: “não atingi meu objetivo, meu trabalho, ao menos em partes, fracassou”, e assim sempre será. Educar é um trabalho de Sísifo, que luta constantemente com uma força maior, que não é a “incapacidade de aprender”, mas a própria resistência ao aprendizado. Resistência esta, que se potencializa frente a disparidades entre a vida e os interesses do educando, e as propostas pedagógica da Escola. Tendo em vista a predeterminação do conteúdo das disciplinas em nível macro-geográfico, este problema ganha proporções alarmantes, em grande medida, pode-se afirmar que há mais resistência que interesse em relação à educação formal. Como aponta Sanches (2002),
[...] o aprender não é diferente de outras atividades humanas: quando algo vem de encontro a uma necessidade ou a um desejo, torna-se prazeroso. Caso contrário, pode ser vivido como uma invasão, como algo que não me pertence e do qual não me aproprio; quando o ato de aprender torna-se um gesto de sujeição, que faço porque tenho que me submeter a alguém, há pouco espaço para o prazer. (p.17).

Este confronto entre o interesse do aluno e da Escola, que é mediado pelo professor, portador de seus próprios desejos e objetivos, que podem divergir dos outros dois, faz da prática de ensino um campo aberto ao surgimento do mal-estar, que pode se materializar em afrontas diretas entre os envolvidos, ou em um sofrimento velado, onde os não-ditos se traduzem em sintomas. Afirma-se que, como em qualquer área profissional, na docência, a qualificação do trabalhador supostamente contribuiria a uma melhor execução desta conflituosa atividade, mas, sabe-se que qualificação é esta, que habilidades são necessárias? E mais, o que seria uma docência bem executada? Sabe o professor por onde ir e aonde chegar?

Vamos à busca de algumas perspectivas para essas questões, sendo uma possível fonte, o memorável pedagogo brasileiro, Paulo Freire, em seu último, e um dos mais lidos livros (talvez por ser um dos menores) Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. Logo ao abrir o referido livro, chama a atenção as vinte sete repetições de “Ensinar exige”, que compõe os subtítulos dos capítulos da obra, listados no índice. Tal relação de exigências propõe a docência como algo complexo, que necessita de uma sagaz leitura da realidade e de muita preparação, o que de fato é verídico, e bom seria se todo educador observasse essas premências em sua prática diária e em sua formação. No entanto, alguns dos critérios apontados fazem pensar se, efetivamente, é possível ensinar adequadamente. Vejamos alguns desses pontos críticos da observação de Freire (2002).

Boa parte das considerações do autor nos remetem a habilidades que podem ser adquiridas através da preparação, de leituras, de reflexões, de debates, etc.. No entanto, outras questões propõem qualidades que fogem ao domínio da formação acadêmica e profissional, entrando em elementos íntimos do sujeito, senão constitutivos de sua personalidade. Como exemplos, podemos considerar: “Ensinar exige alegria e esperança” (...) “Ensinar exige curiosidade” (...) “Ensinar exige bom senso”, dentre outras observações (FREIRE, 2002. p.8).

Embora Freire (2002) argumente muito bem cada um dos pontos, eles não deixam de transparecer algo de vocacional, que escapa a possibilidade de qualquer um que queira assim agir, ou essas qualidades possuir. Quanto ao bom senso, por exemplo, vale lembrar o apontamento cartesiano, certamente ainda válido, que afirma que “O bom senso é, das coisas do mundo, a mais bem dividida, pois cada qual julga estar tão bem dotado dele, que mesmo os mais difíceis de contentar-se em outras coisas não costumam desejar tê-lo mais do que já tem.” (DESCARTES, 2000, p.21). Conseguiria alguém, pelo bem da Educação, reconhecer a precariedade de seu bom senso, e teria o interesse em ampliar os seus limites? Se sim, através de que método o faria? Serviria o “método científico” a uma prática tão complexa? Ou então, como alguém faria para se tornar “alegre e curioso” a fim de desempenhar com melhor desenvoltura seu papel de educador? Tendo em vista tais questões, é provável que tenhamos que nos contentar com uma educação “pela metade”.

Os apontamentos de Freire (2002), prenhes de esperança e indignação, apontam a Educação como um exercício da utopia. Prática utópica porque luta contra resistências, principalmente a dos supostamente beneficiados pelo processo, embebidos que estão em limitações introjetadas ideologicamente; porque é uma luta contra adversidades políticas e econômicas; porque é uma caminhada contínua em busca de um ideal que extrapola os limites da boa atuação profissional e do adequado aprendizado dos alunos. Trata-se de uma prática de libertação que se faz em conjunto, e como tal, extremamente árdua e conflituosa.

A educação formal se mostra utópica por esse e vários outros motivos, porém, não podemos assim considerá-la se nos apegarmos ao sentido estrito do termo, utopia como não-lugar, pois o lugar é o pouco que resta como referencial, como algo que dá identidade a esta ambígua prática revivida diariamente. Tudo o que se pode dizer com certeza é que se trata de, via de regra, “uma coisa que se faz em sala de aula”, cujas formas e métodos não escapam a intersubjetividade e aos embates culturais presentes neste espaço.

Um passo para o adequado enfrentamento deste mal-estar sentido na Escola poderia ser assumi-lo enquanto inerente a esta experiência educacional institucionalizada, e não como um subproduto ou uma anomalia desta. Da mesma forma que, como aponta Birman (2000) coube admitir que o mal-estar permeia a atualidade e pertence ao rol dos males incuráveis da civilização, os quais podem, na melhor das hipóteses, serem administrados. O preparo para esta diversidade amorfa e belicosa reservada ao trabalho docente passa, não pela aquisição de técnicas didáticas, embora sejam elas necessárias, mas pelo desenvolvimento de uma estrutura sólida (não rígida), capaz de sobreviver aos impactos das frustrações e de gerir micro-politicamente as resistências emergentes no cotidiano. Os psicanalistas costumam chamar um preparo semelhante a este como formação, um processo para praticamente a vida inteira, que inclui estudo, supervisão e análise. No círculo docente, tem se falado muito em formação continuada – o adjetivo nos dá mostras de que um dia se pensou que a formação docente poderia estar, em algum momento, definitivamente concluída, mas a realidade insiste em provar o contrário.

Referências Bibliográficas:
BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
__________. Subjetividade, contemporaneidade e educação, In: CANDAU, V. (Org) Cultura, linguagem e subjetividade no ensinar e aprender. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.11-28.
DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Martin Claret, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. 21.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
SANCHES, Renate M. Psicanálise e Educação: questões do cotidiano. São Paulo: Escuta, 2002.

* Psicólogo, Mestrando em Educação da Universidade de Passo Fundo. Bolsista CAPES.
[1] Sobre as demais leituras possíveis acerca desta “impossibilidade” observada por Freud, ver BIRMAN, 2002
http://www.espacoacademico.com.br - © Copyleft 2001-2008
É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída


BRASIL
(enviado por Vânia Facury. Matéria da Folha de São Paulo)

FERNANDO DE BARROS E SILVA
A direita e o lulismo
SÃO PAULO - A chegada de Lula ao poder seguida da ruína moral do petismo serviu de trampolim para impulsionar uma nova direita no país. É um fenômeno de expressão midiática, mais do que propriamente político. Está disseminado em jornais, sites, blogs, na revista. E deve sua difusão aos falcões do colunismo que se orgulha de parecer assim, estupidamente reacionário.
Mesmo que a autopropaganda seja enganosa e oculte que até ontem o conservador empedernido de hoje comia no prato da esquerda, que é só um "parvenu", um espertalhão adaptado aos tempos -ainda assim, temos aqui uma novidade.
Essa direita emergente já formou patota. Citam uns aos outros, promovem entrevistas entre si, trocam elogios despudorados. Praticam o mais desabrido compadrio, mas proclamam a meritocracia e as virtudes da impessoalidade; são boçais, mas adoram arrotar cultura.
É uma direita ruidosa e cínica, festiva e catastrofista. Serve para entreter e consolar uma elite que se diz "classe média" e vê o país como estorvo à realização de seu infinito potencial. Seus privilégios estão sempre sob ameaça e agora a clientela de Lula veio azedar de vez suas fantasias de exclusivismo social.
Invertemos a fórmula de Umberto Eco: enquanto a direita anuncia o apocalipse, os integrados, sob as asas do lulismo, são testemunhas vivas do fiasco do pensamento de esquerda neste país. Não me lembro de ter visto antes a mídia estampar com tanta clareza os passos da regressão social de que participa.
Do lado oficial, há um ambiente paragetulista de cooptação e intimidação difusas, se não avesso, certamente hostil às liberdades de expressão e de informação.
Na outra ponta, um articulismo de oposição francamente antinordestino e preconceituoso, coalhado de racismo e misoginia, que faz do insulto seu método e tem na truculência verbal sua marca. Deve-se a ele o retorno da cultura da sarjeta e do lixo retórico, vício da imprensa nativa que remonta ao Império, mas que havia caído em desuso

2. Muito a proposito do editorial do número passado, quando falamos de "São Keynes" (rsss) e de como o "mercado" tornou-se humano, a ponto de manifestar sentimentos e emoções (pelo menos para a Miriam Leitão...), o artigo de Gilson Caroni, da Agência Carta Maior:
Por que a imprensa não reza para São Keynes?
A economia desregulamentada, a crença cega em mecanismos financeiros de auto-regulação e o padrão monetário amparado no dólar como moeda universal sempre foram tratados como axiomas. Não será agora que serão apresentados como castelos de areia de um discurso falido.
Gilson Caroni Filho
No momento em que dados e análises sobre a economia estadunidense reforçam a percepção que aquele país caminha para a recessão, a grande imprensa que, com unhas e dentes, defendeu o ideário monetarista como expressão única da razão econômica, não só finge que seus cânones passam ao largo da crise como torce para que ela contamine a estabilidade econômica brasileira. Não há sequer esboço de autocrítica, mas a determinação dos que sempre combateram à sombra qualquer caminho alternativo.
Quem analisou o conteúdo da mídia nos cinco últimos anos observou uma postura que se manteve constante. Os elogios de articulistas econômicos conservadores e os editoriais de apoio de setores expressivos da grande imprensa nunca deixavam dúvida quanto à natureza da estratégia. Junto com a defesa intransigente dos que apostavam em uma continuação da política econômica neoliberal tucana assistimos, simultaneamente, em páginas nobres e minutos preciosos de telejornais, a ataques sistemáticos aos setores que se empenhavam em preservar as bandeiras que levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a duas vitórias eleitorais consecutivas.
No entanto, não devemos cobrar coerência de jornais, revistas e emissoras de televisão . Afinal, julgavam que se opunham a um governo “que estava em disputa". Permanecem, justiça seja feita, onde sempre estiveram. Com os mesmos aliados e interesses. Podem mudar o foco, jamais o discurso, como deixa claro Miriam Leitão em sua coluna no jornal O Globo.
A pretexto de historiar as crises recentes da economia mundial, a jornalista, na edição de 21 de março de 2008, conclui seu texto de forma curiosa, com estilo que recende uma torcida incontida:
A economia brasileira pode ser afetada pela recessão americana, pelos movimentos bruscos de capitais, pela queda dos preços das commodities. O ambiente econômico estará mais hostil daqui em diante. Isso demora a ficar mais visível; enquanto isso, as autoridades dirão que a crise não é nossa".
O interessante do trecho acima está no que “demora a ficar visível" para um certo tipo de jornalismo. O padrão de financiamento adotado para alimentar os déficits dos EUA, a economia desregulamentada, a crença cega em mecanismos financeiros de auto-regulação e o padrão monetário amparado no dólar como moeda universal sempre foram tratados como axiomas. Não será agora que serão apresentados como castelos de areia de um discurso falido. Afinal estamos diante de um sistema de crenças que condiciona estilos e limita atitudes.
Em ensaio publicado na revista Margem Esquerda, em 2004, o economista e professor da PUC-SP, Carlos Eduardo Machado destacava que mais do que um conjunto específico de políticas econômicas, o neoliberalismo se apresenta como um paradigma flexível. Comporta realidades cambiais distintas, setores públicos de variados tamanhos, além de dosagens diferenciadas, conforme a realidade do país, de fiscalismo e política monetária. O que o define de fato, segundo o autor são as seguintes determinações:
"1. Prioridade absoluta para os direitos do capital; 2. ocultamento das relações capital-trabalho e responsabilização do indivíduo frente ao capital; 3. a despolitização da política econômica, tratada como técnica universal;4. abertura de novos espaços para valorização do capital e, finalmente, culpabilidade dos países dependentes pela desordem financeira".
Ora, qual desses itens não foi contemplado nas editorias de economia e nos discursos e atos do que se convencionou chamar de núcleo duro de economistas afinados com a sintonia das sonatas de mercados? Tristes tempos em que Gustavo Franco virou oráculo de uma esfinge que nunca pediu para ser decifrada.
Mas,voltando ao ensaio de Machado, não resta dúvida quanto à importância do terceiro ponto por ele destacado. Sem ele, dificilmente, a articulação entre os demais se realizaria. A despolitização da economia é o toque nevrálgico da hegemonia neoliberal. Concebidos como conjunto de práticas e idéias que se reforçam reciprocamente, os processos hegemônicos só se efetivam se forem capazes de universalizar interesses específicos.
Só há chance de êxito se conseguirem, para si, o estatuto de uma física social em que as verdades" estão a salvo de qualquer reparo crítico. E é por aí que desfilam premissas, promessas e metáforas. Tanto na crença de prestigiados economistas quanto no discurso jornalístico, a grande ausente é a análise macroeconômica.O pensamento único ganhou oxigênio de quem, por dever de ofício e integridade ética, deveria noticiar seu esgotamento.
Assim, autonomizada das relações concretas, a economia entrou em órbita própria com indicadores que, tal como cabalas, exigem ritos iniciáticos. A análise apurada cede lugar à evidência do "risco-Brasil". As oscilações dos C-bonds e os humores da Bovespa seguem atônitos os vaticínios da Merril Lynch. E se o mercado aparenta calma ou nervosismo, os derivativos não demonstram qualquer desconfiança quanto aos “fundamentos”.
O homem, esse indicador desnecessário, é visto como variável secundária, pouco interveniente, estatisticamente irrelevante. Afastados do debate econômico, Marx e Keynes não são dignos de figurar em cenário tão féerico.
Outro texto antigo que não pode ser negligenciado é o artigo publicado por Renato Ortiz, em outubro de 2003, no suplemento Mais!, da Folha de S.Paulo. Nele, o professor da Unicamp afirma que "dos mitos atuais, perenes, inquestionáveis, cotidianamente celebrados em escala global, um deles se denomina mercado. A ele nos referimos como entidade real, com vida própria, capaz inclusive de reações semi-humanas". Descrevendo as funções de economistas no desvendamento da estrutura mítica que o mercado assume, Ortiz explica que as interpretações só serão críveis se expressas esotericamente. Ou seja, a credibilidade será filha da ininteligibilidade. Se alguém duvida, os trechos abaixo, extraídos de uma edição de 29 de abril de 2004 de O Globo, são um exemplo, sob medida, de como a semântica neoliberal se travestiu de noticiário.
"A mistura explosiva de temor de uma alta nos juros americanos com novos ataques no Oriente Médio foi o combustível para o dia de maior nervosismo no mercado financeiro nas últimas duas semanas. A crescente aversão a risco dos investidores globais fez disparar as ordens de venda de títulos e ações de países emergentes. Segundo analistas, há investidores optando por manter o dinheiro em caixa até que o cenário fique mais claro. As bolsas, no Brasil e no mundo, também tiveram um dia de turbulências ontem".
"Os bônus brasileiros, os mais negociados no mercado de dívida emergente, com 50% das operações, estavam entre os que mais sofreram: o C-Bond caiu 2,26%, negociado a 90,7% do valor de face. É o menor patamar desde 4 de setembro (90,85%). A derrocada dos papéis levou o risco-Brasil a subir 5,56%, para 665 pontos centesimais — o maior nível desde 3 de outubro de 2003 (667)."
A dificuldade de compreensão para o leitor comum não decorre de deficiência estilística. Trata-se de história expurgada de ação humana. Correlações frouxas para mostrar uma relação de causalidade que prescinde da intervenção política. Descolado da práxis humana, o capitalismo financeiro se reproduz com uma lógica férrea. A "mão invisível do mercado" desmaterializa qualquer contradição interna de sua própria dinâmica. Nesta, tudo é perfeição. A impureza vem de uma realidade que precisa ser positivada em índices. Eis o papel ideológico da cabala financeira das redações.
Ao afirmar que “que a economia dos EUA está essencialmente andando de lado, ou talvez esteja se contraindo abertamente", Jorgen Elmeskov, diretor em exercício de economia da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), acena para algo que transcende o fim de um ciclo de acumulação. No santuário dos fundamentalistas de mercado, a imagem de Friedman, esmaecida em seus pressupostos, parece não atender às orações. Não seria a hora de, em ato de contrição, acender uma vela para Keynes? Pode soar como heresia, mas o “apocalipse" se tornará mais inteligível. E, afinal, ensina o liberalismo: cada um deve cuidar da salvação da própria alma. Só assim a salvação dos mais “aptos” estará assegurada.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.


INTERNACIONAL

1.Os Estados Unidos e sua crise econômica

2. Não aprendemos com a história

ROBERT FISK, DO "INDEPENDENT"
Passados cinco anos, ainda não aprendemos. Cinco anos de catástrofe no Iraque, e penso em Churchill, que no final classificou a Palestina como um "desastre infernal".
O Iraque está se afogando em sangue. Hoje, estamos envolvidos em um debate infrutífero. O que houve de errado? Como permitimos que isso acontecesse? E como não nos planejamos para o que viria depois? Quando os americanos chegaram ao Iraque, em 2003, eu estava em meu quarto imundo no hotel Palestine, em Bagdá.
Havia levado comigo uma pasta com recortes de jornal, entre eles uma longa diatribe escrita por Pat Buchanan, e continuo deslumbrado diante da presciência que o texto exibe: "Com nossa regência MacArthur instalada em Bagdá, a "pax americana" chegará ao apogeu. Mas a maré terminará por recuar, pois a única empreitada em que os povos muçulmanos se destacam é expelir potências imperialistas por meio do terrorismo e da guerrilha".
"Eles expulsaram os britânicos da Palestina, os franceses da Argélia, os russos do Afeganistão, os norte-americanos da Somália, os israelenses do Líbano. A única lição que a história nos ensina é que nada aprendemos com a história." Os homenzinhos que nos conduziram à guerra cinco anos atrás provam não ter aprendido nada. Quando os britânicos estavam em retirada por Dunquerque, Churchill anunciou que "os alemães conseguiram uma profunda penetração e estão espalhando o alarme e a confusão na esteira de seus avanços". Por que Bush ou Blair não nos disseram coisa semelhante quando os insurgentes iraquianos começaram a atacar as forças de ocupação ocidentais? Bem, estavam ocupados demais nos dizendo que as coisas estavam melhorando e que os rebeldes estavam "em um beco sem saída".
Não há um único líder ocidental moderno que tenha experiência real em uma guerra real. Quando a invasão do Iraque começou, o mais proeminente dos oponentes europeus da guerra era Jacques Chirac, que combateu na Argélia. Mas ele se foi. Como Colin Powell, veterano do Vietnã, iludido pelo então secretário da Defesa Donald Rumsfeld e pelas mentiras da CIA a apoiar a invasão.
Os mais sanguinolentos dos estadistas norte-americanos, Bush, Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz, jamais estiveram envolvidos em combates. O mesmo se aplica a Blair e Brown. Hoje, talvez nos seja permitida uma verdadeira sessão de contato com os fantasmas da Segunda Guerra Mundial. As estatísticas servem como médium. O número de baixas fatais norte-americanas no Iraque (3.978) supera em muito os 3.384 mortos e desaparecidos nos desembarques do Dia D, em 6 de junho de 1944, na Normandia, e é três vezes superior às baixas britânicas em Arnhem (1.200), no mesmo ano.
O número de britânicos mortos no Iraque, 176, quase equivale ao total de soldados britânicos perdidos na Batalha do Bolsão, em 44 e 45 (pouco mais de 200 mortos). O número de feridos norte-americanos no Iraque, 29.395, supera em nove vezes o número de feridos dos Estados Unidos em 6 de junho de 1944 (3.184), e representa mais de um quarto do total de feridos da Guerra da Coréia, de 50 a 53 (103.284).
Mesmo que aceitemos as mais baixas estimativas quanto ao número de civis iraquianos mortos, elas variam entre 350 mil e 1 milhão e superam em muito o total de vítimas causadas em Londres pelos ataques alemães com bombas voadoras em 1944 e 1945 (6.000), bem como o total geral de civis britânicos mortos em ataques aéreos durante a guerra (60.595 mortos e 86.182 feridos graves entre 1940 e 1945).
O total de mortos civis iraquianos desde a nossa invasão é hoje maior que o total de militares britânicos mortos na Segunda Guerra Mundial, que atingiu espantosos 265 mil soldados, além de 277 mil feridos. As estimativas mínimas quanto ao número de iraquianos mortos significam seis ou sete Dresdens ou -ainda mais terrível- duas Hiroshimas. No entanto, isso só nos distrai da chocante verdade do anúncio de Buchanan. Enviamos nossos exércitos à terra do Iraque. Se hoje existem cerca de 22 vezes mais soldados ocidentais em terras muçulmanas do que havia nas cruzadas dos séculos 11 e 12, é lícito perguntar o que estamos fazendo lá.
Caso Washington não tivesse se deixado distrair pelo Iraque, o Taleban não teria se restabelecido. Mas a Al Qaeda e Osama bin Laden não se deixaram distrair. E é por isso que eles expandiram suas operações no Iraque e usaram a experiência assim adquirida para atacar o Ocidente no Afeganistão. Vou arriscar um palpite terrível: o de que tenhamos perdido o Afeganistão tão claramente como perdemos o Iraque.
Nossa presença, nosso poder, nossa arrogância, nossa recusa em aprender com a história e nosso terror contra o islã estão nos conduzindo ao abismo. E até que aprendamos a deixar em paz os povos muçulmanos, nossa catástrofe no Oriente Médio apenas se agravará. Não existe conexão entre islã e terrorismo. Mas existe conexão entre nossa ocupação de terras muçulmanas e terrorismo. Não é uma equação muito complicada. Não precisamos de um inquérito público para encontrar a resposta correta.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
NA INTERNET Leia a íntegra do artigo em
www.folha.com.br/080806


LIVROS E REVISTAS

1. ZINN, Howard. La otra historia de los Estados Unidos (desde 1492 hasta hoy). 2 ed. México: Siglo XXI Editores, 2005, 520 p.
Uma história não contada
por Waldir José Rampinelli*

Nos arredores de Boston, em uma lápide no parque nacional se lê a inscrição: “Aqui jaz uma mulher índia, uma wampanoag, cuja família e tribo entregaram suas vidas e suas terras para que esta grande nação pudesse nascer e prosperar”. Muitos cidadãos estadunidenses, gente decente e bem intencionada – diz Noam Chomsky – desfilam continuamente junto a esta tumba, lendo o epitáfio sem exibir a mínima reação, quando não um sentimento de satisfação pela homenagem prestada a esta pobre gente. Talvez não fizessem o mesmo diante de um Auschwitz ou Dachau. O genocídio dos nativos – cuja população girava em torno de 12 a 15 milhões de pessoas por volta de 1492 – se estendeu mais tarde aos negros, sem esquecer a opressão e a exploração da classe dominante aos brancos pobres, às mulheres e às crianças. No plano externo, com as guerras os Estados Unidos não apenas conquistaram 55% do território mexicano, como se apoderaram de domínios e ilhas espanholas, obrigaram a França a vender a Luisiânia e impuseram, baseados em suas mais diversas doutrinas, uma hegemonia sobre a América Latina.
O historiador Howard Zinn mostra A outra história dos Estados Unidos, a que não é ensinada nas escolas e universidades e tampouco escrita nos livros e revistas. “Se a história tem que ser criativa – para assim antecipar um possível futuro sem negar o passado – deveria, creio eu, se centrar nas novas possibilidades baseando-se no descobrimento dos fatos esquecidos do passado, nos quais, ainda que seja só em breve pinceladas, as pessoas mostraram uma capacidade para a resistência, para a unidade e, ocasionalmente, para a vitória” (p. 21). Ao se referir à Declaração de Independência, redigida por Thomas Jefferson e proclamada em 4 de julho de 1776, afirma que, embora ela enunciasse “que todos os homens são criados iguais, que seu Criador lhes dá certos direitos inalienáveis, entre outros o da Vida, o da Liberdade e o da Felicidade”, ocorreu, no entanto, que uma grande maioria de estadunidenses foi claramente excluída destas conquistas, com
o os índios, os negros, os brancos pobres e as mulheres A estes foram oferecidas as aventuras e as recompensas do serviço militar para que lutassem por uma causa que talvez nunca sentiram como própria.
Persiste até hoje nos Estados Unidos uma verdadeira mitologia em relação aos Pais Fundadores da Pátria. Segundo Zinn, eles não buscavam o equilíbrio de poder, mas sim um mecanismo que desse o total controle à classe dominante da época. “O certo é que não queriam um equilíbrio igualitário entre escravos e patrões, entre os sem terras e os latifundiários, entre os índios e os brancos” (p. 82). Os Fundadores não levaram em conta as mulheres, que significava a metade da população, nem sequer foram mencionadas na Declaração de Independência e estiveram ausentes da Constituição, sendo a parte invisível da nação.
A Guerra Civil (1861-1865), apresentada como a da abolição da escravidão, teve um objetivo fundamental, qual seja, o de transferir mais poder aos ricos do norte, de modo especial aos monopólios. “Um governo assim”, afirma Zinn, “não aceitaria que fora uma revolta que pusera fim à escravidão. Só se acabaria com a escravidão em termos ditados pelos brancos, e somente quando o exigissem as necessidades políticas e econômicas da elite empresarial do Norte. Foi Abraham Lincoln quem combinou com toda a perfeição as necessidades do empresariado, a ambição do novo Partido Republicano e a retórica do humanismo” (p. 142). Uma vez libertos, os negros tiveram que se alistar no exército e na marinha. No entanto, já na década de 1870, quando eles começaram a se organizar para exigir seus direitos civis, a oligarquia branca do sul usou de seu poder econômico para preparar grupos racistas com práticas terroristas, como a Ku Klux Klan. No centenário da independência (1876), uma “Declaração Negra da Independência” denunciou o Partido Republicano que antes havia merecido sua confiança na busca da liberdade, conclamando os votantes negros a assumir uma posição política independente. A Declaração, entre outras coisas, dizia que o sistema atual “apresentou ao mundo o absurdo espetáculo de uma terrível guerra civil pela abolição da escravidão negra enquanto a maioria da população branca [os brancos pobres] – aquela que criou a riqueza da nação – se vê obrigada a sofrer uma escravidão muito mais dolorida e humilhante” (p. 182).
A outra guerra civil é o termo utilizado por Zinn para analisar o incremento da luta de classes nos Estados Unidos ao longo de todo o século XIX, totalmente ausente dos livros de história (cap. 10). Juntamente com a industrialização aparecem os operários que vão incrementar o conflito capital versus trabalho. As greves são uma constante não apenas por salário, mas também por redução de jornada laboral e direito à sindicalização.
Algumas categorias, como as feministas que se organizaram nos locais de trabalhos, passaram a fazer greves exigindo não apenas salário igual para a mesma tarefa realizada, como também o fim da opressão sexual. Muitas delas se aliaram aos negros, enquanto alguns sindicatos de trabalhadores brancos exigiam que os trabalhadores de cor criassem os seus, na luta pela desigualdade racial e de gênero.
A busca por uma sociedade mais justa – identificada como socialista – foi intensa no final do século XIX e principalmente no XX dentro dos Estados Unidos (cap. 13). Escritores famosos, como Upton Sinclair, Jack London, Theodore Dreiser, Frank Norris e outros defendiam publicamente o socialismo ao mesmo tempo em que atacavam violentamente o capitalismo. Uma parcela dos trabalhadores, dando-se conta de que a raiz de sua miséria estava no sistema capitalista, começou a trabalhar por um novo tipo de sindicato. Em junho de 1905, na cidade Chicago, cerca de duzentos socialistas, anarquistas e sindicalistas radicais de todas as partes dos Estados Unidos fundaram o Industrial Workers of the World (IWW) que faria um grande trabalho na organização de um sistema alternativo ao capitalismo.
Embora as mulheres tenham conseguido o direito ao voto, apenas em 1920, após a aprovação da Décima Nona Emenda Constitucional, muitas delas, como Emma Goldman, tinham claro que apenas o sufrágio universal não ajudaria a mulher na busca de sua emancipação. Era fundamental continuar a luta – dizia Goldman – reafirmando sua personalidade, tendo direito sobre seu corpo, negando-se a ter filhos a não ser que os deseje, recusando-se a ser uma empregada de Deus, do Estado, da sociedade, de seu marido, de sua família, enfim, fazendo sua vida mais simples, porém mais rica e profunda. Somente isto e não o voto libertará a mulher (p. 255).
O Estado foi o grande propulsor do sistema capitalista nos Estados Unidos. Para isto criou toda uma estrutura que possibilitasse a existência de uma classe dominante que gerasse o lucro a partir do mecanismo da mais-valia explorando o trabalho dos imigrantes irlandeses, alemães, italianos, chineses e, posteriormente, judeus e gregos. A Corte, o Congresso e o Executivo atuaram em perfeita consonância na consecução deste objetivo. Já em 1893, um juiz do Supremo Tribunal – David J. Brewer – dirigindo-se ao Colégio de Advogados do estado de Nova Iorque disse que “é uma lei invariável que a riqueza da comunidade esteja nas mãos de uns poucos” (sic). O governo, por sua vez simulando neutralidade para manter a ordem, foi servindo aos interesses dos ricos. O mesmo aconteceu com os partidos políticos, o Republicano e o Democrata. Um acordo entre os dois – que possibilitou a eleição de Rutherford Hayes, em 1877 – defendia que, ganhando um ou outro, já não haveria mudanças significativas na política nacional.
O governo protegeu a indústria nacional de suas concorrentes estrangeiras, facilitou o surgimento dos monopólios, buscou mercados cativos para compra de matérias-primas e vendas de produtos e lançou mão, principalmente no final do século XIX e início do XX, de estratégias como o pan-americanismo, o big tick, a diplomacia do dólar e a boa vizinhança para avançar sobre a América Latina.
As reformas de Roosevelt para salvar o capitalismo da grande crise foram importantes, mas não fundamentais. Na realidade, foi a Segunda Guerra Mundial que debilitou a velha militância trabalhista dos anos trinta, já que o conflito passou a gerar milhões de novos empregos com salários mais altos. O New Deal só havia reduzido o desemprego de 13 para 9 milhões de pessoas. Além disso, a guerra aumentou o patriotismo e a união de todas as classes para derrotar os inimigos externos, enfraquecendo assim a luta contra os monopólios e as greves por melhorias salariais.
Zinn termina seu livro mostrando que o Vietnam foi a primeira grande derrota do império global estadunidense no pós-Segunda Guerra Mundial, o que se deveu à luta dos camponeses revolucionários e ao movimento de protestos dentro dos Estados Unidos. Analisa os novos movimentos de mulheres, negros, índios e carcereiros nos anos 1960 e 1970. Mostra como Watergate, com a saída de Nixon, deixou intacto o sistema, tanto que as multinacionais atuaram na queda de vários governos, principalmente na América Latina. Comenta o trabalho da Agência Central de Inteligência e da Comissão Trilateral, esta criada para favorecer a união entre Japão, Europa Ocidental e Estados Unidos na luta, não contra o comunismo monolítico, mas sim contra os movimentos revolucionários do Terceiro Mundo que questionavam o sistema capitalista. Não deixa de falar de Carter-Reagan-Bush e o consenso bi-partidista.
Sem dúvida trata-se de um grande livro para conhecer uma história que sempre nos foi contada de outra maneira. A obra foi escrita em poucos anos, mas o seu autor conta com mais de vinte de pesquisa e ensino e tantos outros de participação em movimentos sociais.


* Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina
http://www.espacoacademico.com.br - © Copyleft 2001-2008
É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída


2.


A Consciência da historia
"Dos anos 80 do século vinte até hoje, vivemos um refluxo completo do movimento revolucionário dos trabalhadores, exceto em casos específicos e muito contraditórios espalhados aqui e acolá pelo globo, que não expressam nenhuma forma efetiva de superação do capitalismo. Mesmo assim, isto não impede que alguns grupos e indivíduos isoladamente ou de maneira articulada desenvolvam atividades e produzam uma obra teórica com profundidade, partindo da perspectiva do proletariado e aprofundando, atualizando, o materialismo histórico-dialético.
A reedição de A Consciência da História: Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético é um exemplo claro deste processo. Os ensaios contidos neste volume são simultaneamente uma revisita à obra de Marx, pois alguns pontos que ficaram ali nebulosos e que deram margem a interpretações equivocadas do marxismo são reavaliados e, quando é o caso, são aprofundados. São uma análise crítica das várias deformações pelas quais passou o marxismo e uma avaliação das possibilidades do materialismo histórico-dialético". (Do prefácio de Lucas Maia dos Santos).

3.

Revista Tensões Mundiais n.3
Artigos
Violência, poder e Estado-Nação: uma avaliação sociológica
SINISA MALESEVIC
As forças armadas brasileiras no pós-guerra fria
JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO
“Defesa e segurança” como área do conhecimento científico
MANUEL DOMINGOS
O Banco Mundial e a Reforma do Judiciário na América Latina
CRISTINA CARVALHO PACHECO
Os arranjos brasileiros de Radamés Gnattali
MATEUS PERDIGÃO DE OLIVEIRA E MÔNICA DIAS MARTINS
Resenhas

4.
ANTROPOLOGIA - Mércio Pereira Gomes
O livro chega em nosso estoque no dia 28/03 e em seguida poderá ser encontrado nas melhores livrarias do país e nos sites da Livraria Cultura ou da Editora Contexto
Escrito especialmente para estudantes, professores e profissionais das ciências humanas, este livro desvenda as facetas da Antropologia – da evolução do Homo sapiens aos mistérios dos rituais e da religião. Com linguagem acessível, o autor analisa a importância da Antropologia para os dias de hoje e para o futuro, inclusive no cenário brasileiro. Mostra ainda que, mais que uma ciência da diversidade cultural, a Antropologia é uma forma de dar sentido ético ao homem.
O autor Foi o primeiro antropólogo brasileiro a conceber e escrever sobre a sobrevivência dos povos indígenas no Brasil. É professor adjunto do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal Fluminense (UFF) desde 1997. Foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) entre 2003 e 2007, o período mais longo de um civil na história do órgão indigenista.
240 páginas, R$ 35,00.

SITES E BLOGUES

1. Semana cheia de artigos novos:

a. Cinco anos de blog. E, portanto, cinco anos de invasão norte-americana no Iraque. Fizemos um balanço desse período com uma mãozinha de veteranos da guerra, e explicamos aos leitores por que ainda tamos com raiva!

b. Uma reflexão em tempos de Páscoa, para cristãos e não-cristãos: o que os evangelhos deveriam nos ter ensinado...

c. Blog Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim, é tirado do ar pelo iG sem a menor cerimônia, antes do vencimento do contrato. Censura na rede e desrespeito com os leitores: entendam quem está por trás dessa jogada. (Sugestão: leia a parte de comentários, que sempre traz atualizações sobre o assunto do post. Neste já temos 13 comentários que enriqueceram bastante o texto original).

Leia em www.tamoscomraiva. blogger.com. br

2. Sobre a atitude do portal IG que detonou o site do Paulo Henrique Amorim, veja também as informações no blog http://mariafro.blogspot.com/. Procure as postagens dos dias 18 e 19.

3. Para quem gostava do Conversa Afiada do Paulo Henrique Amorim, é bom saber que ele está em casa nova: http://www.paulohenriqueamorim.com.br/index.asp


NOTICIAS

1. Concurso para professor Adjunto naUFOP
Estão abertas as inscrições, de 17/03 a 15/04, as inscrições para provimento de cargo de professor adjunto (doutor ou livre-docente) para a área de Historiografia Brasileira.
O edital, a guia de recolhimento e demais informações, podem ser obtidas no site da UFOP: www.ufop.br ou pelo email adp@proad.ufop.br

2. EARTH HOUR
no próximo dia 29 de março, no sábado, acontecera um movimento mundial conhecido como Earth Hour.
Milhões de pessoas no mundo todo irão desligar tudo que estiver em sua casa e escritório durante 1 hora, de 8 da noite as 9 da noite.(na hora oficial do seu pais).
Parece ser só mais uma daquelas correntes utópicas de internet, mas não o é. Ano passado já ocorreu uma earth hour na Austrália e este ano o movimento se tornou global.
E uma pequena forma de mostrarmos aos nossos governantes que nos preocupamos sim com o aquecimento global, com o rumo que estamos guiando nosso planeta, e que queremos um lugar habitável pra nossos filhos e netos.
Entre no site, que alem de inglês esta na versão em espanhol e participe.http://www.earthhour.org/

3. Seminário Nacional do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil 1822 / 2022.

Essa semana, dia 27 de março, quinta feira; às 19:00h acontecerá o primeiro seminário nacional de 2008, sobre a temática geral: Reformas Educacionais no Brasil. O conferencista e coordenador do projeto, Luciano Mendes de Faria Filho, proferirá a palestra de abertura As Retóricas das Reformas.
Informações mais detalhadas, acesse o site do projeto: http://www.fae.ufmg.br/pensareducacao

4.